O Sindicato dos Investigadores da Polícia Civil e Agentes Prisionais (Siagespoc) pediu o fechamento de metade das delegacias existentes em Mato Grosso alegando falta de condições de funcionamento. Quatorze delas mantém suas portas abertas com apenas 1 investigador e 52 sem delegados.
De acordo com relatório apresentado pela entidade, de 104 delegacias existentes em Mato Grosso, 56 tem efetivo inferior a 5 investigadores, número mínimo considerado para que as unidades tenham condições de atender as demandas da população. E esta é apenas uma das dificuldades.
Problemas com manutenção de viaturas persistem, prédios que foram construídos para oferecer uma diversidade de atendimentos às vítimas da violência funcionam "capengando", e os insolúveis problemas da Perícia Técnica que fazem a luta de muitos por Justiça cair no esquecimento.
Para o Siagespoc, o principal problema é a falta de efetivo. O presidente Cledison Gonçalves da Silva ressalta que, diferente do que é esperado, o quadro de policiais da Polícia Judiciária Civil (PJC) tem caído com o passar dos anos. "Em 2003 o governo publicou um decreto dizendo que tínhamos 300 delegados, 330 escrivães e 2.492 investigadores. Hoje, o efetivo é bem menor que este. Ao invés de aumento, tivemos redução".
De acordo com a PJC, estão desempenhando a atividade nas delegacias do Estado, atualmente, 200 delegados, 390 escrivães e 1.768 investigadores. A redução de 24% é explicada pelo grande número de profissionais que se aposenta, se afasta por problemas de saúde ou morrem. "Em contrapartida não tivemos concursos para suprir estas vagas, andamos na contramão e não temos visto ações para mudar esta realidade. Está havendo omissão do poder público e não podemos aceitar que o Estado use os investigadores para manter estas delegacias, sem nenhuma condição de trabalho, para agradar algumas pessoas".
Ação judicial – No ofício encaminhado à diretoria da PJC, o sindicato ameaça impetrar ação judicial exigindo a interdição imediata das delegacias que estão nesta situação até que os problemas sejam resolvidos.
A reportagem conversou com um investigador que trabalha em uma delegacia do interior, onde todos os atendimentos são feitos por apenas 2 profissionais. Ele relatou que, para não fechar as portas à população, os 2 se revezam e cada noite um dorme na unidade. "Cada noite fica um. Colocamos um colchão aqui e dormimos. Se alguém precisar estamos aqui. Se fossemos seguir a risca nossa carga horária, teríamos que fechar as portas".
Ele conta que, quando precisam encaminhar algum preso até a penitenciária mais próxima, que fica a 200 quilômetros de estrada de chão, os atendimentos na delegacia são feitos por uma estagiária e um servidor cedido pela prefeitura. "Temos que ir eu e meu colega, porque sozinho não dá. Então eles fazem o atendimento na delegacia, mas não podem atender as ocorrências. Se ocorrer algo enquanto estivermos fora, a população tem que esperar nós voltarmos".
Ele revela que, quando entrou na Corporação, há 2 anos, havia 5 investigadores na unidade. Dois foram transferidos e 1 está de licença. A base da Polícia Militar também está defasada com apenas 3 policiais e a cidade vulnerável a atuação de criminosos. "Já tivemos 2 assaltos a banco aqui. O que vamos fazer se até a nossa viatura precisa ser empurrada para funcionar"?
Em outra unidade da região do Araguaia, o quadro foi reforçado com um investigador. Hoje são 3 para atender uma população de, aproximadamente, 2,2 mil habitantes. O delegado vai pelo menos uma vez por semana ao município e quando ocorrem casos mais graves. Situação a que estão submetidos vários profissionais.
Dos 104 municípios onde a Polícia Judiciária Civil atua, segundo o Siagespoc, 52 são atendidas por delegados de outras cidades.
Investigação fragilizada – Apesar de contar com maior número de profissionais, os municípios maiores também sofrem com as mazelas da segurança pública, que resultam em investigações fragilizadas.
No Cisc Planalto, em Cuiabá, o setor de roubos e furtos, por exemplo, possui 3 investigadores, 1 delegado e 2 escrivães para atender todas as ocorrências da natureza de vários bairros da região.
