O juiz federal Julier Sebastião da Silva admitiu, nesta semana, que pode ser candidato ao Governo de Mato Grosso, nas eleições marcadas para outubro deste ano. Pelo menos é o que deixou transparecer em entrevista ao jornal Página Única, que circula neste final de semana.
Essa possibilidade, aliás, é uma tese em que muitos políticos não acreditam, considerando que, se realmente ele se dispuser a entrar na disputa política, terá que renunciar ao cargo, deixando uma carreira vitalícia e um salário compatível com as responsabilidades da função.
Pelo menos naquilo que deixou transparecer durante a entrevista (mais de duas horas de conversa), Julier não demonstrou preocupação com a segurança profissional proporcionada pelo cargo de relevo que ocupa na hierarquia social. Falou com tranqüilidade sobre os motivos que podem levá-lo a deixar a magistratura para enveredar por uma atividade – a política – de futuro incerto. Ele pode até permanecer juiz, mas demonstrou estar preparado para o debate político.
Ele também fala sobre a polêmica Operação Pacenas, por meio da qual, em agosto de 2009, a Polícia Federal prendeu empreiteiros, advogados e funcionários públicos, acusados de integrar uma quadrilha que operava fraudes em licitações de obras do PAC em Cuiabá e Várzea Grande. Julier foi afastado do caso e a própria Justiça Federal anulou a operação.
Confira a íntegra da entrevista concedida aos jornalista Mário Marques de Almeida e Raoni Ricci:
Nos últimos meses, o seu nome tem sido ventilado como possível candidato ao Governo do Estado nas eleições de 2010. Essa questão é séria ou é um balão de ensaio?
Julier – Eu acho que a população tem respondido de forma muito séria sobre isso. Então, evidentemente, que dentro desse conceito tem que se considerar essa questão, até porque há uma demanda muito forte no Estado. A população tem se posicionado muito nesse sentido. O Estado precisa ter uma melhoria em pontos fundamentais: a administração precisa melhorar na questão das políticas sociais. Concretamente, o Estado precisa melhorar o seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o tratamento com o seu povo. E, por outro lado, também existe uma exigência muito forte para que a questão ética seja mais aprofundada, melhor debatida dentro das eleições. São dois eixos fundamentais para a população, portanto esse debate se insere dentro desse contexto.
O senhor, então, não descarta a possibilidade de ser candidato?
Julier – Há uma conversa muito tranqüila, muito profunda sobre isso, que está sendo levada dentro do que permite o calendário profissional dos magistrados. Nesses meses que faltam, isso será amadurecido, será debatido e definido.
O senhor tem preferência por algum partido?
Julier – Isso, na verdade, é imposto no que você quer fazer, em cima daquilo que o candidato representa, do que entende ser melhor para a população. Se isso realmente acontecer, no caso de existir uma candidatura, nossa escolha será pautada pelo atendimento de políticas próximas à população, melhorias na Educação, Saúde… Serão avaliadas as agremiações partidárias que tiverem esse perfil, que já tem essas posições ideológicas mais firmadas. A legenda que tiver isso muito bem definido, ou seja, a favor do trabalhador, sem dúvida, será essa minha escolha.
Como o senhor avalia o Governo Blairo Maggi?
Julier – Os Governos dos últimos anos têm feito uma sucessão de atividades, muitas vezes, distantes, mas que acabam cada um botando o seu tijolo no Estado. Temos o exemplo do Governo Dante, que se dedicou na melhoria das questões administrativas e fiscais, e o Governo Maggi, que se dedicou um pouco mais à questão econômica, infraestrutura e assim por diante. Acho que, agora, para o próximo período, a população tem colocado outras prioridades. A população, hoje, está exigindo que as políticas públicas estejam mais próximas da população, que sejam atingidos os setores que são fundamentais à população. Segurança Pública, Saúde, Educação e Saneamento. É esse o lote de prioridades que o povo está exigindo. Portanto, é esse o foco que o próximo Governo deve ter.
Sendo mais direto, que nota o senhor daria para os Governos Maggi e Dante?
