VÍCIO Jovem escolhe sede da PF como ‘abrigo’ e desafia leis

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Louca, abandonada, viciada, agredida, agressora, nua, pedinte, moradora de rua, risco à sociedade, criminosa, fugitiva, perigosa. São tantos os adjetivos empregados a uma única pessoa que fica difícil definir apenas um para Cleidiane Borges Deocleciano. Com 22 anos de idade, a moça de corpo mirrado que vive a andar pelas ruas de Cuiabá usando poucos trajes, chama a atenção de quem a vê. Por trás dela, o reflexo da incapacidade do Estado em cuidar daqueles que necessitam de serviços públicos.

foto/Otmar de Oliveira

Presa por furto aos 19 anos de idade no unicípio de Terra Nova do Norte (675 km ao Norte de Cuiabá), é na Capital que ela se refugia. Deitada na porta do prédio da Polícia Federal, na Avenida Historiador Rubens de Mendonça (CPA), Cleidiane desafia a lei ao consumir drogas publicamente, além de andar nua como se estivesse em casa. Esquecida por seus familiares, é somente nas ruas que a jovem tem um lugar para ficar.

No início desta semana, a reportagem de A Gazeta foi às ruas para encontrar a moça que anda praticamente nua pela avenida do CPA, consumindo drogas e pedindo dinheiro no semáforo. Invisível para alguns, ela desperta a curiosidade de outros, principalmente, porque diferentemente da maioria dos moradores de rua e usuários de drogas da cidade, a jovem está sempre sozinha. Apesar da aparente fragilidade, ela também causa medo por uma agressividade que muitas vezes não têm razão de existir.

Relatos de brigas, confusões e agressões envolvendo Cleidiane são constantes entre comerciantes ao longo da avenida do CPA. Funcionária de uma drogaria, Maria Aparecida Magalhães, 42, conta que há cerca de seis meses a jovem é vista pela região. Segundo ela, quando “apareceu” nas proximidades, a mulher não era tão magra e fraca quanto hoje. Com o tempo, suas entradas no estabelecimento comercial passaram a ficar cada vez mais assustadoras, ao ponto dos funcionários nem olharem direito para Cleidiane por medo.

“Ela é muito agressiva, não deixa ninguém chegar perto. Se alguém a olha atravessado já começa a gritar, xingar, ameaçar e até agredir. Às vezes, ela entra sem falar nada, ou então solta um ‘oi, querida’ com uma voz bem grossa. Toda vez que ela aparece é um momento de tensão, porque nunca sabemos o que ela vai fazer”.

Sociólogo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Naldson Ramos acredita que o incômodo social causado pela presença de Cleidiane nas ruas deve-se ao fato dela estar em frente a um órgão de polícia, com poder de controle e proteção.

Além disso, sua aparência nua também gera um mal estar entre as pessoas. “Se ela estivesse da mesma forma em qualquer periferia da cidade, talvez não incomodasse tanto e as pessoas nem se importariam. O problema é que ela escolheu justamente um símbolo policial para ficar. O incômodo é devido a isso e não por sua trajetória de abandono, uso de drogas ou problemas mentais”.

Ramos acrescenta que a opção por viver ou sobreviver nas ruas é um direito de Cleidiane, que na maioria das vezes não é bem entendido pela população. “Ela tem que ser tratada de forma específica. A sociedade precisa aprender a lidar com os indivíduos excluídos que ela mesma produz”.

LOUCA – A conduta agressiva e perturbada de Cleidiane já foi questionada pela Justiça. Nascida no município de Colíder (650 km ao Norte de Cuiabá), a jovem foi presa aos 19 anos de idade pelo crime de furto. Consta no processo que em setembro de 2010, ela furtou uma motocicleta avaliada em R$ 5 mil. O veículo foi estacionado pelo proprietário em um estabelecimento comercial localizado na BR-163, na cidade de Terra Nova do Norte. Depois de fugir em posse da moto, Cleidiane acabou sendo alcançada por policiais e presa em flagrante.

Durante a audiência de instrução, ela teria mordido o braço de um agente, o que gerou um pedido de exame de sanidade mental. Por diversas vezes, a perícia técnica realizada pelo Centro Integrado de Apoio Psicossocial (Ciaps Adauto Botelho) foi solicitada pela Justiça. Na última quarta-feira (08), ela passou pela unidade na Capital, onde de acordo com o diretor Helder Barbosa Silva, ficou constatado que Cleidiane não apresenta transtornos mentais. Segundo ele, o caso é de dependência química.

“Ela passou por uma avaliação médica que descartou qualquer distúrbio psiquiátrico. O comportamento dela é consequência do excesso ou necessidade do uso de drogas. Porém, infelizmente, ela fugiu do Adauto Botelho no horário de almoço”.

Retorno – Uma ação conjunta entre o Ministério Público do Estado (MPE), Polícia Federal, Politec e Secretarias Municipais de Assistência Social e Saúde de Cuiabá fizeram com que Cleidiane fosse recolhida das ruas há cerca de 20 dias por meio de um pedido de tutela individual de incapaz com abordagem para resgate da cidadania. Depois de passar pela Unidade de Pronto-Atendimento (UPA Morada do Ouro) de Cuiabá, é que ela foi encaminhada para o Adauto Botelho. Entre idas e vindas, a jovem já retornou ao seu local de sempre: a porta do prédio da Polícia Federal.

Até o fechamento dessa reportagem não foi possível localizar representantes municipais e estaduais para falar do caso específico de Cleidiane. A jovem, que tem em seu nome um pedido de encaminhamento para o presídio feminino Ana Maria do Couto May, já cumpriu na Cadeia Pública de Colíder seis meses da pena de um ano e seis meses determinada pela Justiça pelo furto de uma moto.

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