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“Fico pensando se vale a pena continuar a dar aulas em um Estado que trata o professor assim”. Narrando ter presenciado cenas de uma “verdadeira guerra”, José Carlos Correia, professor de sociologia da rede estadual do Paraná, afirma que, durante o conflito entre policiais e docentes que ocorreu em Curitiba na tarde desta quarta-feira (29), os agentes atiraram contra as partes íntimas dos homens.
Como Correia, outros docentes consultados pela reportagem, dizem também que, além de balas de borracha, os agentes do Estado utilizaram munições parecidas com bolas de gude e jogaram bombas de efeito moral de um helicóptero para conter parte dos cerca de 25.000 manifestantes, segundo a APP-Sindicato. Os docentes participavam do ato contra um projeto de lei que prevê transformações na previdência estadual.
— Percebemos que os policiais atiravam, mirando na região genital dos homens. Bolinhas de vidro foram usadas como munição. Recolhemos algumas e vamos usar para entrar com um processo contra o Estado.
A Secretaria da Segurança Pública Administração Penitenciária do Paraná afirma, por meio de assessoria de imprensa, que foram utilizados pelos policiais bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e armamento de borracha, e que o helicóptero que estava no local fazia apenas uma vistoria na área.
Em notas divulgadas nesta quarta-feira (29), o órgão também disse que o setor de inteligência das polícias identificou e está investigando a atuação de black blocs infiltrados na manifestação.
O texto mostra fala do coronel Cesar Vinícius Kogut na qual ele afirma que “a Polícia Militar reagiu à tentativa dos manifestantes de descumprir a ordem judicial ao tentar invadir a Assembleia Legislativa”.
“Imagens divulgadas à imprensa mostram que o confronto teve início quando um grupo dos manifestantes tentou romper a área de isolamento, pulando as cercas e indo de encontro à barreira policial”, diz outro trecho da nota.
Estopim
Por volta da das 14h desta quarta-feira (29), professores e outros funcionários públicos contrários à aprovação do PL 252/15 estavam concentrados na praça Nossa Senhora Sallete, na região central de Curitiba, próxima à Assembleia Legislativa do Estado, quando foram informados que o texto seria votado pela última vez naquele dia.
Desde esta segunda-feira (27), os servidores ocupavam a praça para protestar contra a medida, que retira parte do pagamento de 33.000 aposentados do fundo de financiamento, bancado pelo tesouro do Estado. Por conta do protesto permanente, a Assembleia foi cercada por grades e policiais militares.
Após a maratona de resistência contra a proposta, a notícia de sua provável aprovação em última votação teria irritado os manifestantes. É o que diz Luiz Fernando Rodrigues, secretário de comunicação da APP-Sindicato, que estava em cima do carro de som da entidade representativa quando a confusão começou.
— Quando anunciamos que a sessão [na Assembleia] iria começar de toda forma, o pessoal ficou revoltado e tentou romper o cerco da Polícia Militar. Quando derrubaram a primeira grade, o Batalhão de Choque subiu para cima dos professores.
Rodrigues diz que, do alto de um carro de som, diretores do sindicato pediam nos microfones para as pessoas manterem a calma e para a polícia parar de jogar bombas.
— Imploramos para os policiais pararem, mas eles continuaram a jogar muitas, inclusive no caminhão. Eu desci do caminhão para poder me afastar e respirar. O pessoal da direção do sindicato orientou as pessoas para manter a resistência pacificamente, sem jogar objetos na polícia […] Foi um verdadeiro massacre, a polícia veio para cima com balas que nem sempre eram de borracha, usou bolas de gude e de vidro para atacar as pessoas, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogênio. Nós não estávamos armados, mas fomos duramente atacados.
Segundo o Samu (Serviço de Assistência Móvel de Urgência) de Curitiba, o confronto entre manifestantes e policiais nas proximidades da Assembleia Legislativa do Estado deixou 200 feridos. A Prefeitura do município contabilizou 213 feridos. A Polícia Militar diz que 13 pessoas foram detidas, entre elas professores e black blocs, e liberadas até a manhã de hoje. Oito manifestantes em estado grave foram internados. Ainda segundo a polícia, 20 policiais.
Bombas do céu
No momento da confusão, o professor Correia diz ter corrido para trás do prédio da Prefeitura, também localização no Centro Cívico. Segundo manifestantes, o edifício foi usado para socorrer feridos de maneira emergencial.
Correia diz que, mesmo distante do foco do confronto, viu bombas serem jogadas sobre os manifestantes de um helicóptero.
— Foi uma cena de guerra, uma situação horrível, violência sem limites da parte da polícia. É inadmissível o que aconteceu […] Em alguns momentos achei que não sairia vivo dali devido à quantidade de bombas que caiam perto de onde estávamos. As bombas de efeito moral e o spray de pimenta impediam a gente de respirar e enxergar. Algumas pessoas passavam mal e caiam e aí íamos tentar socorrer. Implorávamos pelo ‘amor de Deus’ para eles [policiais] pararem de atirar para ajudarmos os feridos, mas eles não pararam. Tinha muitas pessoas caídas.
Para o professor, a situação remete a um tratamento degradante dado aos docentes do Estado.
— O Estado nos contrata para educar, para formar pessoas pensando em uma sociedade civilizada, e ontem eu fui vítima da violência do próprio Estado que me contratou. É um contrassenso […] Tenho uma sensação de impotência. Mas espero que essa sensação passe, porque ser educador é algo muito bom. Não consigo me imaginar em outra profissão.
A greve no Paraná
Os professores da rede estadual do Paraná fizeram uma greve de 29 dias no início do ano. Os docentes chegaram aocupar a Assembleia legislativa nos dias 10 e 12 de fevereiro.
Entre as principais reivindicações, estavam: o fim da tramitação do projeto de lei que previa mudanças na previdência do Estado no período, o fim da tramitação de projeto de lei que previa transformações nas carreiras dos servidores, o pagamento da progressão na carreira de parte dos professores e a contratação de docentes funcionários e a reabertura de mais de 2.00 turmas fechadas no fim de 2014.A paralisação foi suspensa após a assinatura de um acordo pelo governo, mas o estado de greve foi mantido.
Nesta segunda-feira (27), os docentes decidiram retomar a paralisação ativa devido ao descumprimento de parte do acordo. Segundo o APP-Sindicato, o documento previa que o governo não iria dar prosseguimento à tramitação do projeto de lei que mudava a previdência. Entretanto, o texto voltou a tramitar na Alep em caráter de urgência.
“Além desse descumprimento, o governo ainda tem pendente R$ 100 milhões em dívidas com professores funcionários de escola que não tiveram suas promoções e progressões na carreira pagas desde fevereiro do ano passado”, diz Rodrigues.