Julier – Os setores que eu citei são deficitários. Entretanto, há outros pontos positivos, como a política econômica, infraestrutura, dentre outros. Se formos fazer um balanço, vai dar uma média 5, mas com picos positivos de 7 e 8 e negativos de 2 e 3. Ou seja, me parece que o grande foco é essa questão de políticas públicas voltadas para a população. O Estado é deficiente em políticas públicas de Saúde, a epidemia de dengue não é só em Cuiabá, mas sim no Estado inteiro. Falta política estatal de Saúde. Na Educação, nós também verificamos isso, tanto que estamos vendo isso agora no Enem, em que existe um medo generalizado de que os mato-grossenses fiquem fora da UFMT. Portanto, também estamos com uma Educação, no nível estadual, ineficiente. Quanto à Segurança Pública, nós nem precisamos dizer nada. Os bairros mais periféricos de todas as grandes cidades do Estado sofrem com a ausência de policiamento. O Governo Dante fica na mesma média, também foi insuficiente nessa questão, não deu atenção necessária às políticas voltadas para o povo.
O sr citou a dengue que atingiu Mato Grosso em 2009 e, agora, em 2010. O senhor acredita que essa situação poderia ser evitada?
Julier – O povo está com dengue, uma doença que, a rigor, está controlada em outros Estados, mas tem feito vítimas fatais em Mato Grosso. Essa epidemia é a prova concreta de ausência de capacidade de prever e antecipar políticas públicas para um problema. A dengue é tão inexorável quanto a chuva entre os meses de dezembro e fevereiro, ou seja, todo mundo sabe que vai chover. Se vai chover, é claro que vai ter dengue. O Estado deveria ter se preparado na seca para isso. Tinha que ter traçado um cronograma de ações para impedir o estrago que estamos vendo hoje. Não adianta arrumar uma estrada na chuva. Não adianta tapar o buraco na chuva, pois dois dias depois a água acaba com o trabalho. Isso vale para todos os setores.
Na sua avaliação, qual o grande problema da Segurança Pública no Estado?
Julier – Já tivemos um problema muito sério em Mato Grosso, que era o crime organizado, como máfia, com ramificações políticas, econômicas, financeiras, com influência no Legislativo, no Executivo, máfia no sentido clássico. Hoje, apesar do tráfico de drogas, não temos uma grande organização que comanda todo o Estado. O nosso grande mal é o cidadão que sai para trabalhar e é assaltado, ou que sai de casa e quando o volta já fizeram sua mudança, levaram tudo. Não existe mais segurança de deixar o filho em casa. O crime cometido pela oportunidade já é cotidiano. Isso é o reflexo da ausência de policiamento, da ausência do Estado. É diferente de ter pistoleiros. A polícia não tem número suficiente de policiais, não há distribuição regular nas unidades de acordo com o perfil de violência dos locais. Tudo isso é a questão de oportunidade, que, na minha visão, passa pela polícia mais próxima da população. Às vezes, não interessa ter um distrito policial monstruoso para pegar 20 bairros da cidade, mas interessa ter núcleos menores em cada um desses bairros, ganhando a confiança da população, implantando a polícia comunitária, cidadã. Esse é um modelo que desencadeia dois efeitos positivos: confiança da sociedade e dissuasão dos marginais.
Nesses 15 anos de magistratura, além de mandar para cadeia homens poderosos com o ex-bicheiro João Arcanjo Ribeiro, o senhor teve atuação destacada no combate à corrupção, um câncer da política. Na condição de candidato, o senhor se sente confortável para entrar nesse mundo que tanto combateu?
Julier – É preciso ressaltar que nós não combatemos política, ela é a única forma que se tem de construir instituições sólidas, igualitárias, no ponto de visa do cidadão. Quando se coloca o questionamento nessas bases, você expressa também uma pré-concepção de que a política é espaço reservado para brutos, desqualificados, corruptos, os fichas-suja. Quando, na verdade, é o contrário, na sua concepção. A política é reservada aos homens de bem. Não há por que nós pensarmos que as pessoas honestas devam ficar longe da política.
