Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, o mundo entrou em um grande período de euforia, o que gerou uma explosão na taxa de natalidade. Essa explosão foi chamada de baby boom, e aqueles que, como eu, nasceram entre 1946 e 1964 foram chamados de baby boomers.
A euforia pós-guerra não se refletiu apenas na taxa de natalidade, mas se espraiou para diversos campos, gerando uma fantástica mudança no padrão de vida da população mundial. Os avanços nas condições sanitárias, na alimentação e na medicina possibilitaram que a expectativa de vida da geração dos baby boomers, inferior a 50 anos, aumentasse em 30 anos.
Ganhar 30 anos de expectativa de vida é, por si só, um fato maravilhoso. O mais importante, porém, é que ganhamos a possibilidade de ter muito mais saúde e disposição na terceira idade. Também deixaram de ser raras pessoas na quarta idade, ou seja, dos 80 aos 100 anos. E viver além dos 100 já não é mais motivo para manchete de jornal.
Tais mudanças tiveram um impacto em nossas vidas maior do que poderíamos prever. Os executivos dessa geração, que hoje estão se aposentando ou planejando se aposentar, passam por dilemas que jamais imaginariam quando conquistaram o primeiro emprego.
Quando os boomers começaram a trabalhar, a carreira ideal era feita dentro de uma única empresa e contemplava uma sonhada aposentadoria após 35 anos de trabalho, quando finalmente se poderia aproveitar o tempo em uma cadeira de balanço, ou curtindo dias de pescaria, cuidados com o jardim, criação de passarinhos.
No entanto, a realidade se mostrou muito diferente para uma parte significativa dos boomers que chegaram ao momento da aposentadoria. A maioria quer distância de cadeiras de balanço, pois ainda goza de ótima saúde e tem grande disposição para continuar na ativa, contribuindo para a sociedade e o país. Mesmo tendo direito e condições de parar, os boomers querem acelerar. Esse fenômeno é o que sociólogos vêm chamando de segunda adolescência.
E adolescência é momento de mudanças, sonhos e angústias diante das escolhas. Assim, muitos desses “adolescentes” passam a se questionar sobre a possibilidade de uma mudança radical no estilo de vida. Nesse momento, parece tentador usar conhecimento acumulado, conexões, reservas financeiras e aliá-los a um hobby ou gosto pessoal para montar uma empresa do zero.
Passar dos 60 com otimismo e empolgação de um adolescente cheio de planos é fantástico. Mas é bom refletir um pouco. Muitos empreendedores se tornam o que os economistas Giovanni Dosi e Dan Lovallo chamam de “mártires do otimismo”: é o fracasso deles que pavimenta a estrada para competidores mais qualificados a desbravar novos mercados. Isso é bom para a economia, mas é péssimo para as finanças dos empreendedores.
O custo de ser um mártir do otimismo durante a primeira adolescência é amplamente remunerado pelo aprendizado. A pessoa leva a experiência para a vida profissional e até mesmo para novos empreendimentos. Já o custo de ser mártir do otimismo na segunda adolescência costuma ser muito maior, e a possibilidade de monetizar o aprendizado é infinitamente menor.
Abrir uma empresa é uma atividade arriscada independentemente de quão experiente seja o empreendedor, pois não passa de ilusão a ideia de que a responsabilidade quanto ao futuro de um negócio depende 100% da capacidade do empreendedor. O comportamento do mercado e mesmo a sorte ditam regras que são impossíveis de prever. O mar revolto do mercado pode levar a pique até mesmo o mais experiente capitão.
Será que o pessimismo seria então o melhor caminho? Longe disso. Para o jovem, o ideal é colocar todas as fichas em seu empreendimento. Assim, seu grau de compromisso com os projetos tende a ser máximo. Se fracassar, irá retornar à mesma situação financeira de quando começou. Já para o empreendedor da segunda adolescência, as consequências do fracasso podem ser muito mais duras.
Infelizmente, a justiça brasileira ainda não conseguiu entender o conceito da empresa de responsabilidade limitada, o que segundo Yuval Harari foi o grande motor do desenvolvimento humano. Essa incompreensão afeta a todos os empreendedores e tolhe o desenvolvimento econômico do Brasil. Como o judiciário ainda considera que o insucesso de uma empresa deve afetar também o patrimônio familiar do empreendedor, é preciso ter muito cuidado ao se empreender na terceira idade.
Mesmo a chance de sucesso sendo ligeiramente maior, o custo do fracasso também aumenta de forma considerável. Assim, ao contrário do jovem, o empreendedor tardio deve pensar muito antes de empenhar todas suas fichas em um único negócio. Muito cuidado, portanto, ao planejar sua aposentadoria. Tente evitar situações em que um eventual fracasso possa levar você e sua família a passar por grandes dificuldades.
É preciso considerar o risco de que todas as suas reservas, mesmo aquelas que não foram alocadas na empresa, sejam afetadas em um eventual fracasso. Portanto, antes de empreender na terceira idade, é aconselhável contar com a ajuda de advogados e planejadores financeiros para evitar que a visão retrógrada da justiça afete suas reservas e de sua família em um possível insucesso empresarial.
Desperdiçar a força empreendedora da terceira idade é um preço cada vez mais elevado de um sistema judiciário hostil aos empreendedores brasileiros.
Jurandir Sell Macedo Jr é doutor em finanças comportamentais, professor universitário e, desde 2003, ministra na Universidade Federal de Santa Catarina a primeira disciplina de finanças pessoais do Brasil. É autor de inúmeros livros sobre educação financeira e tem pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Université Libre de Bruxelles. Escreve sobre Finanças 50+ sempre às quintas-feiras. Instagram @jurandirsell E-mail [email protected]