Para os cientistas que rastreiam o vírus mortal Ebola na África Ocidental, não se trata de virologia complexa e genotipagem, mas de investigar como os hospedeiros – como os seres humanos – usam aviões, bicicletas e táxis para disseminá-lo.
Até o momento as autoridades não tomaram medidas para limitar as viagens internacionais na região. A Associação Internacional de Transporte Aéreo disse nesta quinta-feira (31) que a OMS (Organização Mundial de Saúde) não recomenda quaisquer restrições ou fechamento de fronteiras.
O risco de o vírus se mover para outros continentes é baixo, dizem especialistas. Mas rastrear todas as pessoas que podem ter tido contato com uma pessoa infectada é vital para o controle do surto na África Ocidental, e isso muitas vezes significa trazer à tona informações da rotina das vítimas.
Na Nigéria, onde morreu um cidadão liberiano-americano que chegou de avião a Lagos, esta semana as autoridades terão de rastrear todos os passageiros e qualquer outra pessoa que tenha tido contado com ele para evitar o tipo de propagação que outros países da região sofreram.
O surto da África Ocidental, que começou na Guiné, em fevereiro, já se espalhou para a Libéria e Serra Leoa. Com mais de 1.200 casos e 729 mortes, é o maior desde que o vírus Ebola foi descoberto há quase 40 anos.
A Serra Leoa declarou estado de emergência pública para combater o surto, enquanto a Libéria está fechando escolas e considerando colocar de quarentena algumas comunidades.
“A coisa mais importante é uma boa vigilância de todos que tiveram contato com doentes ou poderiam ter sido expostos (ao vírus)”, disse David Heymann, professor de epidemiologia das doenças infecciosas e chefe da segurança da saúde global do instituto britânico Royal Institute of International Affairs.
A disseminação desse surto da Guiné para a Libéria em março mostra como o rastreamento até mesmo dos aspectos mais rotineiros das vidas, relacionamentos e reações das pessoas será vital para conter a disseminação do vírus Ebola.
O primeiro caso, neste processo, é considerado por epidemiologistas e especialistas como sendo o de uma mulher que foi a um mercado na Guiné e voltou, se sentindo mal, para a sua aldeia natal no norte da Libéria.
Antes que ela morresse de febre hemorrágica, sua irmã cuidou dela e também contraiu o vírus Ebola.
Sentindo-se mal e temendo um destino semelhante, a irmã viajou para encontrar o marido – um trabalhador migrante empregado no outro lado da Libéria em um seringal da Firestone.
Ela pegou um táxi comunitário via capital da Libéria, Monróvia, expondo outras cinco pessoas ao vírus, as quais mais tarde morreram de Ebola. Em Monróvia, ela mudou para uma motocicleta, subindo na garupa de um jovem que concordou em levá-la até o seringal. As autoridades de saúde posteriormente tentaram desesperadamente localizar o motociclista.
“É uma situação análoga ao homem no avião (que voou para Lagos e morreu lá)”, disse Derek Gatherer, da Universidade de Lancaster na Grã-Bretanha, um especialista que vem acompanhando de perto o surto na África Ocidental.
O número de casos de Ebola da Libéria é agora 249, dos quais 129 pessoas morreram, de acordo com dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde – embora nem todos estejam ligados ao caso do mercado da Guiné.
Gatherer observou que, embora o Ebola não se espalhe pelo ar e não seja considerado “supercontagioso”, o cruzamento de fronteiras por pacientes pode facilmente ajudá-lo em seu caminho.
O risco de o vírus Ebola ser disseminado da África para a Europa, Ásia ou para as Américas é extremamente baixo, de acordo com especialistas em doenças infecciosas, em parte devido à gravidade da doença e da sua natureza letal.
O contágio é maior quando os pacientes estão em estágios terminais, com o sangramento interno e externo, vômitos e diarreia – que contêm altas concentrações do vírus.
Qualquer pessoa nesse estágio da doença está perto da morte e, provavelmente, também muito doente para viajar, disse Bruce Hirsch, um especialista em doenças infecciosas no Hospital Universitário de North Shore, nos Estados Unidos.
“É possível, é claro, que uma pessoa pense que só está ficando gripada, e pegue um meio de transporte e, em seguida, desenvolva a doença na forma mais crítica. Isso é uma das coisas que nos preocupam”, disse ele em um entrevista por telefone.
Ele acrescentou, no entanto: “O risco (de o Ebola se espalhar para a Europa ou Estados Unidos) não é zero, mas é muito pequeno.”
Heymann observou que o único caso de propagação do Ebola da África para a Europa por viagem aérea é de 1994, quando uma zoóloga suíça foi infectada pelo vírus após a dissecação de um chimpanzé na Costa do Marfim.
A mulher foi isolada em um hospital suíço e recebeu alta após duas semanas sem infectar ninguém.
“Surtos podem ser interrompidos com bom controle da infecção e com a compreensão por pessoas que tenham estado em contato com pessoas infectadas, que têm que ser responsáveis”, disse Heymann.
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