Cinquenta por cento da área da região norte de Mato Grosso perdeu o verde-oliva da paisagem. A exploração da Floresta Amazônica nos 30 municípios que fazem parte do chamado Arco do Desmatamento brasileiro aparece em grandes manchas rosa no mapa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e indica o avanço rápido do processo de derrubada e ocupação das plantações nas últimas 2 décadas.
O trabalho das motosserras, que antes era restrito a Sorriso (420 km ao norte da Capital), hoje alcança Feliz Natal (536 km ao norte da Capital) e ameaça os limites das terras indígenas, como o Parque Indígena do Xingu.
Aqueda das grandes árvores ocorreu ao longo dos anos de baixo para cima do mapa, aponta o sistema de monitoramento do Inpe. Em 1990 é possível observar que as alterações se concentram na área de Sorriso, cidade que recebeu a ação dos madeireiros. Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Vera, Ipiranga do Norte, Itanhangá e Sinop, localizados no entorno, deram continuidade ao processo e apresentam visível extinção de áreas de floresta.
A constatação pode ser feita ao percorrer a rodovia federal BR-163. Às margens da estrada, os pés de soja de cerca de 5 centímetros na fase inicial de desenvolvimento contrastam com as árvores que chegam a 30 metros de altura, dependendo da espécie. Afixação da agricultura é o estágio pós-desmatamento, explica o chefe substituto do setor de fiscalização do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Sidivan Resende. Ele avalia que a BR facilitou o progresso da destruição do bioma, abrindo espaço à agropecuária principalmente no setor de grãos.
As manchas em rosa em metade da área das cidades do norte mato-grossense significam a alteração na vegetação, que pode decorrer pelo uso legal ou não da madeira. As informações repassadas por satélites têm entre 4,6% e 5% chance de serem um falso positivo, o que leva os fiscais a buscarem outras bases antes de partir a campo.
É possível encontrar floresta intocada nas áreas apontadas pelo Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter), mas a maioria tem a confirmação do desmatamento, diz o chefe de divisão de controle e fiscalização do Ibama Renê Luiz de Oliveira.
Este ano, o Deter apontou 63 mil hectares de alteração da vegetação ao Norte de Mato Grosso. Em 92% da área o órgão realizou o embargo das atividades e autuou os proprietários em mais de R$ 200 milhões em multas. Em 60% da área indicada o fogo foi responsável pela destruição.
Os proprietários não apresentam a licença para a exploração que deve ser concedida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) e com apoio de máquinas potentes passaram por cima da floresta. Pela forma legal, o plano de manejo deveria preservar as árvores de menor largura, chamadas de sementeiras, respeitar o número de unidades a serem extraídas e garantir o intervalo de 30 anos para novas explorações.
Degradação
Na prática, a equipe de fiscais do Ibama vê por terra e pelo ar os efeitos do desmatamento. A pressa e o lucro retirado da madeira levam trabalhadores experientes a invadirem a mata e se isolarem mesmo sob risco de flagrante do crime.
A operação “Soberania Nacional”, promovida pelo órgão desde agosto resultou esta semana na apreensão de 50 metros cúbicos de madeira nobre em Feliz Natal (536 km ao norte da Capital), cidade-alvo da degradação na região pela riqueza verde que apresenta.
A ação que levou 10 horas, levou fiscais de vários estados brasileiros à incursão na mata foi acompanhada pela reportagem e é inviável sem o uso da tecnologia. Ao ingressar pelas trilhas abertas pelos criminosos e conhecidas como carreadores, a sensação é de estar em um labirinto.
Para os servidores do Ibama a fiscalização para preservar o bioma é um desafio rotineiro de extensões continentais. Hermes Ferreira de Oliveira, 57, se deslocou de Mato Grosso do Sul para contribuir na missão iniciada há 22 anos. Por onde anda vê o desrespeito pela natureza, a modernização do crime e a reincidência de pessoas. Em 2008, Hermes fez a primeira operação em Mato Grosso e diz ser necessário contar com a conscientização da sociedade, pois considera impossível cobrir toda a área.
Depois de 3 horas de viagem pela BR-163 e MT-225, estrada sem asfalto, a equipe chega à borda da área a ser fiscalizada. As caminhonetes traçadas seguem os carreadores e em um caminho sem placas nas bifurcações que se abrem ao longo do trajeto a sensação é de realizar uma busca sem fim.
