A Gazeta
Por meio do arrendamento de parte de suas terras e a cobrança do pedágio de uma estrada que corta a terra indígena, os índios Paresi, que tem área de aproximadamente 1,5 milhão de hectares em torno dos municípios de Tangará da Serra, Campo Novo do Parecis, Nova Lacerda, Conquista D’Oeste e Sapezal, podem ser considerados uma espécie de “elite” entre os índios de Mato Grosso por terem um escape ao mau atendimento da saúde indígena.
Com os recursos arrecadados pela Associação Halatinã, eles conseguem driblar a precariedade do Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimento aos índios e a falta de medicamentos nos postos de saúde dentro da aldeia.
A ideia de ter uma autonomia financeira e o uso racional da terra indígena para uma sobrevivência independente das ações do governo federal foi pensada há muito tempo pelo cacique João Arrezomae, chefe das 30 aldeias do território. A rodovia MT-235 que liga Campo Novo do Parecis a Sapezal foi batizada com o nome desta liderança.
Quando os índios permitiram que a rodovia passasse em meio à terra, resolveram fazer como os não-índios e tiraram proveito. Os recursos cobrados de R$ 20 para carros pequenos, R$ 30 para caminhões e R$ 50 para bitrens permitem que a etnia, que tem cerca de 2 mil índios, tenha sempre acesso à saúde.
Representantes das aldeias se revezam para a cobrança do pedágio. O posto funciona 24 horas e a medida foi tomada para não sobrecarregar nenhuma aldeia.
O cacique Carlito Okenazokië diz que por mês são gastos cerca de R$ 5 mil em medicamentos em Tangará da Serra e outros R$ 2 mil em Campo Novo do Parecis para atendimento dos indígenas. “Da baixa à alta complexidade o serviço esta muito ruim.
Sempre se fala que a educação e a saúde indígena têm que ser diferenciadas, mas isso não acontece para nós e por isso a associação banca a compra de medicamentos e a ajuda na educação dos índios que terminam ensino médio e vão para a faculdade. A associação paga consulta especializada, cirurgia e até leito de UTI”.
Quando o medicamento é manipulado, é ainda mais caro para os indígenas. A associação pagou mais de R$ 1 mil apenas em medicação para um índio. “Remédio de alto custo é de responsabilidade do Estado, então a gente tá pagando. Eles tinham que dar o remédio gratuito, é direito nosso”.
LAVOURA DE SOJA – Cerca de 1% do território dos Paresi é utilizado para o plantio de soja e milho. Eles mesmos trabalham na lavoura e operam os maquinários e por meio de parceria com os não-índios conseguem os insumos e a receita líquida da produção é rateada entre a associação dos índios e os fazendeiros.
Se por um lado o lucro permitiu a construção de casas de alvenaria e madeira dentro das aldeias, embora muitos ainda mantenham o hábito de dormir em redes dentro das ocas, há aqueles que vislumbram que no futuro pode resultar em problemas para a comunidade.
O líder dos Paresi João Arrezomae se preocupa com o aumento da área plantada dentro da terra indígena e o aumento da população da etnia. “Sou contra a lavoura.
Não é toda comunidade que ganha, mas só aquela aldeia que planta. Paresi esta aumentando e daqui um tempo não vai ter onde morar. Eram três aldeias e agora 60. Preocupo com a próxima geração”.
FALTA DE RECURSOS – Grande parte dos indígenas de Mato Grosso não teve a mesma oportunidade que os Paresi tiveram para driblar a falta de recursos da saúde indígena para atender a demanda necessária. Um dos casos é dos índios Umutinas, de Barra do Bugres. Lá, eles ainda esperam um veículo para a aldeia Julaparé e o automóvel vai servir para atender todas as pessoas que habitam na ilha da terra indígena cercada pelos rios dos Bugres e Paraguai.
“Nossa saúde é atendida pelo Sesai e não atende da forma que precisa, o recurso que chega à aldeia é muito pouco. De 15 em 15 dias tem médico, mas muitas vezes faltam medicamentos. A gente precisa mudar essa burocracia, aumento no repasse de recursos que a gente pudesse ter acesso mais fácil para equipar melhor posto de saúde, veículo para transportar pacientes. Quando precisa o carro tem que vir de Cuiabá”, explicou o índio umutina Osvaldo Corezomaé Monzilan.
Neste ano, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação contra a União para garantir medicamentos e melhor estrutura no posto de saúde na aldeia Halataikwa, da etnia Enawenê Nawê.
No ano passado houve surto de conjuntivite, pneumonia e diarreia e eles chegaram a bloquear a MT-170 para angariar recursos para compra de medicamentos. Em 2012, também foram registrados surtos de diarreia, febre e vômitos em 131 indígenas da etnia.
TERCEIRIZAÇÃO – O governo federal agora discute a implantação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (Insi), contudo, entidades como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) veem a proposta como a privatização da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), hoje responsável pela atenção à saúde dos povos indígenas.
Em carta, os índios xavantes de Marãiwatsédé se mostraram contrários à proposta assim como 15 organizações indígenas e indigenista. “Não queremos que a saúde se torne terceirizada. Nós queremos reafirmar que os nossos parentes já disseram, a saúde indígena não pode sair da responsabilidade do governo federal”.