O delegado João Paulo Silva* tem 23 anos de Polícia e revela que o cenário visto hoje é o inverso de alguns anos atrás. "Na década de 90 não tínhamos estrutura e tínhamos pessoal. Hoje é o inverso. Temos uma estrutura melhor, mas não temos pessoal para trabalhar". Ele lembra que, no início dos anos 90, utilizava o próprio carro para trabalhar e teve que equipar o escritório com recursos próprios.
Hoje, sem condições de trabalhar, há um acúmulo de Boletins de Ocorrência parados, que acabam caindo no esquecimento. "Hoje trabalhamos para a Polícia Militar. Nossas investigações representam pouco mais de 10% do nosso trabalho. No mais lavramos flagrantes feitos pela Polícia Militar. Não temos gente para investigar", relatou João Paulo.
Em Várzea Grande, o Cisc Parque do Lago é responsável pelas ocorrências de 42 bairros da região do Cristo Rei. O volume é alto, mas o efetivo não. Apenas 4 pessoas se revezam no trabalho investigativo, entregas de intimação e expediente. O tempo para investigar os crimes é curto e o jeito é selecionar os casos mais graves. "Vamos fazendo conforme dá, mas perdemos muito tempo com intimações, por exemplo, quando não encontramos a pessoa porque endereço que foi passado não existe", revelou um policial.
Além disso, o centro conta com a equipe de plantão para atender flagrantes. São 5 equipes que se revezam em plantões de 12 horas, formadas por apenas 1 delegado, 1 escrivão, 2 investigadores e 1 agente prisional. Um escrivão que trabalha na unidade relatou que a falta de estrutura fez com que ele levasse o notebook pessoal e um aparelho de telefone. "Não temos como esperar eles melhorarem nossa estrutura, porque o trabalho aqui é diário, temos que atender. Sofremos com a falta de estrutura".
Sensação de insegurança – A falta de estrutura da Polícia Civil resulta na sensação de insegurança e provoca um sentimento de injustiça nas vítimas de violência. Após ter a casa invadida por ladrões, a autônoma Juliana Moreira conta que procurou a Polícia para registrar a ocorrência. Foi avisada que uma equipe faria uma perícia na casa, o que até hoje não ocorreu.
Sem receber nenhuma notícia, ela contou com ajuda de amigos e passou a buscar informações, por conta própria, sobre os produtos levados da casa. "Nós descobrimos que um homem estava vendendo um notebook igual ao da minha filha, levado pelos ladrões, pela internet, por um preço muito baixo. Marquei com ele um encontro para comprar o notebook, mas antes fui até a delegacia e pedi para que um policial me acompanhasse. Fomos lá e o homem apareceu, não tinha nota do equipamento, que foi apreendido. Depois me falaram que não era da minha filha".
Apesar de todo o trabalho Juliana disse que esperava um pouco mais de atenção da Polícia, o que não ocorreu. "Pensei que eles realmente estavam preocupados com meu caso. Mas desanimei, perdi as esperanças na Polícia. É um jogo de empurra-empurra entre a Polícia Civil e Militar, e quem sofre somos nós".
A servidora pública Ana Maria Camargo*, 54, chegou em casa depois de alguns dias viajando e encontrou a porta arrombada. Ladrões tinham invadido a residência e levado tudo. "Eu logo procurei a delegacia para registrar a ocorrência. Mas fiz isso só porque precisava o BO por causa de uma assinatura que tinha em casa e precisava prestar contas do aparelho. Senão fosse isso nem tinha vindo, porque sei que não dá em nada. Eles devem registrar um monte de ocorrências como a minha aqui e nem investigar".
Credibilidade – O presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Mato Grosso (Sindepo), Dirceu Vicente Lino, declarou que esta sensação de insegurança na população faz com que a Polícia perca a credibilidade. "Muitos nem vão mais até as delegacias para registrar as ocorrências, porque sabem que não vai resolver. Outros chamam por telefone e as viaturas chegam tarde, porque tiveram que selecionar as ocorrências mais urgentes, e também acabam desistindo".
Além do descrédito, lembra ele, a falta de condições de trabalho da Polícia reflete no aumento da criminalidade. "Os bandidos sabem das deficiências, por isso agem. Hoje a Polícia Militar está investigando, o Ministério Público está fazendo trabalho de Polícia. Será que não teriam que dar mais estrutura para a Civil trabalhar ao invés de assumirem a função dela?".
