A possibilidade de ter câncer de mama assombra muitas mulheres. Algumas delas, em particular, correm um risco muito maior por terem fatores hereditários que podem fazer com que elas, cedo ou tarde, tenham a doença. Para evitar que casos anunciados aconteçam, a medicina vem usando a adenomastectomia, ou seja, a retirada da mama antes que o câncer se instale.
A cirurgia consegue diminuir de 90% a 95% a chance de ter o câncer na mama, igualando sua probabilidade à das mulheres comuns – 10%, em média.
O câncer de mama é o tipo mais comum em mulheres e no Brasil a mortalidade ainda é considerada elevada. No ano passado foram confirmados quase 50 mil casos, com quase 12 mil mortes, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer).
Como funciona?
O procedimento preventivo ainda não é padrão no Brasil, mas já está sendo realizado em alguns hospitais que fazem rastreamento de pacientes. Quando é comprovada uma chance superior a 30% de ter o câncer no futuro, elas são encaminhadas à cirurgia.
O Inca disse ao R que o procedimento não existe na tabela unificada do SUS (Sistema Único de Saúde), pelo qual só se pode retirar a mama em caso confirmado de câncer (mastectomia).
Mas no hospital Pérola Byignton, em São Paulo, já foram realizadas cinco cirurgias desse tipo em cinco anos. Parece pouco, mas casos assim são raros e dependem de uma série de questões para se chegar à cirurgia, explica o mastologista Luiz Henrique Gebrin, diretor do hospital.
– No Brasil a gente tem feito em pacientes com risco muito elevado ou com sinais de pré-câncer, só tirando a parte interna da mama.
A adenomastectomia consiste em tirar 90% do tecido mamário (a gordura que existe dentro do seio), onde se acumulam as células cancerígenas, sem retirar a auréola e o mamilo. Após o procedimento, o espaço pode ser preenchido com diferentes técnicas. As mais comuns são a prótese de silicone, o implante de um expansor (prótese cujo interior é preenchido com soro fisiológico) ou usar o músculo da barriga para refazer o seio quando a mama é muito grande – geralmente usada em obesas – porque o músculo ajuda a dar volume.
Como saber se tenho grande risco?
O primeiro passo para saber se trata-se de uma paciente de alto risco é ter histórico familiar, explica o mastologista José Roberto Filassi, chefe do setor de mastologia do Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo). O risco se torna potencial quando a mulher tem ao menos dois parentes de primeiro grau que sofreram com a doença, como mãe e irmã; um caso em um homem da família ou em um parente de primeiro grau jovem (com menos de 40 anos).
Dados esses fatores, o mastologista tem que tirar a “prova dos nove” com o teste genético, que deve ser realizado primeiro no familiar que teve a doença. Se for comprovada a mutação nos genes BRCA1 e BRCA2 (Breast Cancer, em inglês), típico de quem tem esse tipo de câncer, a paciente faz o mesmo teste para ver se sofre do problema. Se comprovada a herança, a chance de ela ter a doença vai variar de 40% a 80% até os 90 anos, afirma Filassi.
– A prevenção mais adequada para esses casos é retirar as mamas ou os ovários, ou os dois. Assim que ela tiver os filhos dela, ou não querer mais filhos, faz a opção de tirar as mamas, os ovários ou os dois.
A retirada dos ovários é indicada porque a mutação dos genes citados também aumenta o risco do câncer ovariano, cuja mortalidade é mais frequente, explica Filassi. Caso semelhante ao da britânica Sally Maguire que quer tirar os seios com medo de ter o mesmo câncer que matou sua mãe, avó e bisavó.
Mesmo quando não há parentes vivos, há possibilidade de se fazer a cirurgia desde que haja diagnóstico de um pré-câncer ou se comprovada a morte de parentes de primeiro grau pela doença.
