Servidores, doadores e pacientes do MT Hemocentro participaram, na quarta-feira (1), da reunião do Conselho Estadual de Saúde para reivindicar pela recuperação da instituição, que hojesofre com falta de material e estrutura para continuar funcionando, e protestar contra a transição da gestão da unidade para uma Organização Social de Saúde (OSS), como planeja o Estado.
Mesmo com a ausência da diretora do Hemocentro, Eliana Rabane, os técnicos e famílias presentes conseguiram segurar a pauta e apresentaram aos membros do Conselho os problemas enfrentados pela instituição atualmente.
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Servidores e familiares "abraçam" os conselheiros: pressão |
O saldo foi positivo para o movimento, que conseguiu a aprovação de três encaminhamentos na reunião.
Eles conseguiram garantir a aprovação de uma resolução que prevê a não terceirização dos serviços prestados pelo Hemocentro e deverão se sentar com o secretário de Saúde, Vander Fernandes, para discutir a assinatura de um termo de cooperação técnica para que os insumos e materiais voltem a ser dados à instituição, a fim de que todos os serviços sejam retomados plenamente.
O Conselho ainda aprovou a elaboração de um documento, que será enviado para o Conselho Municipal de Saúde da Capital, pedindo para que os serviços realizados por uma instituição privada de banco de sangue no Pronto-Socorro de Cuiabá voltem a ser prestados pelo Hemocentro.
Terceirização forçada
Para os funcionários do Hemocentro, o sucateamento forçado dos serviços é a maneira como a Secretaria de Estado de Saúde estaria tentando provar que a instituição precisa ser “resgatada” por uma gestão privada.
Segundo os funcionários, a pasta não estaria realizando os pregões para a compra dos materiais necessários desde 2010, culpando a burocratização do sistema. O diretor técnico da instituição, inclusive, teria pedido exoneração do cargo na última quinta-feira, por não aguentar mais a situação.
A funcionária Patrícia Costa destacou que o processo de “privatização” está sendo forçado aos poucos, tendo início com a terceirização dos serviços que antes eram prestados pelo Hemocentro no Pronto-Socorro de Cuiabá e que hoje são realizados por uma instituição privado de banco de sangue. Nos últimos meses, a falta de materiais essenciais aumentou, comprometendo seriamente o atendimento na instituição.
“A nossa reivindicação hoje é devido à falta de material que tem ocorrido principalmente nos últimos meses. Faltam kits de laboratório para fazer os exames, bolsas de sangue, tudo. O problema não é falta de mão-de-obra nem de máquina. Os últimos pregões foram realizados em 2010. Desde então, o Estado não nos fornece os insumos e então nós não temos como trabalhar”, reclamou a funcionária.
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Georjhon Figueiredo: "Se privatizar, vou parar de doar" |
Em março, por falta de material, o Hemocentro deixou de receber doações por um dia. Segundo Patrícia, os trabalhos foram retomados, mas com improvisos.
“As doações ficam comprometidas com a falta de material. Já houve casos de pessoas chegarem para doar e não ter material, daí nós tínhamos que mentir para o voluntário, dizer que não tinha luz”, contou.
Patrícia destacou que as doações diminuíram ainda mais após o início das especulações a respeito da gestão da instituição passar para as mãos de uma OSS. Em junho, a instituição registrou uma média de 23 bolsas por dia, uma média considerada baixa, uma vez que os técnicos afirmam que o essencial seria colher 100 bolsas por dia.
Alguns doadores, ao saberem da possível terceirização dos serviços, já se posicionaram contra e afirmam que deixarão de doar se o único banco de sangue público do Estado passar para a gestão de uma OSS, o que piora ainda mais a situação de quem necessita dos serviços do Hemocentro frequentemente.
Esse é o caso do açougueiro Georjhon Santos Figueiredo, de 34 anos, que é doador regular do Hemocentro há aproximadamente 15 anos. Ele faltou ao serviço para protestar contra a “privatização” do Hemocentro e afirma: se os serviços forem terceirizados, não será mais voluntário.