Como o senhor vê o fato de alguns políticos considerados ficha-suja conseguirem se candidatar e eleger com votações expressivas?
Julier – Eu acredito que há uma deformidade de representação. Primeiro, não deveria estar disputando o pleito eleitoral. O Estado brasileiro tem que ter padrões éticos que qualificam aqueles que querem se apresentar como candidatos ao povo. As instituições têm que funcionar, um sujeito não pode ficar 20 anos sem ser julgado e não pode ser candidato. Existe uma forma de mudar isso. O Estado deve se impor. Quem tem ficha-suja não pode ser candidato. Os partidos políticos também têm uma responsabilidade nesse processo, pois são eles que apresentam os candidatos.
A sua experiência como operador do Direito o credencia a atuar em que cargo: Executivo ou Legislativo?
Julier – Na verdade, os dois espaços de poderes são importantes. A democracia só funciona com um Legislativo forte e com um Executivo com legitimidade e capacidade de ação. O Executivo não vai ter políticas públicas adequadas, se o Legislativo não exercer o seu papel constitucional, se for subalterno, que não legisla, que apenas atua em causa própria. É por aí que se definem os perfis para cada posição, além do momento histórico. Hoje, o momento é de formulação de políticas públicas e de execução. Há uma urgência nesse contexto, é ai que eu me insiro.
Como estudante, o senhor já venceu uma eleição contra Wilson Santos. Como o senhor avalia o político Wilson Santos, prefeito de Cuiabá?
Julier – O prefeito tem enfrentado uma série de problemas na sua administração. Isso não é novidade para ninguém. Por exemplo, problemas envolvendo o PAC e novamente a questão da dengue, que não se restringe só a Cuiabá, mas o fato é que a situação é desconfortável. Como cidadão, tenho visto que a situação não é nada boa. Em dezembro, ainda ficamos por mais de dez dias sem a coleta de lixo, o que agravou ainda mais a crise na cidade. Enfim, uma cidade com muitos problemas.
E essa renovação do contrato com a empresa Qualix?
Julier – No Brasil, nós temos um sistema jurídico muito apropriado para essas questões de concessão de serviços públicos, que me parece muito democrático, que são as licitações. Há de se estabelecer disputa entre todos aqueles que têm capacidade de atender a administração pública em qualquer serviço. Não conheço nada mais ético e justo do que esse sistema. Quer dizer, a exceção tem que ser muito bem justificada, diante de uma calamidade pública, de uma perda irreparável. Fora disso, não há justificativa para que o poder público contrate sem licitação. Não conheço o caso específico de Cuiabá, mas o excepcional e a emergência não se perduram por anos.
Como o senhor responde às acusações de ter politizado a Operação Pacenas, que levou para a cadeia megaempresários e até o então procurador-geral do município, José Antônio Rosa?
Julier — O sistema legal de investigação criminal no Brasil não é pessoal, existem instâncias. A Polícia investiga, o Ministério Público investiga, faz a denúncia, e a Justiça recebe tudo isso e decide. Foi o que aconteceu na Operação Pacenas. O juiz não sai procurando caso. Daquilo que eu recebi, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, de acordo com a Constituição Federal, eu decidi observando essas prerrogativas.
Por que o senhor foi afastado do caso?
Julier – O que o Tribunal Regional Federal (TRF) decidiu foi que as investigações deveriam ser feitas em processos distintos. E foi, então, que se redistribuiu o processo, que hoje está na 3ª Vara Criminal. Os fatos concretos sãos as interceptações telefônicas. Mas, vamos dizer o seguinte: o sujeito está sendo traído pela mulher e decide fazer uma filmagem. Os amantes são filmados em pleno no ato de traição. Para quem foi traído, o marido, não adianta você dizer que a filmagem não vale. Eu pergunto, o marido foi ou não traído, ele vai pedir a separação ou não? Há ali uma discussão por responsabilidade individual daqueles que são acusados, mas há o fato. Houve ou não houve? Houve. A condição para que os acusados fossem soltos foi que as prefeituras anulassem os contratos.