No pátio do Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas (Conen/MT) acumulam-se carros de todos os modelos, cores e anos. Em uma área de sete hectares, cerca de 240 veículos, oriundos do tráfico de drogas ou a serviço dele, aguardam por uma decisão da Justiça, que pode beneficiar quem hoje depende de tratamento de desintoxicação. Entretanto, essa não é uma prática comum em Mato Grosso. Em geral, eles permanecem de 1 a 5 anos parados, expostos às intempéries do tempo.
Desde que entrou em vigor, em 2006, a Lei 11.343 prevê o leilão antecipado dos bens apreendidos ou sua utilização por entidades vinculadas a programas de tratamento de dependência alcoólica ou química, mas as decisões judiciais caminham em sentido contrário.
Na semana passada, a Justiça Federal, a quem compete julgar crimes como o tráfico, de cunho federal, autorizou a devolução de sete carros de luxo, entre eles uma Ferrari avaliada em mais de R$ 1 milhão, para seus proprietários. Eles foram indiciados durante a operação "Maranello", deflagrada em setembro do ano passado.
Assim que os 13 carros apreendidos na operação chegaram ao pátio da instituição, a coordenadora, Ana Elisa Limeira, solicitou a utilização de uma caminhonete S10 pelo Batalhão de Operações Especiais de Mato Grosso (Bope/MT), mas teve o pedido negado. Há quase seis meses, o veículo sofre a ação do tempo e está parado no local. Se ao final do processo o réu for considerado inocente, a legislação federal prevê a devolução de seus bens, ressarcidos. De acordo com o Conen, apenas a comarca de Cáceres já promoveu leilões de veículos apreendidos. No interior, a utilização dos bens por instituições acontece com maior frequência. Santo Antônio do Leverger, Poconé, Cáceres e a vizinha Várzea Grande já acumulam decisões do tipo.
Até hoje, o Conen já promoveu três leilões, realizados nos anos de 2005, 2006 e 2007. Entretanto, somente de carros cujos proprietários tiveram decretado o "perdimento de bens" pela Justiça. "São carros tão antigos e que acabaram se deteriorando com o tempo, que a arrecadação acaba sendo bem inferior ao valor que o veículo detinha na época da apreensão".
Exemplo disso, é que a maior receita do Conen, oriunda desse tipo de ação, veio em 2005, da porcentagem sobre o leilão de aeronaves que foram apreendidos em operações de combate ao tráfico: o equivalente a R$ 300 mil. Desde 2002, a instituição tem convênio firmado com a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) para a realização de leilões. Esta semana, técnicos da Secretaria virão de Brasília para dar suporte ao 4º Leilão.
Os recursos oriundo dos leilões, em parceria com a Senad, renderam desde 2005, o montante de R$ 181 mil, segundo Ana Elisa. Eles representam pouco mais que 20% do orçamento que o conselho têm junto ao Governo Estadual, de R$ 800 mil.
Justiça – Para o juiz federal Julier Sebastião da Silva, a reforma do Código Penal, ocorrida em 2008, ampliou as possibilidade de realização do leilão em caráter tutelar. "Trata-se de uma medida muito recente e, somente a partir de agora, os magistrados têm embasamento para determinar".
Segundo ele, antes da regulamentação, havia um vácuo no Código de Processo Penal quanto à essa questão. "As determinações eram feitas caso a caso". Julier se diz favorável ao leilão antecipado dos bens. "É uma medida de proteção até mesmo para o réu, cujos bens não sofrerão deterioração".
Ele também é a favor da destinação dos produtos apreendidos para instituições cadastradas. "O uso é a manutenção".
O caso mais comum em Mato Grosso é em relação a caminhões de feijão, oriundos da Bolívia. "Como não pagam imposto, ficam retidos. Geralmente a mercadoria é doada".
Tanto o Ministério Público Federal (MPF), quanto a defesa do réu ou o próprio juiz, podem determinar o destino dos bens.
Tratamento – Lidando diariamente com casos de dependência química e alcóolica, o juiz responsável pelo Juizado Especial Unificado, Mário Kono de Oliveira, acredita no poder da Justiça Terapêutica. "Não adianta punir os dependentes. A Organização Mundial de Saúde já reconheceu como doença, por isso deve ser tratada".
Ele não opina sobre as decisões judiciais que podem favorecer as instituições de tratamento, mas acredita que o fortalecimento delas ajuda na recuperação dos dependentes. "Também penso que é preciso um resgate dos valores morais, da família, para que a criança cresça com referências".
No juizado, do total de processos distribuídos em 10 dias do mês de fevereiro deste ano, 11% estão relacionados à dependência química e alcóolica. A mesma média vem se mantendo nos últimos três meses. O problema é que a dependência, segundo o magistrado, é a causa da prática de outros crimes. Outro fator que vem surpreendendo o juiz é o aumento de incidência de dependência entre pessoas mais velhas. "Esses dias, em audiência para desinternar o filho, eu percebi que quem precisava de ajuda era a mãe".
Em Cuiabá, o consumo mais frequente é o de pasta-base de cocaína, segundo o juiz Mário Kono. "As classes mais abastadas é que consomem cocaína. Com o tempo, o dependente é abandonado pela família e aí passa a viver como indigente e vira consumidor também de pasta-base".
Ele diz que este é um problema de toda a sociedade e que deve ser encarado pelo poder público, família, instituições religiosas, imprensa e organizações não governamentais para atuar na prevenção.