“Se te agarro com outro / te mato! / te mando algumas flores / E depois escapo”, cantava Sidney Magal, nos anos 1980. Neste ano, MC Diguinho lançou uma música com o seguinte trecho: “Só surubinha de leve com essas filhas da puta / Taca bebida, depois taca a pica e abandona na rua”.
Músicas como essas viraram alvo de uma campanha e de uma exposição da Prefeitura de São Leopoldo, cidade de 230 mil habitantes no Rio Grande do Sul. A ideia era mostrar como a música brasileira já tratou (e continua tratando) as mulheres de forma pejorativa e, muitas vezes, com incitações à violência.
A canção de MC Diguinho, por exemplo, foi alvo de acusações de apopologia ao estupro – depois, o músico lançou uma versão mais “light”.
Em meados do mês passado, a cidade gaúcha começou a publicar imagens de mulheres segurando cartazes com trechos de músicas de teor machista. A iniciativa foi pensada por causa do Dia Internacional da Mulher, no dia 8 deste mês. Nessa semana, uma galeria com as fotografias viralizou nas redes sociais – foram mais de 50 mil compartilhamentos.
Uma em cada três mulheres sofreu algum tipo de violência em 2016, seja agressão física ou verbal. Os dados são de uma pesquisa do Datafolha e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgada no ano passado. Cerca de 503 mulheres brasileiras são vítimas de agressão a cada hora, de acordo com o levantamento.
Segundo Danusa Alhandra, secretária de Políticas para as Mulheres do município, a ideia da mostra surgiu depois da polêmica envolvendo “Surubinha de leve”, de MC Diguinho. “Nos questionamos se esse tipo de letra existia apenas no funk”, conta.| Foto: Thales Ferreira
Servidoras da pasta acabaram encontrando uma série de músicas com teor machista, sexista e de apologia à violência contra as mulheres. “Concluímos que não acontece apenas no funk. Está em toda a música brasileira: samba, rock, axé, música romântica, sertaneja. Até Noel Rosa”, aponta a secretária.
No início do século 20, Noel Rosa compôs o samba “Mulher indigesta”, que “merece um tijolo na testa” – essa letra também está na campanha de São Leopoldo.
Para Alhandra, dizer que apenas o funk é machista também é uma forma de aumentar o preconceito. “Se você diz que é só o funk, que é cantado nas favelas e na periferia, você está afirmando que apenas um segmento da sociedade é machista e violenta”, explica ela. “E não é. Como está em todos os estilos musicais, a violência e a cultura de ver a mulher de forma submissa está em toda a sociedade, na classe média, na alta, na baixa.”
Por isso, as fotos da campanha de São Leopoldo mostram de Noel Rosa à banda de rock Camisa de Vênus, passando por MC Livinho e Bezerra da Silva.
Alhandra diz que a campanha não pretende acusar ou criminalizar nenhum artista. “Foi uma ideia simples que a gente teve, para refletir sobre as músicas e sobre os discursos que a gente repete, não como acusação. A música é uma manifestação artística, que pode reproduzir um pensamento da sociedade”.
Segundo ela, após o sucesso das primeiras imagens, servidoras da prefeitura e moradoras de São Leopoldo se ofereceram para posar para novas fotografias. A exposição fica em cartaz até o fim do mês, na sede da prefeitura de São Leopoldo e, depois, deve seguir para escolas municipais da cidade.