Doentes mentais e viciados têm tratamento desumano

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Pacientes deitados no chão, paredes com mofo, banheiros sujos e com azulejos quebrados, esgoto correndo a céu aberto e o mato crescendo na área de recreação.

Essa triste e desumana realidade foi encontrada pelos membros do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), nas unidades I e III do Centro de Atenção Psicossocial (Ciaps) Adauto Botelho, localizadas no Coxipó e no Centro Político Administrativo (próximo ao Detran), respectivamente.

Além disso, as camas estão enferrujadas e há colchões espalhados pelo chão, há insuficiência de profissionais das área médica e de enfermagem, bem como faltam medicamentos e materiais de trabalho e higienização.

Durante entrevista coletiva, na segunda-feira (23), a presidente do CRM, Dalva Alves das Neves, destacou que a situação vivenciada pelos pacientes do Adauto Botelho é um caos e que as unidades estão pedindo socorro.

Agora, os relatórios das visitas serão enviados ao Ministério Público Estadual (MPE), para que acione o Estado e encontre uma maneira de melhorar o atendimento aos pacientes dessas duas unidades.

“Faltam estrutura física, materiais, medicação, profissionais. Falta tudo. Não tem nada lá. O CRM pede socorro. Nós fazemos o nosso dever. Nós constatamos e mandamos (a denúncia para o MPE), mas não temos nenhuma outra arma que possamos usar”, reclamou a presidente do CRM.

A possibilidade de interdição das unidades não foi descartada pelos conselheiros, mas a hipótese será avaliada durante a primeira sessão plenária do Conselho neste ano.

“Ciaps é questão do Estado, cabe ao governador (Silval Barbosa) tomar alguma providência. Não dá pra continuar do jeito que está. Isso não é de hoje e só piora com o tempo. Vai ser colocada em votação, na nossa primeira sessão plenária de 2012, a interdição ética dos Ciaps, e todos os conselheiros vão dar a sua opinião”, explicou Dalva.

Para os conselheiros do CRM, os pacientes do Adauto Botelho são tratados de maneira desumana e, apesar da interdição ser o caminho mais viável, torna-se um risco para a sociedade, uma vez que o hospital é o único que trata de pessoas que sofrem de problemas mentais.

“Como pode ser tratado um paciente psiquiátrico nessas condições? É desumano. O paciente já tem uma estrutura deficiente, vai lá para ser tratado com dignidade, e não é. Isso fere diretamente a lei que atende ao paciente psiquiátrico (Lei 10.216/2001). Ele não é tratado. Ele finge que é tratado, porque não têm condições físicas de ser tratado e não têm profissionais em quantidade suficiente”, afirmou a presidente do CRM.

Unidade I

A Unidade I do Adauto Botelho, localizada no bairro Coxipó, em Cuiabá, é composta por três alas de internação – uma feminina (20 leitos) e duas masculinas (50 leitos) – e um setor de Pronto Atendimento (14 leitos).

Em todos os setores, as paredes apresentam infiltrações, têm mofo ou estão descascadas, a iluminação é precária e não há ventilação. Os banheiros estão em péssimas condições de uso e os bebedouros não possuem proteção ou higienização.

Além disso, muitos equipamentos não funcionam e a pouca medicação existente fica condicionada em armários destrancados e, em alguns casos, misturados com pertences pessoais de funcionários.

No almoxarifado, produtos de higiene são guardados junto com materiais de escritório e os materiais estão sujos ou empoeirados pela falta de uso. A área de recreação, além de estar encoberta por mato e ter caixa de esgoto ao céu aberta, não possui qualquer tipo de pavimentação.

Outro problema grave é que não há médicos suficientes para fechar a escala de plantão no Pronto Atendimento. Até mesmo a vistoria teve que ser acompanhada por profissionais da enfermagem, pois não a unidade está sem direção.

“A unidade não tem diretor técnico, não tem diretor clínico. A visita foi acompanhada pela enfermagem, porque não têm um responsável técnico médico nem clínico médico”, criticou a presidente do CRM.

Além disso, o lixo hospitalar é misturado ao lixo comum e o único produto de limpeza usado em toda a unidade é o hipoclorídrico.

Em 2010, três mortes foram registradas por falta de atendimento adequado e, em 2011, o número de óbitos subiu para sete.

Mistura de pacientes

Na unidade I, deveriam ser tratados somente pacientes com distúrbios psiquiátricos, mas, por falta de opção, mulheres que são dependentes químicas acabam sendo internadas lá para tratamento.

A situação já resultou em relatos de abuso e agressões dentro da unidade, de acordo com o vice-presidente do CRM, Arlan Azevedo, que participou das vistorias. Os funcionários administrativos da unidade também ficam expostos à agressividade de alguns paientes mais graves.

“As mulheres dependentes de drogas lícitas ou ilícitas são atendidas no Ciaps I porque não há lugar para atendê-las. Aí, elas são misturadas aos pacientes com doenças mentais”, contou.

Segundo ele, os pacientes vivem em condições subumanas que ferem a legislação federal, uma vez que a Lei 10.216/2001 prevê que os doentes mentais devem ter acesso ao melhor tratamento de saúde e serem tratados com humanidade. “Há uma infração legal”, reclamou Azevedo.

Unidade III

A unidade III é destinada ao atendimento de pacientes do sexo masculino que sejam dependentes de drogas. A unidade, localizada próximo ao Detran, no Centro Político Administrativo (CPA), tem capacidade para atendimento de 50 pacientes e, atualmente, conta com 27 internos.

As deficiências são as mesmas encontradas na primeira unidade, com um agravante: apenas um psiquiatra e dois clínicos gerais atuam na unidade e, em caso de emergência, como uma overdose, não há ambulâncias para transportar os pacientes.

A limpeza das alas ficam a cargo dos internados, porque os serviços de limpeza da unidade foram terceirizados. Além de não serem feitos diariamente, são realizados somente no período matutino. Também não há proteção na cozinha ou na área externa, implicando, assim, na insegurança de funcionários e pacientes da unidade.

“Cerca de 80% das internações são compulsórias, ou seja, por ordem judicial, o que agrava ainda mais a situação”, afirmou Azevedo. Isso porque, dessa forma, os pacientes resistem ao tratamento, uma vez que não buscaram o tratamento por iniciativa própria, já tendo sido registrado, até mesmo, consumo de drogas dentro da unidade.

Os conselheiros ressaltaram ainda que o local acaba sendo usado também como fuga, pois há internos que buscam tratamento no local para se proteger de “rixas” e ameaças de morte nos presídios ou para fugir de dívidas com traficantes de drogas.

Segundo a presidente do CRM, essa unidade funciona como resultado de uma parceria entre a Secretaria de Estado de Saúde (SES), sob Pedro Henry, e a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), sob Paulo Lessa.

A estrutura física é de responsabilidade da Sejudh. Dalva Neves ressaltou que o Termo de Cooperação Técnica entre as duas secretarias não é ajustado há anos, e a SES justifica a falta de investimento nas manutenções por ser atribuição da outra pasta estadual.

Relatório

Clique aqui para conferir a íntegra do relatório da vistoria realizada no Ciaps Adauto Botelho (Unidade I)

Confira imagens registradas pelo CRM-MT, durante a vistoria ao Hospital Adauto Botelho:

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