Após um hiato de 12 anos sem Olimpíadas por conta da Segunda Guerra Mundial, os Jogos de 1948, em Londres, marcaram a retomada do ciclo olímpico no calendário do esporte mundial. Além de ter sido a primeira edição televisionada para os lares dos quatro cantos do planeta e de ter inaugurado a primeira piscina coberta da história do evento, a capital inglesa recebeu uma outra novidade: a Índia, antes colônia britânica, participava pela primeira vez dos jogos, e como nação independente.
De seu “legado olímpico’ anterior ao período da guerra, os indianos levavam à Inglaterra anos de tradição no hóquei sobre grama. Afinal, a equipe havia ganhado consecutivamente três medalhas de ouro nas edições que antecederam Londres-1948: Berlim-1936, Los Angeles-1932 e Amsterdã-1928. E mesmo sem boa parte desses atletas tricampeões, muitos deles aposentados, terminariam no lugar mais alto do pódio do hóquei olímpico depois de bater a própria Grã-Bretanha em casa. “Os indianos atropelaram o time britânico com seu controle soberano de bola, precisão nos passes e um inteligente jogo posicional’, escreveu o correspondente do Times of India na época.
Mas quem chamou atenção mesmo na delegação da ex-colônia foi o time de futebol. Recém-filiada à FIFA, a Índia disputaria sua primeira competição oficial no esporte justamente nos Jogos de 1948. Na estreia, um super adversário, a França, que já tinha inclusive sediado uma Copa do Mundo (em 1938).
O futebol na Índia é uma prática que data do século 19 e era costume os praticantes jogarem bola descalços. E seria descalços que eles jogariam também dessa vez, em plena Olimpíada.
De acordo com a RSSSF, organização que coleta dados estatísticos de partidas de futebol pelo mundo, oito jogadores indianos atuaram sem chuteiras naquele dia 3 de julho de 1948. Quem abriu o placar do confronto, realizado no Estádio Cricklefield, no leste de Londres, foi o francês René Courbin, aos 30 minutos do primeiro tempo.
O empate da seleção indiana viria com Sarangapani Raman, que ainda perderia um pênalti durante a partida. Incrivelmente melhor na etapa final, a Índia desperdiçaria mais uma penalidade e, consequentemente, a chance de estar à frente no placar. O castigo? O gol da vitória francesa chegou aos 44 minutos do segundo tempo, com René Persillon.
Uma participação que estava fadada ao fracasso total quase se transformou em um dos resultados mais surpreendentes da história do futebol. O que aconteceria se todos os indianos tivessem jogado de chuteiras? Impossível prever. Talvez tivessem jogado pior, pois o pé descalço era, na verdade, o seu “calçado natural’ para jogar. Assim como crianças que brincam na rua e não precisam de mais nada além de uma bola rolando. O futebol, em sua essência.