Com críticas e acusações à Polícia Militar fluminense, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, pode ter aberto um abismo na relação entre os governos federal e estadual, que tentam se afinar desde julho, quando tropas das Forças Armadas chegaram ao Rio para dar início a um plano integrado de segurança. Entre outras afirmações feitas nesta terça-feira aos site UOL e à rádio Bandnews, ele disse que o governador Luiz Fernando Pezão e o secretário de Segurança, Roberto Sá, não têm controle sobre a PM e que os comandantes de batalhões “são sócios do crime organizado”. O ministro chegou a levantar suspeitas sobre o assassinato, na semana passada, do comandante do 3º BPM (Méier), Luiz Gustavo Teixeira. “O coronel foi executado, ninguém me convence de que não foi um acerto de contas”, afirmou, referindo-se ao crime que é tratado, por investigadores, como homicídio decorrente de tentativa de assalto. Mais tarde, em entrevista exclusiva ao GLOBO, Torquato voltou à carga: defendeu que “há toda uma linha de comando que precisa ser investigada” e desafiou as autoridades do estado a provarem que ele está errado, ressaltando que não falou em nome do governo federal.
— Fiz uma crítica pessoal. Mas, se estou errado, que me provem — provocou o ministro.
Torquato disse que não há, no âmbito federal, uma investigação sobre policiais do estado, mas garantiu que dados de inteligência de órgãos da União foram repassados à Corregedoria da PM do Rio. Ele chamou a atenção para a necessidade de uma “apuração ampla, que chegue até os quadros de comando”. O ministro afirmou que o Rio voltou à situação retratada nos filmes da franquia “Tropa de elite”, que abordam a corrupção no sistema de segurança pública do estado e suas conexões com a política. Segundo ele, “o comando da PM decorre de acerto com deputado estadual”.
DENÚNCIA DE VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES
Torquato disse que vazamentos de informações prejudicaram ações das forças federais que estão no Rio para dar apoio à polícia. Sem dar detalhes, citou um caso:
— Havia uma operação planejada num morro, sabia-se que todo sábado de manhã uma das figuras mais perigosas do Rio jogava bola com a gangue dele ali. A turma chegou escondida, de forma secreta, silenciosa. O sujeito naquele dia não foi jogar bola. Ora, ele participava do futebol todo sábado.
O ministro apontou ainda, como mais um indício de corrupção, a dificuldade que o secretário de Segurança, Roberto Sá, teria enfrentado para colocar um oficial no comando da PM, posto que hoje é ocupado pelo coronel Wolney Dias:
— É curioso que Sá não tenha encontrado entre os oficiais da ativa um comandante para a PM. Foi buscar um coronel que já estava aposentado.
Torquato exigiu das autoridades do estado explicações sobre os desdobramentos da prisão de mais de 90 PMs suspeitos de associação com o tráfico.
— Este ano, de uma única vez, foram presos 93 policiais do batalhão de São Gonçalo. Alguns dias depois, foram mais alguns. E qual foi a consequência disso? A polícia tem que revelar, tem que contar — cobrou o ministro.
Ao tomar conhecimento do que foi dito por Torquato, Roberto Sá afirmou que ficou “surpreso e indignado” e que era injusto, por parte do ministro, “fazer acusações genéricas”. O comandante da PM, coronel Wolney Dias, disse à Rede Globo que foi “uma fala irresponsável, que não se espera de um ministro de Estado”. Já Pezão afirmou que nunca houve conluio da polícia com criminosos. Ele também afirmou que o ministro nunca o procurou para tratar do assunto. Torquato rebateu Pezão:
—Eu tenho melhor memória.
Pezão, à noite, disse ter conversado com o presidente Michel Temer. “Ele não gostou (das declarações de Torquato), ficou muito chateado, afirmou o governador, acrescentando que não pediu a demissão do ministro.
A Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados vai convocar Torquato para dar esclarecimentos. O subprocurador-geral de Justiça do Estado do Rio, Alexandre Araripe, enviou um ofício ao ministro pedindo os nomes dos deputados que teriam indicado comandantes de batalhão, além de provas das acusações feitas por ele.