Julgamento é suspenso; cacique culpa índio por assassinato

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A defesa do cacique Marvel Xavante alegou, durante o julgamento na tarde desta quarta-feira (16), que o indígena não teria consciência da gravidade dos seus atos, por vir de uma cultura diferente e não regida pela "lei dos brancos". O índio é acusado de ter degolado o então chefe do posto da Fundação Nacional do Índio (Funai), Floriano Márcio Guimarães, em Água Boa (730 km de Cuiabá), em setembro de 2001.

Segundo o perito da Funai, Aloir Pacini, que realizou um estudo antropológico na tribo xavante de Santa Clara – onde a família de Marvel se encontrava -, cinco anos depois da morte de Floriano, o cacique deve ter seus atos julgados "com um filtro, um olhar de dentro da cultura xavante".

De acordo com ele, o cacique não tem conhecimento das leis dos brancos ou das conseqüências de suas ações e, caso tenha realmente assassinado Floriano, ele teria feito isso pensando apenas em sua própria cultura, e não pensando na "cultura dos brancos".

Pacini alegou que a vida humana tem um valor diferente para a tribo xavante e que os índios podem sacrificar a vida de uma pessoa em prol da sua comunidade. Isso porque, para eles, o conceito de indivíduo praticamente não existe.

O perito afirmou ainda que a família de Marvel não achou justo que o cacique seja julgado pelos brancos, mas que tenha um julgamento indígena, com as penalidades atribuídas por sua tribo, caso seja culpado.

O perito afirmou ainda que, para a comunidade xavante, caso Marvel seja condenado e tenha que viver recluso em uma prisão de brancos, o cacique iria preferir a morte, pois o ato de ser punido por uma cultura que não é a sua constituiria uma humilhação muito grande.

Depoimento da defesa

Testemunha da defesa , Evaldo Gomes da Silva ocupava o posto de chefe de lucro da Fundação Nacional do Índio (Funai) à época. Ele conheceu Marvel quando tinha sete anos de idade e afirmou que, durante todos esses anos, apesar de já ter recebido ameaças de morte por parte de vários indígenas da tribo xavante, nunca viu comportamento agressivo por parte do réu.

Evaldo era, na época, chefe de Floriano e, após pedidos insistentes de Marvel para que tivesse suas reivindicações atendidas na Aldeia Trítopa, suspendeu as férias da vítima por cinco dias, para que ele viesse pessoalmente resolver o problema.

Evaldo comentou que já foi ameaçado de morte por indígenas da tribo Xavante inúmeras vezes, mas que nunca sofreu agressões.

A testemunha lamentou ainda a ingestão de bebida alcoólica pelos indígenas, ato que se tornou cada vez mais comum na região e que, segundo o laudo antropológico apresentado pelo perito, altera consideravelmente a personalidade e o comportamento dos indígenas.

Segundo ele, mesmo sendo proibida a venda de bebida alcoólica aos índios, eles acabaram criando meios de conseguir a bebida, o que acaba deixando-os agressivos e causando acidentes na região.

Família

Os familiares de Floriano se indignaram durante o depoimento do perito e alguns chegaram a deixar o plenário. Segundo a irmã da vítima, Hiléia Guimarães, e a filha mais velha de Floriano, Suzana Guimarães, 29, a família não aceita a possibilidade de que o índio não tivesse consciência de seus atos.

"Ele degolou o meu pai. Eu aprendi com o meu pai a respeitar eles (os índios), mas ele não respeitou a vida do meu pai", reclamou Suzana.

Para a irmã de Floriano, a tentativa da defesa é de tirar a responsabilidade do índio pelas suas ações e transformá-lo em vítima de sua própria cultura.

"Agora, querem transformar ele em herói?", indagou Hiléia.

Expectativas

Para o advogado da família e assistente da acusação, Tarcísio Tonhá, Marvel é capaz de entender bem as leis dos brancos e tinha plena consciência do que é certo e errado.

"O réu é capaz de entender, ele é bem integrado. Afinal, foi candidato a vereador (não foi eleito). A realidade é que ele não era acostumado a ser contrariado. Acredito que o júri é soberano e a justiça será feita", afirmou o advogado.

Segundo a defesa, a tentativa da defesa trata-se de uma estratégia para que, caso seja condenado, o índio cumpra a pena em uma unidade da Funai, e não em um presídio comum.

Para o defensor João Nunes da Cunha Neto, que participa da defesa do cacique Xavante, o índio, mesmo integrado à sociedade dos brancos, nunca deixou de agir dentro da cultura indígena.

"Marvel é índio por completo e não tem consciência das conseqüências nas leis dos brancos. Por isso foi necessário ouvir exaustivamente as testemunhas", disse Cunha, citando o artigo 26 do Código Penal.

O cacique Marvel responde no processo por homicídio qualificado praticado por motivo fútil, o que pode resultar uma pena de reclusão que varia de 12 a 30 anos.

Durante o seu depoimento, o índio negou que tenha cometido o crime e afirmou que o índio Aristeu Tserene'ewe Xavante é o verdadeiro assassino.

Julgamento suspenso

Por causa do horário, o juiz da 5ª Vara Federal, José Pires da Cunha, responsável pela condução do caso, decidiu suspender o julgamento até às 9h da manhã desta quinta-feira (17).

Assim, terão início os debates entre as partes, que deverão durar cerca de cinco horas. Em seguida, caso seja necessário, as testemunhas poderão ser chamadas para depor novamente e, em seguida, o Conselho de Senetença deverá se reunir para dar a sentença.

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