Débora Siqueira/ A Gazeta
Mato Grosso tem 7,5 mil vigilantes de patrimônio privado regularizados e uma estimativa de 10 mil clandestinos de acordo com o Sindicato das Empresas de Segurança, Vigilância e Transportes de Valores de Mato Grosso (Sindesp/MT). Esse contingente de pessoas irregulares para atuar na segurança privada é formada também por agentes da segurança pública, que têm porte legal de arma e treinamento do Estado para fazer uso da arma de fogo e saber reagir às mais diferentes situações. Pela lei, para se trabalhar no setor precisa de uma autorização da Polícia Federal. Mas nem sempre ter uma pessoa armada no estabelecimento significa que a segurança do local está garantida e, em especial, a vida de funcionários e clientes.
O vendedor de veículos Diego Souza, 29, viu a esposa Ana Cláudia Alves da Silva, 27, levar um tiro no peito disparado por um guarda municipal de Várzea Grande que fazia a segurança do Supermercado Bom Gosto, no dia 22 e outubro. Ela morreu no hospital e estava grávida de quatro semanas. “Fiquei sabendo que ele vai se apresentar à polícia e já cometeu um homicídio e estava afastado da função. Ele pode ser solto no mesmo dia. O menor que participou do assalto foi liberado no mesmo dia e a minha sensação é de impotência. Tenho certeza que se fossem vigilantes preparados no local, não teriam reagido ao assalto e a minha esposa estaria viva”.
Para Diego, apesar do desfecho da ação criminosa ter culminado com uma pessoa morta e outra mulher ferida, o supermercado não teve prejuízo. “Para o mercado foi bom porque o segurança não deixou os ladrões levarem nada. Quem sofreu com tudo isso fomos nós”.
A contratação de pessoas de agentes de segurança em período de folga para garantir segurança pode trazer ainda mais problemas. Coordenador do Núcleo Interistitucional de Estudos da Violência e Cidadania (Nievci) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Naldson Ramos da Costa, avalia que o risco é tanto ao policial/agente prisional/guarda municipal quanto da população. “O risco de um policial ser alvo da violência é maior fazendo ‘bico’ do que na corporação. A pessoa vai fazer esse trabalho estressada porque ao invés de descansar e estar com a família, esta trabalhando. O risco de tomar uma decisão equivocada é maior. Quem contrata se sente mais seguro, mas coloca em risco os seus funcionários e quem passa pelo estabelecimento”.
Bandido não faz distinção – Titular da Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Cuiabá, Roberto Amorim destaca que quando um estabelecimento contrata um serviço de segurança, seja ele clandestino ou com a autorização da Polícia Federal, as chances de ser alvo de ladrões é menor do que nos locais onde não há um segurança armado, com ou sem uniforme. “Bandido quando quer assaltar ele vai. Não temos estatísticas sobre isso, mas a presença de um segurança inibe um pouco e faz com que os ladrões optem por um lugar mais fácil onde o risco de conflito é menor, gerando uma crise”.
Mesmo intimidado com a presença de um segurança, a prudência e o medo nem sempre fazem parte do vocabulário dos ladrões. “É só um obstáculo, bandido não quer saber se o cara é legalizado ou não. Mesmo os clandestinos, se forem policiais, eles estão preparados para saber o que fazer. Reagir a um roubo é o último recurso, pois coloca em risco a vida de outras pessoas”.
Presidente do Sindesp e proprietário da empresa Sawage, Ângelo Roberto Jacomini destaca que o custo da segurança privada é alto o que leva apenas grandes empresas, bancos e governo a contratar os serviços especializados e autorizados pela PF. Enquanto um comerciante paga diárias de R$ 50 a R$ 60 a um clandestino, um posto de 12 horas diárias de segurança privada tem o custo mensal de R$ 8,6 mil a R$ 9,4 mil. “Ainda temos encargos sociais e os impostos. Sem uma revisão de encargos sociais e tributária não vejo nenhuma solução para o problema a curto prazo sem que passe por essas pautas”.
Ele destaca que os vigilantes passam por curso de formação de 21 dias com 120 horas e a cada dois anos passam por reciclagem de cinco dias de 60 horas. “Eles não podem usar arma numa situação como nesse assalto ao supermercado. Ele primeiro tem que avaliar o que tem a sua volta. O vigilante é orientado a atirar caso sua integridade física seja colocada em risco”.
Bico institucionalizado – Corregedor da Polícia Militar, coronel Alexander Maia comenta que a jornada voluntária acabou com um problema que já foi grave e sério dentro da corporação. O policial pode trabalhar nas horas extras para atender a Secretaria Municipal de Apoio à Segurança Pública, Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas e ao próprio governo. “O policial ganha mais como renda extra, é menos perigoso do que ficar sentado na porta de um mercadinho correndo risco de ser baleado. No interior eles fazem menos bicos em pequenos comércios. Eles preferem abrir o próprio negócio com a esposa do que ficar trabalhando para os outros. Se ainda tem quem faça, são poucos”.
Coordenador do Nievci, Naldson Ramos diz que da forma que atualmente os policiais trabalham com a prefeitura ainda continua arriscado pelo acúmulo de serviço e há o risco do policial cometer um ilícito e o município ser responsabilizado. “A prefeitura utiliza uma mão de obra que não é dela, não capacitada por ela. O correto é realizar um concurso específico para a guarda municipal”.
Secretário municipal de Apoio à Segurança Pública, Eduardo Henrique Souza diz que por dia cerca de 30 policiais atuam na força municipal e o foco são as escolas e as unidades de saúde. “Os batalhões têm atuado com 24 horas de trabalho com 72 horas de folga. Eles trabalham aqui apenas 8 horas da folga, com no máximo 90 horas mensais, que tem assegurado uma renda extra de R$ 1,3 mil, em média. O resto é folga e não acredito que esse tempo vá causar dano, estresse e sobrecarga de trabalho ao policial. Temos um grande número de policiais querendo atuar na secretaria”
Conforme Eduardo Henrique Souza, antes das rondas constantes nas unidades de saúde, médicos tinham receio de trabalhar temendo a falta de segurança e havia mais problemas nas escolas públicas. “Essa situação mudou com a presença de policiais no momento de folga”.