O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, é alvo de uma investigação por parte da Justiça americana, que tenta rastrear pagamentos que podem ter ido a ele. Fontes próximas ao processo informaram ao Estado com exclusividade que a enquete já está em curso em Nova York. Del Nero estaria sendo investigado em relação a supostas propinas que teria recebido para conceder contratos comerciais a parceiros da CBF.
Por se tratar ainda de uma investigação, nenhum detalhe sobre o processo será revelado até que existam provas suficientes para um pedido de indiciamento por parte dos americanos, o que não seria ainda o caso.Mas pessoas próximas da ação garantem que a apuração já existe e que, se comprovada as suspeitas, pode levar a um pedido de prisão e mesmo extradição do brasileiro, o que seria difícil de ocorrer enquanto ele não sair do Brasil. Del Nero não viajou ao Chile para a Copa América e seu próximo compromisso no exterior seria no dia 20, em Zurique, para uma reunião da Fifa. Não se sabe se ele vai.
Por enquanto, porém, um dos principais focos do trabalho dos investigadores é traçar a origem e destino de alguns depósitos para determinar se Del Nero, presidente da CBF desde 17 de abril, estava de fato envolvido. A apuração se debruça sobre pagamentos feitos por J. Hawilla, dono da Traffic. A Justiça aponta como o empresário brasileiro foi obrigado a compartilhar um contrato que tinha com a CBF para os direitos da Copa do Brasil com a Klefer a partir de 2011. Para o período entre 2015 e 2022, a Klefer pagaria à CBF R$ 128 milhões pelo torneio, minando a posição privilegiada que Hawilla tinha desde 1989.
Para evitar uma guerra comercial, Hawilla e a Klefer entraram em entendimento. Mas só neste momento é que a Klefer informou que havia prometido o pagamento de uma propina anual a um cartola da CBF, cujo nome não foi revelado. Essa mesma propina teria de ser elevada a partir de 2012 quando dois outros membros da CBF entrariam em cena. Um deles é José Maria Marin, preso em Zurique e aguardando o processo de extradição aos Estados Unidos. O outro, segundo os americanos, poderia ser Del Nero.
Dois documentos revelados no dia 27 de maio pelo Departamento de Justiça dos EUA confirmam a suspeita. Mas nenhum dos dois cita o nome de Del Nero, que nega que ele seja a pessoa indiretamente apontada nos informes. Num deles, um empresário informa Hawilla de que o pagamento de propinas aumentou quando outros dois executivos da CBF – especificiamente o CoConspirator #15 e CoConspirator #16 – pediram propinas também.
O documento explica que o coconspirador 15 era membro do alto escalão da CBF e membro da Fifa e da Conmebol – a descrição apenas pode ser preenchida por José Maria Marin. Naquele momento, ele era o presidente da CBF, era membro da Fifa e da Conmebol. Já o coconspirador 16 seria membro do alto escalão da Fifa e da CBF. Nesse caso, apenas Del Nero mantinha um cargo na CBF (vice-presidente) e na Fifa (membro do Comitê Executivo).Hawilla concordou em pagar metade do custo da propina, que totalizava R$ 2 milhões por ano, para ser dividido entre CoConspirator #13, CoConspirator #15, e CoConspirator #16, indicou o indiciamento do empresário. O mesmo caso é contado no documento que serve de base para o indiciamento de José Maria Marin e, neste caso, o nome do ex-presidente da CBF é apresentado. No indiciamento, a Justiça traz até mesmo um diálogo entre Marin e Hawilla, em que o cartola insiste que o dinheiro precisa ir para ele também. A reunião gravada ocorreu nos EUA em abril de 2014.
No documento que cita Marin, Del Nero não é citado nominalmente na acusação. Mas a Justiça explica que um “coconspirador 12” teria também recebido parte da propina. Esse coconspirador 12 seria um alto funcionário da Fifa e da CBF. Uma vez mais, apenas Del Nero se enquadra nessa descrição.
CONTAS Para chegar ao atual presidente da CBF, a Justiça americana tem examinado depósitos e pagamentos feitos pela Traffic nos EUA, assim como pela Klefer. Já na motivação para pedir a extradição de José Maria Marin, os americanos apontaram dois depósitos como exemplos de como o sistema financeiro americano estava sendo usado no esquema entre os cartolas da CBF.
Uma das contas, porém, chama a atenção do FBI. Trata-se de uma transferência da Klefer, avaliada em US$ 500 mil no dia 5 de dezembro de 2013 a partir de uma conta no banco Itaú Unibanco de Nova York para o HSBC em Londres, em nome de uma empresa fabricante de iates de luxo. O que a Justiça quer saber é quem teria sido o beneficiado pela compra do iate ou pelo pagamento.
Os bancos, porém, não estão sob suspeita. Em nota à reportagem, o Itaú Unibanco esclarece que cumpre suas políticas de compliance e de prevenção à lavagem de dinheiro em todas as suas unidades. “Não compactuamos, facilitamos ou realizamos qualquer ação em descumprimento às leis e regulamentações”, indicou. “Cumprimos todas as exigências das regulamentações locais, monitoramos todas as transações e estamos atentos às movimentações em todas as nossas unidades”, completou o banco.
OUTRO LADO Procurada pela reportagem, a CBF enviou por e-mail a seguinte resposta: “O presidente da CBF desconhece qualquer procedimento investigativo envolvendo seu nome. Sua posição, em relação a questionamentos de toda natureza, é e será sempre de completa e irrestrita colaboração, sempre em conformidade com a lei e com a apresentação de fatos e dados objetivos que irão apenas corroborar a lisura de suas ações nas funções que ocupa ou ocupou. Se houver de fato uma investigação, ela vai concluir que o dirigente não teve qualquer envolvimento com propinas ou quaisquer irregularidades.”