A edição da revista Veja desta semana traz mais detalhes estarrecedores sobre a corrupção desmedida que imperava no Ministério dos Transportes, DNIT e Valec, comandados pelo Partido da República. Desta vez, Veja revela os subterrâneos da rede de propina que funcionava até mesmo dentro do ministério.
O esquema era tão escandaloso que, conforme Veja apurou, o próprio ministro Alfredo Nascimento, em conversa com um aliado, sobre o superfaturamento de uma obra, afirmou: "Isso dá cadeia!".
Em trecho da reportagem (confira a íntegra abaixo), Veja diz que o diretor-geral do DNIT, Luiz Antônio Pagot, afilhado político do ex-governador e senador Blairo Maggi (PR), recebia envelopes com dinheiro.
"O quarto era uma bagunça. Ele marcava uma reunião lá, a gente chegava, falava sobre a obra, deixava o envelope com o 'acerto' em cima da mesa e ia embora como se nada tivesse acontecido. Às vezes, tinha até uma assessora dele junto", contou o lobista de uma empreiteira a Veja.
A revista diz que, até a semana passada, Alfredo Nascimento usava um apartamento no mesmo hotel.
Veja relata também, na mesma reportagem, um exemplo de como o dinheiro público é drenado no país.
"No início de abril, Alfredo Nascimento recebeu em seu gabinete quatro parlamentares para tratar da situação dos funcionários da Rede Ferroviária Federal. Ao fim da agenda oficial, o deputado Júlio Delgado pediu explicações sobre a construção de um trecho de 9 quilômetros da BR-440, que corta Juiz de Fora (MG). Os dados eram estarrecedores. Naquele momento, apenas 2,16 quilômetros da estrada haviam sido concluídos, ao custo de 35 milhões de reais. Ou seja: mais de 16 milhões de reais por quilômetro – ou duas vezes e meia a média nacional", diz a revista.
Segundo a publicação, o próprio ministro se espantou: "Isso dá cadeia! Vou pedir uma sindicância agora".
"Na frente dos parlamentares, Nascimento ligou para o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot, um dos afastados na semana passada, e determinou uma investigação do caso. E o que o ministério fez? Nada. A obra foi paralisada por uma decisão do Tribunal de Contas da União, que detectou irregularidades, como a contratação de empreiteira que não participou da licitação e um gasto "injustificável" de 21 milhões de reais", afirma Veja.
Pressão sobre Dilma
Em outro trecho, a revista diz que Pagot resolveu ameaçar a própria presidenta Dilma Rousseff: "Afastado do cargo no sábado, Luiz Antonio Pagot deu expediente no Dnit na segunda-feira. Depois, num gesto claro de quem desafia a autoridade da presidente, entrou em férias, assegurando que voltaria – ou que jamais seria demitido".
E continua: "Ato contínuo, parlamentares do PR avisaram que o partido – que conta com quarenta deputados e sete senadores – não aceitará perder o controle do ministério. Para convencer o Planalto, espalharam ameaças nos bastidores. Entre elas, a de implicar petistas no esquema de corrupção e até acusar a presidente de ser beneficiária indireta da coleta de propina. Numa reunião fechada, Pagot chegou a insinuar que o dinheiro coletado também custeou a candidatura de Dilma. A campanha presidencial estaria, portanto, umbilicalmente ligada ao encarecimento das obras, segundo essa versão. O Planalto, ao que parece, não está disposto a enfrentar os humores do PR. Já avisou que negociará com o partido a escolha do novo ministro."
Confira a integra da reportagem de Veja sobre o pagamento de propinas:
"Isso dá cadeia
A presidente Dilma Rousseff aceitou o pedido de demissão de Alfredo Nascimento do cargo de ministro dos Transportes e determinou o afastamento de outros quatro integrantes da cúpula da pasta. Foi uma reação rápida à revelação feita na última edição de VEJA de que o PR – partido comandado por Nascimento – operava dentro do governo uma estrutura de corrupção que cobrava propina de empresas em troca de contratos superfaturados para a construção de rodovias e ferrovias. A resposta do Palácio do Planalto é uma boa novidade, se comparada à prática dos governos petistas de sempre tentar varrer os escândalos para debaixo do tapete. Essa mudança de atitude, no entanto, está longe de resolver o problema da corrupção nos Transportes. Dilma cortou as cabeças do grupo, mas não impediu que ele continue comandando o ministério. O ex-ministro Alfredo Nascimento reassumiu a cadeira de senador pelo Amazonas. Como parlamentar e agora presidente de fato do PR, ele está participando ativamente das negociações para a escolha de seu sucessor. Em que isso vai dar? A resposta parece óbvia, mas é bom que se ouça o alerta que o ex-ministro fez a seus colegas.