“Se privatizar, vou parar de doar. Porque sei que as pessoas mais humildes não terão mais acesso gratuito e fácil à doação”, criticou.
Burocratização
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Presidente do Sisma-MT, Alzita Ormond questiona burocratização |
A presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde e do Meio Ambiente de Mato Grosso (Sisma-MT), Alzita Ormond, afirmou aoMidiaNews que não há “inchaço” no Hemocentro e que o número de funcionários que hoje atuam na instituição é considerado ideal. Ela diz não ver resultados positivos com as terceirizações já realizadas pelo Estado.
Ormond afirmou que o processo dos pregões, que levam de 90 a 120 dias para serem realizados, já havia sido discutido na reunião extraordinária feita pelo Conselho Estadual no último dia 12 de julho.
Na ocasião, o Sisma encaminhou uma deliberação, via resolução dos conselheiros, que a SES fosse excluída da Lei Complementar 264, que prevê a participação da pasta no Núcleo de Administração Sistêmica. No entanto, a resolução ainda não teria sido recebida pelo governador Silval Barbosa, para aprovação ou não.
“O problema do Hemocentro é basicamente falta de estrutura física, insumos e medicamentos. Se eles dizem estar amarrados por fazerem parte do Núcleo de Administração Sistêmica, ao serem excluídos, ficam com autonomia para comprar o que falta para a instituição operar normalmente”, afirmou.
Risco de vida
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Presidente da Associação dos Doentes Falciforme critica possível terceirização |
O presidente da Associação de Pessoas com Doença Falciforme, Rosalino Batista de Oliveira, conta que esse é um pequeno grupo que depende diariamente do funcionamento do Hemocentro.
Segundo ele, uma possível privatização dos serviços resultaria em risco direto à vida dos pacientes, que hoje recebem o sangue, realizam exames, consultas e fazem tratamento contínuo no local.
“Com o hemocentro sendo público nós temos qualidade, eficiência, confiamos no sangue, na boa vontade dos médicos em atender, lá o sistema funciona. Com o serviço privado, eu tenho certeza que vai mudar tudo. Vem paciente do Estado inteiro para se consultar e se tratar aqui. O Hemocentro é tudo para nós. Lá nós consultamos, tomamos sangue, temos fisioterapeuta, assistente social, tudo concentrado em um lugar só. Todos os nossos exames são feitos lá, recebemos os remédios básicos lá”, afirmou.
Para Rosalino, a terceirização dos serviços para a gestão privada é desnecessária, porque o que falta à instituição é investimento do Estado.
“A privatização é somente em detrimento do usuário, porque a empresa vai visar apenas o lucro. Em um sistema que está funcionando bem, por que privatizar, por que forçar o sucateamento?”, questionou.
O presidente acredita que os voluntários iriam se afastar do Hemocentro, comprometendo diretamente a vida de quem necessita regularmente das doações.
“Quando você sabe que é para ajudar outra pessoa, gratuitamente, você doa de coração. Agora, sabendo que vão pegar o seu sangue para vender, ter lucro em cima, ninguém vai querer doar”, afirmou.
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Deise Lara, grávida de seis meses, se trata há mais de 20 anos no Hemocentro |
Esse é o medo da dona de casa Deise Pimenta Lara, de 25 anos. Grávida de seis meses do terceiro filho, ela se trata no Hemocentro há mais de 20 anos e, todos os dias, sai do bairro Osmar Cabral para continuar seu tratamento ou das suas duas filhas, de 6 e 7 anos, que sofrem com doença falciforme.
“No Hemocentro, eu faço tudo. Passo mais tempo lá do que em casa. Mas, ultimamente, nem o lanche que a gente recebe lá, que é de graça, estamos recebendo. Mesmo agora, com o Hemocentro em dificuldades, sempre recebemos remédios e tratamento, faço meus exames, tudo. Se privatizar, não sei o que vou fazer”, disse.