Problema que o Sindicato dos Investigadores também aponta. "A estrutura que nos dão é mínima. A Polícia Civil não pode ser presencial como a PM, mas não tem condições para isso. Se precisarmos, por exemplo, de um carrinho de picolé para ficar em frente a uma escola e investigar o tráfico de drogas naquele ponto, não conseguiremos. Então como vamos investigar?", questiona Cledison Gonçalves da Silva.
O presidente da Associação Mato-grossense dos Agentes, Escrivães e Motoristas da Polícia Civil, Julgilas Albernaz Garcia (Flecha), questionou também os salários pagos à categoria que refletem na qualidade dos serviços prestados à população. "Nos últimos anos só vimos os salários caírem e isso reflete diretamente na qualidade dos serviços. Há um tempo que temos só correções. Os policiais trabalham desmotivados".
Elefantes brancos – Estruturas grandiosas, que deveriam oferecer diversos serviços à população, os Centros de Integração de Segurança e Cidadania (Ciscs) se tornaram verdadeiros "elefantes brancos". Para o presidente do Sindicato dos Delegados, Dirceu Vicente Lino, reflexo do "fracasso" na aplicação do dinheiro público.
Ele criticou os projetos, que nunca saíram do papel, e criaram espaços inadequados para o serviço policial. "Veio dinheiro para isso, e a proposta era uma, agora o que vemos é outra realidade".
No Cisc Oeste-Verdão em Cuiabá, por exemplo, foram investidos R$ 647 mil pelo Governo Federal e R$ 389 mil pelo Governo Estadual. O prédio possui mil metros quadrados e a proposta inicial era que no local atendessem 6 delegados, 10 escrivães e 50 investigadores.
Para o presidente do Sindicato dos Investigadores, quando foram instalados, os centros de segurança já eram obsoletos e nunca atenderam as propostas do projeto. "Eles (centros) foram criados para macular a falta de efetivo, para dar impressão de que se tinha policial. Então fecharam as delegacias especializadas e hoje, mesmo querendo, não tem mais efetivo para reabri-las".
A própria Diretoria Metropolitana da Polícia Civil admite que os centros nunca funcionaram como deveriam. O diretor Marcos Veloso afirmou que os 4 Ciscs existentes em Cuiabá e Várzea Grande oferecem apenas 50% dos serviços que foram projetados. "Hoje o efetivo que existe não permite que as estruturas dos Ciscs funcionem plenamente. Mas não é só isso. Existem outros fatores que não tornaram o projeto possível".
Veloso diz que questões de normatização e legislação dificultaram a execução dos projetos. A criação de delegacias especializadas, segundo ele, depende de novas contratações, disponibilidade de prédios, viaturas, equipamentos, dentre outras necessidades, e logo, de mais investimentos. "Nós estamos no começo de um governo e temos que esperar para ver o que vai acontecer. Sabemos que o planejamento estratégico dos próximos 4 anos está sendo revisado e esperamos melhorias".
Outro lado – O diretor-geral da Polícia Judiciária Civil em Mato Grosso, Paulo Rubens Vilela, informou que nenhuma delegacia será fechada, conforme pedido pelo Siagespoc. A medida, segundo ele, vai contra os interesses da população, já que mesmo com poucos servidores, é atendida na cidade onde vive. "A diretoria nunca negou a carência no efetivo e as dificuldades que os profissionais encontram devido as longas distâncias dentro do Estado, mas entendemos que fechar as delegacias não é a melhor saída, até mesmo porque para fechar ou abrir uma delegacia é preciso atender alguns critérios. Elas só são criadas ou deixam de existir por meio de leis".
O aumento do efetivo, segundo ele, deve ocorrer gradativamente até 2014, ano em que Cuiabá será sede da Copa 2014. "Nós já solicitamos ao governo que faça o chamamento dos aprovados no último concurso para que sejam empossados e comecem os cursos. Já o concurso de delegado está sendo retomado".
Além dos aprovados, a diretoria pediu que sejam empossados todos os classificados no concurso. Sendo assim, para o cargo de investigador passaria de 60 para 120 novos profissionais, escrivães totalizariam 134 e delegados 60.