No início de abril, Alfredo Nascimento recebeu em seu gabinete quatro parlamentares para tratar da situação dos funcionários da Rede Ferroviária Federal. Ao fim da agenda oficial, o deputado Júlio Delgado pediu explicações sobre a construção de um trecho de 9 quilômetros da BR-440, que corta Juiz de Fora (MG). Os dados eram estarrecedores. Naquele momento, apenas 2,16 quilômetros da estrada haviam sido concluídos, ao custo de 35 milhões de reais. Ou seja: mais de 16 milhões de reais por quilômetro – ou duas vezes e meia a média nacional. O próprio ministro se espantou: “Isso dá cadeia! Vou pedir uma sindicância agora”. Na frente dos parlamentares, Nascimento ligou para o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot, um dos afastados na semana passada, e determinou uma investigação do caso. E o que o ministério fez? Nada. A obra foi paralisada por uma decisão do Tribunal de Contas da União, que detectou irregularidades, como a contratação de empreiteira que não participou da licitação e um gasto “injustificável” de 21 milhões de reais. “É uma obra desnecessária, com preços astronômicos, incluída no PAC sabe-se lá por quê”, critica Delgado. A antiga cúpula do Ministério dos Transportes, o PR e o governo sabem perfeitamente a razão.
Conforme revelado por VEJA, obras como essa abasteciam o caixa do PR. Para vencerem a licitação e poderem superfaturar o preço, as empreiteiras pagavam 4% de propina sobre tudo o que recebiam para o Partido da República. O esquema envolvia tanto dinheiro que, em determinado momento, chegou a causar problemas de administração. “A gente não sabia mais a quem pagar”, conta um empreiteiro. A confusão durou até maio deste ano. “Ligava deputado, senador e funcionário cobrando a mesma coisa”. O diretor do Dnit recebia “entregas” em um hotel de Brasília. “O quarto era uma bagunça. Ele marcava uma reunião lá, a gente chegava, falava sobre a obra, deixava o envelope com o ‘acerto’ em cima da mesa e ia embora como se nada tivesse acontecido. Às vezes, tinha até uma assessora dele junto”, conta o lobista de uma empreiteira. Até a semana passada, Alfredo Nascimento usava um apartamento no mesmo hotel. O chefe de gabinete do ex-ministro Alfredo Nascimento, o auditor Mauro Barbosa, também demitido, tinha menos pudor. Ele recebia seu “acerto” no próprio ministério. Revela um empreiteiro: “O combinado era o ‘pagamento’ ser feito até dez dias depois da liberação das faturas. Uma assessora dele ligava para marcar a audiência. A gente colocava o dinheiro em um envelope e deixava sobre a mesa de trabalho dele”.
A partir de maio, diante da reclamação de empreiteiros e da suspeita da cúpula do PR de que a propina não estava chegando integralmente aos cofres do partido, Alfredo Nascimento e o deputado Valdemar Costa Neto, respectivamente presidente e presidente de honra do PR, decidiram criar um caixa único e nomear um arrecadador central. O escolhido para o cargo foi Luiz Tito Barbosa, assessor do gabinete do ministro, também demitido pela presidente Dilma na semana passada. Discreto e menos conhecido, Tito era mais cauteloso. Orientado pelos colegas sobre a possibilidade de estar sendo monitorado pela polícia, ele não recebia o pagamento nem no ministério nem em hotéis, ao contrário dos outros. Tito marcava encontros em estacionamentos movimentados, normalmente em shoppings de Brasília. Uma das “entregas” recentes aconteceu nas proximidades da sede do PR.
Observado, ele chegou, parou o carro e abriu o vidro. Um homem se aproximou rápido e entregou-lhe um envelope branco. Dentro, cédulas de 100 reais – todas usadas, sem a cinta que identifica o banco do qual foram sacadas e sem numeração sequencial, conforme combinado entre corrupto e corruptor. Pelo volume, calcula-se que havia no envelope perto de 300.000 reais.
No mundo da corrupção, poder e prosperidade financeira são siameses. Os quatro mandachuvas demitidos do ministério não terão necessidade de recorrer ao seguro-desemprego. O ministro Alfredo Nascimento, se precisar de uma ajuda, pode pedir ao filho. Desde que o pai assumiu o ministério, Gustavo Morais Pereira, um rapaz de 27 anos, revelou-se um talento empresarial. Em 2005, ele montou uma construtora que tinha capital de 60000 reais. A pequena empresa virou um grande negócio. Uma reportagem do jornal O Globo revelou que a construtora tinha, em 2008, um patrimônio de 52 milhões de reais, registrando o impressionante crescimento de 86500%. O empuxo financeiro foi dado por negócios fechados com uma empresa que tem contratos milionários com o Ministério dos Transportes. O menino-prodígio de Alfredo Nascimento se transformou em um milionário investigado pelo Ministério Público Federal, que viu indícios de que seu patrimônio é incompatível com sua renda. Há outros personagens do escândalo enfrentando as mesmas suspeitas.
