Um suposto superfaturamento na aquisição de materiais para a construção do Fórum de Cuiabá pode ter financiado a construção da sede da Loja Maçônica Grande Oriente do Estado de Mato Grosso.
A obra do Fórum de Cuiabá custou aos cofres públicos R$ 55 milhões e o Ministério Público Estadual (MPE) alega que há fortes indícios de superfaturamento. As informações são de uma reportagem do Jornal da Band, de autoria do jornalista Fabio Pannunzio.
Ambos os prédios, o do Fórum e o da Loja Macônica, foram inaugurados em 2007 e o que falta em uma estrutura se complementa em outra, inclusive, com a semelhança de materiais de construção, como piso e asfaltos. A sede dos maçons está localizada na Avenida Historiador Rubens de Mendonça, a Avenida do CPA, e a menos de 500 metros do Fórum de Cuiabá.
A coincidência de proximidade de local e ano de inauguração não seria por acaso. De acordo com o desembargador Orlando Perri, a loja maçônica não tinha dinheiro para bancar a construção da sede e o dinheiro do Tribunal de Justiça pode ter sido usado para financiar a sede maçônica.
"A loja maçônica não possuía movimentação financeira suficiente para erguer aquele tempo", revelou o magistrado, em entrevista à emissora de TV.
Processo no CNJ
O indício de irregularidade motivou a abertura de um processo disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que puniu com aposentadoria compulsória três desembargadores e sete juízes, na última terça-feira (23).Entre os afastados estão o atual presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Mariano Travassos, e o seu antecessor, desembargador José Ferreira Leite.
O desembargador José Tadeu Cury também foi punido e os juízes são Antonio Horácio da Silva Neto, Irênio Lima Fernandes, Marco Aurélio dos Reis Ferreira, Juanita Clait Duarte, Graciema Ribeiro Caravellas, Marcelo Souza Barros e Maria Cristina Oliveira Simões.
A reportagem da Band foi informada de que o desembargador Ferreira Leite está de férias e incomunicável – e que nenhum magistrado foi encontrado para comentar as denúncias.
Benefícios a maçons e aposentadoria
O desvio de dinheiro do Tribunal de Justiça, desta vez por meio de pagamentos indevidos de bonificações, teria tido início com a criação de uma cooperativa de crédito que firmou convênio com outra instituição que já existia.
"O presidente do TJ e grão-mestre passou a convidar irmãos maçônicos para fazer aplicações naquela cooperativa de crédito", revelou o desembargador Orlando Perri, que, na época, respondia pela Corregedoria do TJ. Embora não tenha citado nominalmente na entrevista dada a Band, o presidente do TJ e grão-mestre era o desembargador José Ferreira Leite.
Conforme a denúcia, com a quebra da cooperativa de crédito, Ferreira Leite assumiu o compromisso de ressarcir os prejuízos financeiros dos maçons. A alternativa encontrada foi pagar a liberação de bonificações aos juízes que mantinham relações com a Maçonaria.
"Escolheu-se um grupo seleto de magistrados para receber os créditos, créditos estes que acabaram por surgir a ordem maçônica", revelou Perri.
Um documento comprovaria que, ao mesmo tempo, outros juízes vendiam créditos que tinham a receber com um grande deságio. A juíza Amini Haddad Campos, por exemplo, teria um crédito de R$ 124.118.58, que teria sido negociado por apenas 40% do valor de face, quando ela precisou de dinheiro para receber e não conseguiu receber do Tribunal de Justiça, conforme a denúncia.
O presidente da Loja Maçônica Grande Oriente do Brasil de Mato Grosso declarou que a responsabilidade pelos desvios surgiu da dissidência de um grupo de maçons. "A instituição não faz nada errado, os homens podem até errar, talvez por excesso de de zelo ou autoridade", disse ele à reportagem.
Investigações
Em seu blog, o jornalista Fábio Pannuzio revela ainda mais detalhes da "misteriosa construção da sede maçônica Grande Oriente do Estado de Mato Grosso".
Confira:
"A sede da Grande Oriente do Mato Grosso motivou a abertura de um procedimento investigatório criminal instaurado em 2007, ano da inauguração do prédio. As primeira suspeitas já apontavam a responsabilidade de Marcelo Souza de Barros, juiz-auxiliar da presidência do TJ/MT. O magistrado já respondia a outros processos – como o de favorecer o escritório de advocacia de um irmão com o desvio de processos de créditos de precatórios.
Quando o sigilo bancário do juiz foi quebrado, descobriu-se uma vultosa movimentação de saques e depósitos em dinheiro vivo. Um dos depósitos, de R$ 83 mil, foi feito pela concessionária Via Láctea Veículos, que, três meses depois, venceria uma licitação para a venda de 30 automóveis para a frota do Tribunal de Justiça.
Marcelo Souza Barros foi indicado pela presidência do TJ para presidir a comissão especial que iria gerenciar a construção do novo forum. O edital já previa ítens considerados 'absurdos', como a compra de 3 mil toneladas de vigas de aço, mais do do que dobro do necessário, de acordo com parecer do engenheiro-responsável pelo projeto.
Contra a construtora contratada para a construção do prédio, a Cogepe, havia dois pedidos de falência. A empresa tinha 278 títulos protestado no mercado. A situação financeira da empresa era tão débil que o TJ teve que fazer antecipação de pagamentos a fornecedores de material de construção para evitar a paralisação da obra.
O mais espantoso é que, diante da impossibilidade de manter uma conta-corrente, a Cogepe foi presentada com uma conta compartilhada, cujo titular era o próprio Tribunal de Justiça, para receber os pagamentos.
O custo final do forum ultrapassou R$ 57 milhões — mais do que o dobro do valor estimado para uma obra do mesmo porte. Curiosamente, a duas quadras de distância a maçonaria erguia o prédio de sua sede silenciosamente. Abertas as contas da Casa Maçônica grande Oriente de Mato Grosso, descobriu-se que a obra portentosa era tocada sem custos.
'A maçonaria não tinha caixa suficiente para pagar a construção do prédio', assegurou o desembargador Orlando Perri, que investigou a denúncia. A conclusão óbvia foi a de que o material de construção e os recursos do TJ estavam sendo empregados na obra da maçonaria".