Apesar dos gargalos na infraestrutura, o agronegócio enriquece o Estado. O Produto Interno Bruto (PIB) cresce 2,5 vezes mais do que o do país. A unidade lidera em soja, algodão, girassol e pecuária.
Esses são alguns dos principais pontos destacados pelo jornal Folha de S. Paulo, em reportagem especial na edição deste domingo, que retrata o Brasil que mais cresce e faz um perfil da economia de Mato Grosso.
Apesar de toda a riqueza, materializada no setor produtivo, há uma conclusão imperativa, levantada pela equipe do jornal paulista, que percorreu o Estado: o progresso de Mato Grosso é marcado pelas muitas contradições.
Confira a íntegra da reportagem da Folha:
Contradições marcam o progresso de Mato Grosso
MORRIS KACHANI
Enviado especial a Mato Grosso
Percorrer a longa estrada que corta a região do médio norte-mato-grossense é uma maneira de deparar com as imensas contradições trazidas pela riqueza e desenvolvimento do país.
Pela janela do carro avistam-se as intermináveis áreas de cultivo de soja (2,77 milhões de hectares), algumas colheitadeiras importadas de última geração, com GPS e ar-condicionado, que chegam a custar perto de R$ 1 milhão, e unidades industriais de esmagamento de grãos (são 12 no total), frigoríficos (14) e usinas de biodiesel (3).
Mas o trajeto, partindo da capital Cuiabá, se dá por uma rodovia precária, de pista única nos dois sentidos, que é a principal via de escoamento da produção (40% da soja passa pela BR-163). São 146 mil caminhões por ano. O gargalo na infraestrutura dos transportes é o grande problema.
Mato Grosso é hoje o maior produtor de soja do Brasil -somente neste ano serão 21,4 milhões de toneladas. Para ter um parâmetro, há 30 anos o Estado produzia 360 mil. É também o primeiro em algodão, em girassol e em pecuária. É o segundo em arroz e em milho. O PIB do Estado cresceu 89% na primeira década de 2000, 2,5 vezes o do país.
Uma das principais plataformas desse sucesso é o preço inusual das commodities no mercado internacional -especialmente da soja, que neste ano bateu recorde devido à estiagem que derrubou a produção no Sul do país e na Argentina.
"Se não fosse a soja, Mato Grosso ainda estaria em uma situação de atraso", diz o senador Blairo Maggi, um dos maiores produtores do país e que governou o Estado entre 2003 e 2010. "Hoje, o produtor de soja consegue margem de 30% sobre o capital investido", afirma.
O maior importador é a China, que a utiliza principalmente para produzir ração para alimentação animal, especialmente suínos (78% da soja produzida é usada para esse fim; 19% é convertida em óleo e suplemento alimentar, indicado para quem tem intolerância à lactose).
O grande cartão de visitas da região é a cidade de Lucas do Rio Verde (50 mil habitantes), que, em 2009, apareceu no oitavo lugar no ranking de municípios brasileiros com o melhor índice de desenvolvimento social e econômico, de acordo com a Firjan.
Os 12 postos de saúde e as 10 escolas municipais da cidade -algumas até com piscina- apresentam-se em condições invejáveis.
Problemas
Mas, paradoxalmente, na mesma Lucas verifica-se um percentual de 35% de saneamento básico. A grande concentração de terras -3% dos proprietários detêm 61% da terra do Estado, de acordo com o IBGE- é outro ponto sensível.
O uso de agrotóxicos, modalidade em que o Brasil é campeão mundial, também chama atenção. Um estudo de 2010 liderado pelo professor Wanderley Pignatti, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em parceria com a Fiocruz, constatou a contaminação com resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 83% dos 12 poços de água potável da cidade.
Outro estudo colheu amostras de leite materno de 62 nutrizes. Todas apresentaram pelo menos um tipo de agrotóxico analisado.
Mas, em termos de problemas de infraestrutura, nada se compara à ausência de uma malha de transportes adequada para escoar o gigantesco fluxo de produtos.
O trajeto terrestre até o porto de Santos, de 2.012 km, por onde escoa 48% da exportação, custa mais do que o dobro do que a travessia por mar até a China (20 mil km).
Pelo menos há perspectivas no horizonte. Os produtores aguardam a conclusão do asfaltamento da mesma BR em seu extremo norte, até Santarém -o que deve ocorrer até o final de 2013.
Com isso, poderão exportar a partir do Pará, embora a estrutura do porto de Santarém também tenha capacidade limitada. Outra rota que leva a promessa de ser concluída até o ano que vem é o trecho que liga Rondonópolis à ferrovia Norte-Sul. A hidrovia pelo rio Madeira até Porto Velho, em Rondônia, é uma alternativa.
Em suma, pelo menos até agora, Mato Grosso continua usando basicamente a mesma logística que foi construída pelo governo militar, como forma de estimular a colonização da região à época.
Ocupação
A história de ocupação do médio norte-mato-grossense remonta ao final dos anos 1970, quando os primeiros colonos vindos do Sul -Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina- desembarcaram na região.
Eles foram para lá encorajados por um plano de assentamento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que lhes facilitava a aquisição de lotes de terra e financiamento.
Na época, 200 hectares de terra virgem eram comprados por um valor atualizado de R$ 30 mil; hoje, esse mesmo lote em plena atividade vale R$ 6 milhões.
Não havia energia elétrica, as estradas eram de terra e chegar a Cuiabá levava uma semana.
"Nos finais de semana a gente esfriava a cerveja com ureia (tipo de adubo)", lembra Ildo Romancini, ex-militante que participou de uma das primeiras mobilizações de sem-terra do país, a Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul.
Romancini chegou no começo dos anos 1980. Hoje, tem mais de 500 hectares e é sócio do principal supermercado da cidade.
Amantes de Pipino
O processo de ocupação resultou na criação de dezenas de municípios, muitos deles com nomes femininos como Cláudia, Vera ou Santa Carmem -corre o boato de que se tratavam das amantes de um mesmo colono, o paulista Ênio Pipino.
Foi desmatada aproximadamente 80% da área. Não por acaso utilizou-se muito fertilizante. O solo da região, situada em zona de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, não é rico.
O que viabilizou sua utilização foram os estudos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e universidades públicas. E, sobretudo, o clima com as estações do ano definidas.
"A tropicalização da soja e de outros grãos é um processo inteiramente concebido por instituições brasileiras", afirma João Flávio Veloso Silva, gestor da unidade da Embrapa que acaba de ser inaugurada em Sinop, orçada em R$ 30 milhões e com 42 pesquisadores.
O crescimento da produção muito acima dos níveis da área plantada é outra conquista técnica enaltecida por Silva (veja gráfico ao lado).
Hoje, 90% da soja é transgênica. Para Silva, entre a soja transgênica e a convencional, "não existe o bom e o ruim. É preciso gerar tecnologia para ambas".
Os europeus preferem a soja convencional, mas os chineses gostam da transgênica. Os custos de produção são semelhantes. No caso dos transgênicos, o produtor paga royalties pela semente desenvolvida e pelos defensivos agrícolas, o que é tema de acalorado debate.
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