“As manifestações do parlamentar Daniel Silveira, por meio das redes sociais, revelam-se gravíssimas, pois, não só atingem a honorabilidade e constituem ameaça ilegal à segurança dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como se revestem de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura (…) o autor das condutas é reiterante na prática criminosa, pois está sendo investigado em inquérito policial nesta corte, a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), por ter se associado com o intuito de modificar o regime vigente e o Estado de Direito”.
O trecho acima é parte do mandado de prisão em flagrante de oito páginas, sem direito à fiança, expedido na noite de terça-feira (16/2) pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), apoiador ferrenho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e uma das principais vozes de sua “base ideológica” na Câmara dos Deputados.
A decisão foi de ofício, ou seja, sem provocação da PGR ou da PF, como de costume.
Horas antes, Silveira havia publicado nas redes sociais um vídeo com ofensas a ministros da corte.
Na gravação, “durante 19 minutos e 9 segundos, além de atacar frontalmente os ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas ameaças e ofensas à honra, expressamente propaga a adoção de medidas antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, defendendo o AI-5”, diz Moraes, em sua decisão.
O Ato Institucional nº 5, decretado em 13 de dezembro de 1968 durante o governo de Artur da Costa e Silva, é entendido como o marco que inaugurou o período mais sombrio da ditadura militar no Brasil.
O decreto deu ao regime uma série de poderes para reprimir a oposição: fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos eletivos, suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, intervir em Estados e municípios, decretar confisco de bens por enriquecimento ilícito e suspender o direito de habeas corpus para crimes políticos.
Na ordem de prisão, Moraes argumenta que Silveira defendeu “a substituição imediata de todos os ministros [do STF]” e instigou “a adoção de medidas violentas contra a vida e segurança dos mesmos, em clara afronta aos princípios democráticos, republicanos e da separação de Poderes”.
Segundo o ministro, “medidas enérgicas” são necessárias para para impedir a perpetuação da “atuação criminosa” de Silveira “visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes constituídos e o Estado democrático de Direito”.
“Não existirá um Estado democrático de direito sem que haja Poderes de Estado, independentes e harmônicos entre si, bem como previsão de Direitos Fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade desses requisitos. Todos esses temas são de tal modo interligados, que a derrocada de um, fatalmente, acarretará a supressão dos demais, trazendo como consequência o nefasto manto do arbítrio e da ditadura, como ocorreu com a edição do AI-5, defendido ardorosa, desrespeitosa e vergonhosamente pelo parlamentar”, diz Moraes.
De acordo com o ministro, Silveira atentou contra a “a honra do Poder Judiciário e dos ministros do Supremo Tribunal Federal”, crime previsto pela Lei de Segurança Nacional.
Após a prisão, Silveira voltou às redes sociais e publicou outro vídeo em que diz: “Neste momento, 23 horas e 19 minutos, Polícia Federal aqui na minha casa, estão ali na minha sala… ministro [Alexandre de Moraes], eu quero que você saiba que você está entrando numa queda de braço que você não pode vencer. Não adianta você tentar me calar”.
O deputado bolsonarista é alvo de dois inquéritos no STF — um sobre atos antidemocráticos e o outro sobre fake news. Moraes é relator de ambos, e a ordem de prisão contra Silveira foi expedida na investigação sobre notícias falsas.
O parlamentar foi preso em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, e depois encaminhado à Superintendência da PF no Rio de Janeiro, no centro da capital fluminense.
Como se trata da prisão de um deputado federal, a decisão terá que passar pelo crivo do Plenário da Câmara, que pode derrubá-la, com quórum de maioria simples. Moraes já determinou que o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), seja comunicado sobre o caso para a adoção das providências cabíveis.
Em uma sequência de mensagens em sua conta oficial no Twitter nesta quarta-feira (17), Lira (PP-AL) pediu “serenidade” após a prisão de Silveira e afirmou que se guiará pela Constituição no caso.
Segundo ele, a Casa “não deve refletir a vontade ou a posição de um indivíduo, mas do coletivo de seus colegiados, de suas instâncias e de sua vontade soberana, o Plenário”.
“Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a instituição e a democracia”, disse Lira.
Moraes também determinou que o bloqueio imediato do vídeo pelo YouTube, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. O conteúdo da gravação deverá ser preservado pela PF.
Além disso, por ser uma decisão liminar (provisória), ela será avaliada pelos demais ministros do STF. O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, pretende levar o caso ao plenário nesta quarta-feira (17/2).
Em nota, o presidente nacional do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), disse que vai expulsar Silveira do partido.
“A Executiva Nacional do partido está tomando todas as medidas jurídicas cabíveis para o afastamento em definitivo do deputado dos quadros partidários”, informou Bivar por meio de um comunicado.
“Os ataques, especialmente da maneira como foram feitos, são inaceitáveis. Esta atitude não pode e jamais será confundida com liberdade de expressão, uma conquista tão duramente obtida pelos brasileiros e que deve estar no cerne de todo o debate nacional”, acrescenta a nota.
Vídeo polêmico
O ponto de partida para o vídeo de Silveira foi a manifestação do ministro Edson Fachin, que havia criticado na segunda-feira (15) a tentativa de interferência de militares no Poder Judiciário.
Fachin havia dito ser “intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”.
O comentário do ministro foi feito após divulgação de trecho de livro no qual o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas diz que discutiu com Alto Comando da Força uma postagem, que muitos consideraram uma ameaça, às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018.
No vídeo, Silveira usa palavras de baixo calão contra Fachin e outros ministros do Supremo, acusa-os de vender sentenças e sugere agredi-los.
“Hoje você se sente ofendidinho, dizendo que é pressão sobre o Judiciário, é inaceitável. Vá lá, prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas Bôas.”
“Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças”, acrescentou.
Silveira depois diz ofensas e palavras de baixo calão ao se referir aos ministros. Acusou Fachin de ser “militante do PT” e de partidos e nações “narcoditadoras”.
“Foi aí levado ao cargo de ministro porque um presidente socialista resolveu colocá-lo na Suprema Corte para que ele proteja o arcabouço do crime no Brasil, que é a Suprema, a nossa Suprema, que de suprema nada tem.”
Silveira diz ainda ter “imaginado” o ministro e seus colegas da corte levando uma “surra”.
“Por várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você, na rua, levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei”, diz Silveira no vídeo.
“Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime.”
No vídeo, o deputado bolsonarista também defende a destituição dos ministros.
“Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião vocês [ministros do STF] já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitável, intolerável, Fachin”, diz.
Quem é Daniel Silveira
Deputado federal desde 2019, Silveira atuava como policial militar no Rio de Janeiro antes de ser eleito.
Durante a campanha de 2018, ao lado do hoje governador afastado Wilson Witzel (PSC-RJ), e do atual deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), ele quebrou uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em março daquele ano.
Em seu perfil no Twitter, Silveira se descreve como “Policial militar, Conservador, bacharelando em Direito, Deputado Federal, totalmente parcial e ideológico”.
Ele também usa uma frase em latim “Non ducor duco” (“Não sou conduzido, conduzo).