Fechamento da Ford e da Mercedes-Benz no Brasil têm múltiplos fatores, mas acendem sinal para crescimento medíocre do PIB em anos recentes e perda de participação da indústria na economia do país.
Multinacionais como a Ford e a Mercedes-Benz não saem de um país, abandonando anos de investimento, por um único fator. A montadora norte-americana anunciou o fechamento de suas operações no país na segunda-feira, 11/01, enquanto a Mercedes fechou sua fábrica em dezembro de 2020.
“Os casos da Ford e da Mercedes-Benz reúnem fatores conjunturais, estruturais, um certo relapso com a agenda de competitividade, associada com um processo de transformação na economia mundial, sem que o Brasil sinalize, seja com reformas ou com política séria de desenvolvimento e inovação, as estratégias que vai adotar”, afirma o economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Rafael Cagnin.
Por um lado, a Ford perdeu espaço no país ao longo dos últimos anos, ao mesmo tempo em que aumentou a concorrência. Em 2020, a participação da companhia no mercado brasileiro de automóveis foi de 7,39%, na sexta colocação. Em 2011, era de 9,17%, na quarta posição. Os percentuais são calculados com base em dados da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Por outro lado, há motivações conjunturais. O custo Brasil – gastos das empresas que decorrem de ineficiências e deficiências do país, como na logística e na mão-de-obra -, que tem sido repetido à exaustão como motivador não pode ser desprezado. Mas, para uma empresa instalada há um século no país, não era bem uma novidade. O que mudou, além da estratégia global da companhia?
Encolhimento do mercado interno
Para o diretor-geral da Fator Administração de Recursos, o economista Paulo Gala, um dos elementos conjunturais é a derrocada do mercado interno, após uma recessão severa (2014-2016) e anos de crescimento medíocre (2017-2019), coroados agora com uma pandemia.
“O mercado interno implodiu, o faturamento das empresas do setor já foi de US$ 87 bilhões no Brasil em 2013, e caiu para US$ 54 bilhões em 2019. Já chegamos 3,5 milhões de veículos, hoje são 2,5 milhões ao ano. A perda de escala vai fechando as fábricas”. O número de empregos gerados também recuou, de 135 mil em 2013 para 106 mil em 2019.
Segundo dados compilados por Gala, entre 2004 e 2013 o crescimento econômico e fortalecimento do mercado interno promoveram um maior interesse da indústria automobilística, com a produção de automóveis a uma taxa média de crescimento para esse período de 7,8%. Esse crescimento foi determinado pela dinâmica interna: a participação do mercado interno como destino da produção foi de 64,5% em 2005 para 84,2% em 2013.
O cenário começou a degringolar a partir de 2014, com o início da recessão. O setor passou a ter quedas de produção, e voltou a crescer apenas em 2017, mantendo-se, porém, distante do cenário pré-crise.
Se antes os subsídios ao setor – que em 2021 devem ser de R$5,9 bilhões, somente da União – e o mercado interno compensavam o custo Brasil, agora o cenário é outro. Já são seis anos de adversidade econômica, e o setor automobilístico é um dos que mais sofreram. O nível de produção do segmento em novembro de 2020 era 34% inferior a dezembro de 2011, quando ocorreu o último pico, de acordo com dados do IBGE.
“É uma contração brutal, e sem muitas perspectivas claras de que esse processo vai ser revertido, seja porque ainda estamos em um ambiente pandêmico, seja porque temos conflitos políticos recorrentes e não temos um planejamento claro de médio e longo prazos”, diz Cagnin.
O gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca, acredita que há um “excesso” de montadoras no país, que o mercado interno não é capaz de absorver. “Não faz sentido instalar uma fábrica para atender apenas um mercado, envolve poder também exportar, e aí é que vem a questão crítica do Brasil, que oferece várias desvantagens”. Entre os pontos negativos, de acordo com Fonseca, estão o custo Brasil, a carga tributária – e o não encaminhamento da reforma – e a falta de integração com cadeias globais.
Desindustrialização
Alguns economistas apontam também para o movimento dessas empresas como um sinal da desindustrialização do Brasil. Segundo Fonseca, com menos barulho, encolheram no país o recentemente o setor de alumínio e a indústria petroquímica, por exemplo. “Não é só a questão da perda de participação da indústria no PIB, mas no Brasil isso está sendo acelerado por essa falta de competitividade, por essa dificuldade de se integrar às cadeias globais”.
De acordo com o economista do Iedi, a saída das montadoras sinaliza que o país pode passar por uma aceleração do processo de desindustrialização diante de um ambiente internacional de transformação tecnológica.
Cagnin avalia que o ônus do Brasil tende a ser ampliado pela profunda mudança tecnológica pela qual a indústria automotiva passa globalmente. “Quando a gente fala em robotização, o setor que mais usa é o automobilístico. E o Brasil tem pouca robotização porque não tem canais de financiamento adequados e está desconectado da economia internacional”.
A participação do setor industrial no PIB brasileiro vem caindo ano a ano. Em 2018, a indústria de transformação representou apenas 11,3% do PIB, quase a metade dos 20% registrados em 1976, a preços constantes, conforme estudo do Iedi.
Embora haja uma tendência ocidental de menor participação da indústria nos PIBs dos países, o Brasil é um ponto fora da curva. Primeiro, porque no Brasil ocorreu de forma muito rápida e acentuada, e quando outros países começaram a perder participação da indústria em suas economias, isso aconteceu após muito tempo com a indústria no topo.
O segundo ponto de diferença é que é esperado que, à medida que a população vai enriquecendo, uma migração bens mais básicos, para outros mais sofisticados. “Diferentemente de países como Estados Unidos, onde a indústria total vai perdendo participação, mas os ramos mais sofisticados, que agregam mais valor, ganham peso, no caso do Brasil, a gente perde em todos, e em alguns segmentos nem tivemos participação importante, como em TI”, explica Cagnin.
O grande problema da desindustrialização, segundo Gala, é que boa parte da inovação vem desse setor, inclusive a inovação dos serviços está ligada ao setor industrial. Além disso, os aumentos de produtividade relevantes e empregos de qualidade se concentram no segmento. “O setor industrial é uma espécie de galinha dos ovos de ouro da economia, porque é ali que tem a dinâmica tecnológica”, afirma.
Para caminharmos no sentido inverso, afirmam economistas, é preciso, entre outros elementos, que o país aposte em reformas estruturais, que reduzam o custo Brasil, e que subsídios, quando necessários, sejam atrelados a metas e contrapartidas.
Autor: Larissa Linder