Mauro Barbosa, o ex-chefe de gabinete do ministério, que recebia “envelopes” em seu local de trabalho, está construindo uma casa de 1300 metros quadrados no bairro mais caro de Brasília. Servidor da Controladoria-Geral da União (CGU), o órgão encarregado de fiscalizar as malfeitorias nas repartições públicas, Barbosa mantinha até a semana passada 25 operários em seu canteiro de obras. Pelas dimensões da propriedade, calcula-se que, por baixo, ele vá investir 4 milhões de reais para concluir sua nova residência. Só o terreno, adquirido em 2009, quando ele já estava no ministério, foi avaliado em mais de 1 milhão. Mauro Barbosa é sobrinho de outro figurão do esquema do PR, José Francisco das Neves, o Juquinha, presidente da Valec, estatal responsável pelas ferrovias, também demitido. Eis um homem de sucesso. Filho de um carroceiro, ele prosperou no serviço público. Engenheiro de formação, hoje é um fazendeiro respeitado em Goiás. Só nos últimos três anos, Juquinha comprou pelo menos três propriedades no município de Mundo Novo, uma região de pecuária intensiva perto da divisa com Mato Grosso. As três fazendas são avaliadas em no mínimo 25 milhões de reais. Somam 4500 hectares – uma área equivalente a quase 250 estádios do Maracanã.
Em todos os casos, Juquinha pôs as terras em nome da mulher, Marivone, e dos três filhos. A aquisição mais recente, das fazendas Apoena I e II, se deu em março do ano passado. A maior das propriedades, a Fazenda Esperança, foi comprada em setembro de 2007. O valor declarado dos imóveis foi de 8 milhões de reais. Corretores consultados pela reportagem garantem que o engenheiro conseguiu uma pechincha: o preço de mercado da fazenda é de pelo menos 19 milhões de reais. Na escritura, 40% das terras ficaram em nome da mulher de Juquinha e o restante foi dividido entre os três filhos dele, como “antecipação de herança”. Na semana passada, o ex-presidente da Valec era tema das rodas de conversa do município de Nova Crixás. O bochicho na cidade era descobrir o misterioso comprador da melhor fazenda da região. Os boatos davam conta de que o investidor, que não formalizou o negócio para manter o anonimato, pagou 28 milhões de reais pelas terras – em dinheiro. E quem poderia ser o milionário? No cartório da cidade, ninguém sabe. “Apareceu aqui um advogado para dizer que a fazenda tinha sido vendida, mas até hoje não foi lavrada nenhuma escritura”, conta Natalícia Gonçalves, funcionária do cartório. A empresa que aparece como proprietária da Fazenda Sagarana se recusou a falar do negócio. Funcionário de uma propriedade vizinha, Edmilson dos Santos põe fim ao mistério: “O dono é o Juquinha, mas tem uns dois meses que ele não aparece por aqui”. Em tempo: a Ferrovia Norte-Sul, obra-prima dos desvios da Valec, já levou ao ralo da corrupção nada menos que meio bilhão de reais, nas contas dos auditores do Tribunal de Contas da União. É um dos maiores sumidouros de dinheiro público desde o descobrimento do Brasil.
A presidente Dilma nunca foi fã de Alfredo Nascimento e sua turma. Da célebre reunião de 24 de junho, na qual ela falou que o Ministério dos Transportes precisava de babá, Nascimento nem sequer participou. Ele preferiu prestigiar a festa do boi de Parintins. Com as demissões, ela promete “fechar as torneiras” de desvio de verba pública no ministério e nomear quadros de confiança para chefiá-lo. “A presidente vai aproveitar essa janela de oportunidade para pôr a equipe dela nos Transportes”, diz um assessor presidencial. Não será uma missão fácil de ser cumprida. “Afastado” do cargo no sábado, Luiz Antonio Pagot deu expediente no Dnit na segunda-feira. Depois, num gesto claro de quem desafia a autoridade da presidente, entrou em férias, assegurando que voltaria – ou que jamais seria demitido. Ato contínuo, parlamentares do PR avisaram que o partido – que conta com quarenta deputados e sete senadores – não aceitará perder o controle do ministério. Para convencer o Planalto, espalharam ameaças nos bastidores. Entre elas, a de implicar petistas no esquema de corrupção e até acusar a presidente de ser beneficiária indireta da coleta de propina. Numa reunião fechada, Pagot chegou a insinuar que o dinheiro coletado também custeou a candidatura de Dilma. A campanha presidencial estaria, portanto, umbilicalmente ligada ao encarecimento das obras, segundo essa versão. O Planalto, ao que parece, não está disposto a enfrentar os humores do PR. Já avisou que negociará com o partido a escolha do novo ministro.
Com reportagem de Rodrigo Rangel, Gustavo Ribeiro e Hugo Marques