A incursão na floresta atinge o período noturno e depois 1 hora e meia são encontradas as 2 primeiras máquinas utilizadas no desmatamento. Ao todo foram apreendidos 4 maquinários e 1 caminhão para transporte da madeira ilegal.
Ao sobrevoar de dia os 2 mil hectares em Feliz Natal têm-se a dimensão do modo como a Floresta Amazônica tem sido desmatada. A paisagem lembra um grande pé de brócolis com buracos em determinados pontos. Nestes locais ausentes de vida estão os carreadores que levam a áreas mais abertas para explanar a madeira.
Ao invés de árvores em pé, as espécies mortas, já sem copas e raízes estão deitadas em toras à espera do transporte. As unidades derrubadas pelas motosseras e arrastadas pelos tratores até a área de explanação são selecionadas pelo valor de mercado.
A qualidade da espécie na fabricação de assoalhos utilizada no entorno de piscinas e móveis, por exemplo, como a Champanhe, a Cerejeira e Itaúba, têm preferência entre os madeireiros. Este é o corte seletivo que inicia o desflorestamento e tem sido acompanhada com mais atenção pelo Ibama.
Controlando o início do processo evita-se o corte raso, promovido após o corte seletivo. A queima do restante das árvores e a passagem dos tratores com correntões que arrastam a floresta pelo solo terminam por matar as espécies de vegetação, insetos e mamíferos que vivem na área.
Motivação
Avanço do desmatamento é atrelado à valorização da saca de soja nos últimos anos com a seca nos Estados Unidos. O aumento em quase 100% do preço da commodity tornou a agricultura interessante, diz o chefe de divisão de controle e fiscalização do Ibama. A necessidade de área para plantar estimula o desmatamento, da mesma forma que para o garimpo, relaciona Renê.
Por este ponto de vista a corrida pela madeira variaria conforme o valor da commodity, fonte responsável hoje pela economia das principais cidades do Norte mato-grossense, e que iniciaram o processo de desmatamento na região.
Cenário
Feliz Natal (536 km ao norte da Capital) cheira e vive à base da extração da madeira. Aconstrução da maioria das casas em Itaúba abriga a população de 11 mil pessoas descendentes de um processo de colonização que tem na raiz a vegetação e chama a atenção dos madeireiros. São cerca de 200 madeireiras cadastradas no Ibama, sendo que em torno de 30 estão em atividade.
Floresta Amazônica está presente em 48,3% da área da cidade, que teve o terceiro maior número de registros de focos de calor do Estado entre janeiro e outubro deste ano. Colniza e Paranatinga lideraram o ranking. Os 536,6 mil hectares do bioma disponível em Feliz Natal serpenteiam os 80 mil hectares de área ocupada pela agricultura e 5 mil hectares de atividade pecuária. Em comparação às cidades ao Sul como Sorriso e Lucas do Rio Verde, o número é pequeno. Para o motorista Everaldo Alves Fernandes, 49, é o início de um processo grande de degradação.
Legalização
Realizar o plano de manejo custa caro e pode ser moroso. Proprietário de uma madeireira da cidade, Nalvir Von Deutz explora madeira desde 1996. Como outros empresários da região, saiu em busca da matéria-prima escassa no Sul. O catarinense de São Miguel do Oeste afirma ficar em desvantagem no mercado diante dos empresários ilegais.
Ao pagar o plano de manejo da área de terceiros para garantir a madeira vendida em tábuas para cidades do Sul e Sudeste do país, Nalvir pergunta se compensa ser legal e critica o trabalho do Ibama. O madeireiro diz que o órgão deveria orientar mais o setor e não tratar todos da mesma forma. Ele cita os 3 mil hectares em 2 imóveis que mantém em manejo e as 22 pessoas que emprega.
Para Nalvir falta incentivo do governo para manter a floresta preservada. Prefeito eleito para comandar Feliz Natal a partir do ano que vem, Toni Dubiella (PSD) reclama da falta de investimento no setor. Ele tem como desafio atrair indústrias de beneficiamento para a cidade para agregar valor ao produto e gerar mais arrecadação à cidade.