Gazeta
Com cerca de 50 pacientes nos corredores do primeiro andar do Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (PSMC), o atendimento pode demorar mais de 24 horas mesmo em casos prioritários como idosos e pessoas com fraturas expostas. Nos corredores, pacientes vítimas de acidentes de trânsito aguardam em cadeiras e até no chão, pois há falta de macas e são poucos os profissionais de saúde para atender a demanda. Também há relatos da falta de medicamentos e materiais para trabalho e a equipe de enfermagem trabalha com objetos improvisados como garrafas de produtos de limpeza.
Thalyta Amaral |
A situação ainda assusta quem precisa recorrer ao PSMC, que apesar de ser municipal atende muitos pacientes do interior de Mato Grosso. As brigas são constantes nos corredores, sejam por familiares de paciente que exigem atendimento ou até mesmo pelas equipes de enfermagem que tentam desocupar o local à base do grito. Situações como essas foram flagradas pela reportagem de A Gazeta que teve acesso ao interior do Pronto-Socorro nesta segunda-feira.
Entre os pacientes instalados de forma improvisada estava o mecânico Flávio Braun, 23, que sofreu um acidente enquanto soldava um trator e teve 70% do corpo queimado. Após aguardar dois dias em Rondonópolis (212 km ao Sul de Cuiabá), ele foi transferido para a Capital, mas ao contrário do que foi informado durante a transferência, Flávio não recebeu cuidados especiais e isolamento para evitar infecções que podem agravar o seu quadro. A vaga só apareceu depois de mais de 50 horas de espera e após muitas reclamações dos familiares, além da ajuda de um advogado.
“Nenhum dos médicos que atendeu ele concorda em deixarem meu irmão no corredor. O caso dele é grave e o risco de pegar infecção é muito grande. Deixaram ele exposto em um lugar aonde toda hora chegam pessoas da rua, acidentados e com todo o tipo de problemas, além de ser o lugar onde as pessoas comem”, conta a irmã de Flávio, Elenice Braun.
Assim como Flávio, dezenas de pessoas e seus acompanhantes esperam pelo atendimento, porém, as prioridades, como idosos e pessoas com fraturas expostas, não são respeitadas por causa da superlotação.
Deficiente visual, com transtornos mentais e sequelas de um derrame, somado a uma fratura no braço esquerdo. Essa era a situação do idoso Ronaldo Paulo Cerqueira, 62, quando foi internado no PSMC, mas mesmo com a necessidade de intervenção cirúrgica imediata foram mais de 24 horas até que o procedimento fosse feito.
“Chegamos com ele sangrando e trataram a gente como cachorros. Tem gente sentada no chão e em cadeiras, o lugar está sempre sujo e também existe o risco dele pegar uma infecção, por ter ficado com o braço aberto por tanto tempo. Como Ronaldo tem transtornos mentais, precisava de um remédio para ficar mais calmo e só deram o medicamento depois que a gente brigou com as enfermeiras”, reclama o irmão de Ronaldo, o aposentado Luiz Paulo Cerqueira, 56.
Com uma fratura exposta no tornozelo, o auxiliar de limpeza hospitalar, Márcio José Silva, 28, passou horas sentado em uma cadeira de fio após ser atendido. A indicação do médico era que ele deixasse o membro machucado mais elevado que o resto do corpo, mas no espaço precário, ele chegou a segurar a perna para melhorar a dor. “Fiquei com o machucado aberto por mais de 10 horas e por isso vou ficar internado mais dias, porque posso ter pego uma infecção”.
A idosa Maria Rodrigues Silva, 94, sofreu um acidente caseiro e quebrou o fêmur no dia 13 de agosto, mas a cirurgia só será realizada em 28 de agosto. “Ela fica nesse espaço inadequado e não consegue descansar porque é muita gente. Ela é uma idosa e deveria ser prioridade e não ficar sofrendo desse jeito. Quando chegamos ao Pronto-Socorro a dona Maria ficou mais de 24 horas esperando o atendimento na maca do Samu”, afirma a esposa do neto da idosa, Greicy Fátima de Brito, 28. Quando o atendimento chega, nem sempre termina o sofrimento do paciente.
Sem nenhum acompanhante, o desempregado João Paulo da Silva, 32, saiu da maca por alguns minutos para ir ao banheiro e quando voltou não tinha mais lugar para repousar. “Fiquei no chão mesmo, porque levaram minha maca. Só lavaram meu ferimento na cabeça quando eu cheguei, há dois dias. Os meus dedos do pé direito estão colados, porque ficou muito sangue e ninguém limpou”.
Para o presidente do Conselho Regional de Medicina, Gabriel Felsk, essas situações são denunciadas semanalmente ao Conselho e são resultado da falta de investimentos na pública. “Temos um ambiente em que faltam profissionais, insumos e medicamentos, além de baixos salários, o que desestimula os médicos a trabalharem no Pronto-Socorro. O médico é a pessoa que tem contato com os pacientes e acontecem muitas agressões, pois os familiares, às vezes, não entendem que a culpa não é do médico e sim da falta de planejamento em longo prazo da saúde”.
Outro lado – Secretário municipal de Saúde, Werley Peres informou que o Pronto-Socorro atende a todo o Estado e com o crescimento da população, sem o aumento dos repasses feitos pelo Estado, não é possível atender a toda a demanda.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Saúde informou que a Secretaria, o Ministério da Saúde e os 140 municípios fazem repasses à Capital pelos pacientes atendidos e que todos os atendidos de fora de Cuiabá são pagos corretamente.