A situação dos muçulmanos no Brasil é tema de reportagem de página inteira no jornal Le Monde que chegou às bancas na tarde deste sábado (4). O correspondente do vespertino constata o aumento das conversões para o islamismo e lembra que “o primeiro país católico do mundo é poupado pela islamofobia”.
Com o título “Feliz como um muçulmano no Brasil”, a reportagem do correspondente do Le Monde relata o quotidiano dos praticantes do Islã no país. O jornalista Nicolas Bourcier visitou a principal mesquita de São Paulo e constatou que 1/3 dos frequentadores do local vêm principalmente do Oeste da África. Muitos deles chegaram no país há pouco tempo, atraídos pela promessa de um “Eldorado brasileiro” ou fugindo da violência dos conflitos em sua terra natal. Mas a grande maioria, comenta a reportagem, é composta por brasileiros, e quase metade se converteu recentemente.
O correspondente explica que a religião tem atraído cada vez mais adeptos nos últimos quinze anos. Segundo ele, na mesquita visitada, no bairro paulista do Cambuci, a cada semana entre quatro e seis brasileiros se convertem. A explicação seria, de acordo com o imã Abdelhamid Metwally, entrevistado pela reportagem, “a tolerância formidável que existe no Brasil, onde é possível exprimir sua crença com muita liberdade, o que não é o caso em alguns países da Europa”. Resultado : mesmo se as estatísticas não são precisas, estima-se que cerca de um milhão de muçulmanos vivam no Brasil, dos quais entre 30% e 50% seriam convertidos.
O Brasil conta com cerca de 40 imãs e muitos deles não falam português, comenta Le Monde. Por essa razão, boa parte dos fiéis usam fones de ouvido para acompanhar as preces traduzidas. “O importante é transmitir a fé”, afirma o imã Metwally.
Casa de família muçulmana é queimada
No entanto, mesmo se parte dos entrevistados ressalta a tolerância dos brasileiros, alguns lembram que a religião continua sendo vítima de preconceito. “O Brasil é um país extremamente acolhedor, mas a prática do islamismo é difícil”, relata Dana Al-Balkhi, uma refugiada síria que vive em São desde 2013. “Nos sentimos muito diferentes”, comenta a jovem, que trabalha como secretária na mesquita. Já Daniela Ernst, que se tornou muçulmana durante a adolescência, frisa que a hostilidade é presente, principalmente por parte das igrejas evangélicas, que às vezes visam o Islã em suas preces. Mesmo se a jovem afirma que é mais fácil viver sua fé no Brasil que em outros países, ela conta que a casa de uma família muçulmana foi parcialmente incendiada no Rio Grande do Sul e que uma estudante, que usava o véu muçulmano, levou uma pedrada nas ruas de São Paulo após osatentados de Paris.
Novela “O Clone” suscitou interesse
Segundo a antropóloga Francirosy Ferreira, entrevistada pelo Le Monde, mesmo se as conversões ao islamismo são um fenômeno que data dos anos 1920, com a imigração síria, libanesa e palestina, a teledramaturgia foi uma das responsáveis pelo interesse da população pela crença muçulmana. “O lançamento em 2001 na TV Globo da novela ‘O Clone‘, que tinha o início de sua intriga situada no Marrocos, suscitou o entusiasmo” pelo Islã, explica a especialista.
Os números também apontam que 70% desses novos adeptos são mulheres, com alto nível de escolaridade, vindas de bairros periféricos, onde “as mensagens de justiça social e igualdade racial trazidas pelo islã conhecem um desenvolvimento notável”, analisa Le Monde.