RIO – Na segunda edição do Nobel realizada durante a pandemia de covid-19, parte da comunidade acadêmica e alguns leigos apostavam em uma premiação relacionada ao desenvolvimento da nova tecnologia de vacina de RNA mensageiro. Ela foi usada pela primeira vez na prevenção ao Sars-CoV2 e é apontada como uma revolução biotecnológica na área dos imunizantes. Essa expectativa, no entanto, até agora foi frustrada.
O prêmio não veio na medicina nem na química. Provavelmente também não virá na sexta-feira, quando será anunciado o Nobel da Paz. Segundo especialistas, isso já era esperado. Tradicionalmente, a academia sueca leva anos, até décadas, para premiar uma descoberta. As vacinas contra a covid-19 foram desenvolvidas no calor da pandemia, nos últimos dois anos. Era um vírus novo. Havia a pressão das mortes em massa e da economia parada.
Mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo já receberam os imunizantes da Pfizer/BionTech e da Moderna, que usam a nova tecnologia. Os produtos excederam US$ 50 bilhões em vendas somente este ano. A plataforma abre caminho também para a criação de outras vacinas e até mesmo tratamentos para várias doenças.
“Até agora todas as vacinas eram feitas com fragmentos de vírus, inativados ou vírus atenuados”, explicou o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri. “Esta é a primeira vez que se consegue enviar uma instrução genética para que o nosso organismo produza o antígeno.”
Entre as vantagens da nova tecnologia estão a maior facilidade para criar imunizantes para novas variantes do vírus ou mesmo para outros vírus. Basta mudar a instrução enviada para isso. Outra circunstância favorável é a produção em escala.
“Ainda está em fase teórica, mas a tecnologia pode ser usada para corrigir genes defeituosos, por exemplo”, afirmou o pesquisador André Báfica, especialista em imunologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “E já estão em fase inicial de testes uma vacina contra a zika e outra contra o câncer.”
Criado há 120 anos, o Nobel tem por objetivo premiar os pesquisadores que apresentaram “os maiores benefícios para a humanidade”. É uma categoria na qual as criadoras da nova tecnologia de vacinas se enquadram.
A academia, porém, costuma esperar que as descobertas estejam definitivamente consolidadas. Também aguarda que seu impacto possa ser devidamente mensurado. Só então lhe concede a láurea. Foi assim até com Albert Einstein. Considerado até hoje o maior nome da área, ele só levou o Nobel de Física em 1921. A premiação chegou dezesseis anos após publicação da Teoria da Relatividade Restrita e seis anos depois da Teoria da Relatividade Geral.
Os nomes que apareceram como favoritos na lista de apostas deste ano eram os das cientistas Katalin Kariko e Drew Weissman, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA. Seus trabalhos com RNA abriram o caminho para o desenvolvimento das vacinas da Pfizer/BionTech e da Moderna contra covid. As duas pesquisadoras já tinham faturado alguns dos mais importantes prêmios da ciência este ano. Ganharam o Lasker Awards, chamado de “Nobel americano”, e o Breakthrough Prizes.
“Esta descoberta permitiu o desenvolvimento de vacinas altamente eficazes contra a covid-19”, justificou a Fundação Lasker, ao anunciar o prêmio. “Além de fornecer uma ferramenta para conter uma pandemia devastadora, a inovação está impulsionando o progresso em tratamentos e imunizantes para uma série de outras doenças.”
David Pendlebury, da Clarivate Analytics, que tradicionalmente publica uma lista dos favoritos ao prêmio, não se surpreendeu com o resultado do Nobel ter passado longe das duas cientistas. “Pensando no conservadorismo do comitê (do Nobel), não achei que fosse acontecer”, afirmou.