Mulher tirou os dois seios depois de perder duas irmãs
A ex-costureira Maria Lucélia dos Santos Silvino, de 47 anos, se encaixa perfeitamente nesse perfil. Ela precisou retirar os dois seios em uma cirurgia realizada em maio de 2010, no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
A cearense, que vive a 23 anos na zona oeste da capital paulista, perdeu duas irmãs para a doença, uma em 2009 e outra em 2000, ambas perto dos 47 anos.
– Desde que minha irmã mais velha morreu, sempre fui muito cuidadosa, fazia os exames todo o ano.
Em um deles, Lucélia soube que tinha um tumor benigno na mama direita e foi orientada a retirar a esquerda para o câncer não se espalhar.
Depois de conversar com as filhas – ela tem cinco filhos com idades entre 24 e 18 anos, que cria sozinha -, resolveu fazer a cirurgia.
Desde então, ela vive com um expansor no lugar de cada mama, que é preenchido com soro a cada vinte dias, enquanto espera para colocar as próteses de silicone ainda neste ano. Hoje ela tem 500 ml na mama direita e 480 ml na esquerda.
– Graças a Deus não tenho mais nada. Estou feliz e muito bem.
Mesmo livre do tumor, Lucélia ainda faz acompanhamento no Icesp e teve de parar de trabalhar. Por ter próteses muito sensíveis, ela convive com dores e não pode fazer esforço.
– Incomoda para dormir de lado porque uma junta na outra, mas isso é normal. Elas são bem mais pesadas e quando enche fica duro até ir se adaptando.
Até mesmo a cantora Rita Lee admitiu ter feito a cirurgia preventiva.
Cirurgia não é estética
A cirurgia é indicada para mulheres que já tiveram filhos, porque depois da cirurgia elas não podem mais amamentar e não é mais possível prevenir o câncer genético com idade avançada. De acordo com Filassi, o ideal é fazer a remoção até os 40 anos, já que a probabilidade de ter o câncer aumenta com a idade. Mesmo assim ainda é possível fazê-la até os 55 anos, média de idade que aparecem nódulos nos seios.
– A paciente tem que saber que não é uma cirurgia estética, é preventiva e tem chance de dar complicação, infecção, perda da prótese. A mama fica mais fria, perde a sensibilidade e a pessoa tem que pensar nisso antes de fazer.
A ressalva do médico é válida porque o efeito visual da cirurgia corretiva tende a ser bem diferente da estética. Na cirurgia plástica, a mama fica mais volumosa e bonita porque a prótese é colocada entre o músculo e o tecido mamário. Já na corretiva, como não há o tecido, o efeito tende a ser bem menos exuberante.
A gerente de comércio exterior Rose Mary Estacio, de 55 anos, retirou as duas mamas de uma vez em uma cirurgia no hospital Albert Einstein, em São Paulo, há dois anos. E logo em seguida recebeu duas próteses de silicone.
Mesmo sem levar em conta apenas o fator estético, Rose disse ter aproveitado a ocasião para implantar próteses maiores do que seus seios originais, por indicação do próprio cirurgião.
– É fazer do limão uma limonada. Eu sempre quis ter uma mama um pouco maior. Eu não me preocupei com a estética, mas também não queria me ver sem mama, aquela coisa reta.
Na mama direita ela fez uma mastectomia para retirar um câncer, enquanto a esquerda foi sugada para evitar que fosse tomada pelo tumor.
A decisão foi dada depois de conversas com a família e de saber que tinha uma chance real de ter câncer no outro seio, o que a temorizou.
– Choca na hora que você ouve, mas a gente sabe que quando mais rápido [fazer a cirurgia], melhor. Sinceramente o que vale é a vida, sem dúvida.
Depois da cirurgia, a gerente fez quimioterapia por cinco meses e atualmente está curada.
– Não me arrependo. Existe uma coisa, o pós tudo. Você treme, sofre, porque a recidiva é muito comum, mas eu vejo amigas que têm mais medo do que eu porque não retiraram as mamas.