O juiz Sergio Moro, que comanda desde Curitiba aOperação Lava Jato, não concedeu uma única entrevista desde o dia 17 de março do ano passado, quando ocorreram as primeiras prisões no âmbito do que passaria a ser conhecido como o “caso Petrobras”. Mesmo calado, contudo, a magistrado não tem deixado sem resposta os defensores dos empreiteiros que mantém encarcerados no Paraná há mais de três meses graças à renovação de prisões preventivas. Mais do que isso: além de fazer comentários e rebater críticas ao processo por meio de seus despachos, Moro, que conduz o processo com mão de ferro, tem tomado polêmicas decisões com base no noticiário.
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Desde que passou a ser conhecido como o algoz de alguns dos maiores empreiteiros do país, Moro se acostumou a negar uma média de dois pedidos de entrevista por semana — e divulgou apenas duas notas por meio da assessoria de imprensa da Justiça Federal no Paraná. Isso não quer dizer, contudo, que o juiz não tenha apreço nem veja valor estratégico na relação entre a investigação e a mídia. Em despacho de outubro do ano passado, o juiz disse, ao responder acusações de vazamento de informações, que a divulgação de depoimentos “ainda que pela imprensa, é um consectário normal do interesse público e do princípio da publicidade dos atos processuais em uma ação penal na qual não foi imposto segredo de justiça”.
Na mesma decisão, em que autorizava, entre outras coisas, o acesso da Polícia Federal a depoimentos de investigados colhidos pelo Ministério Público no âmbito da Lava Jato, o magistrado destacou que a “transparência [é a] única forma de garantir o escrutínio público sobre a gestão da coisa pública e sobre a integridade da Justiça”. O tom de seus despachos, aliás, que já mereceram adjetivos como “truculento” e “repugnante” de advogados do caso Petrobras, parece dar conta do que o juiz diria aos jornalistas caso consultado sobre o processo.
“O juiz faz bem ao não dar entrevista. Juiz deve se manifestar somente nos autos do processo”, diz o advogado Luiz Fernando Pacheco, que defendeu o ex-presidente do PT José Genoino no caso do mensalão, mas pondera que “o juiz Moro tem agido de forma muito inconveniente ao responder, por despacho judicial, àquilo que é publicado na mídia. Exemplo disto é a questão das condições carcerárias a que estão submetidos os presos. Jornais publicaram recentemente reportagens dando conta das condições péssimas das cadeias. O juiz respondeu por despacho.”
O juiz Moro tem agido de forma muito inconveniente ao responder, por despacho judicial, àquilo que é publicado na mídia
Luiz Fernando Pacheco, advogado criminal
Pacheco se refere à reportagem da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, sobre as agruras dos empreiteiros detidos na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. No dia seguinte à publicação da matéria, em fevereiro, Moro, que acompanha o noticiário com atenção, despachou questionando se os defensores preferiam que os clientes fossem transferidos para prisões estaduais, de estrutura reconhecidamente mais precária. No despacho, o juiz admite que “não houve, perante este Juízo, qualquer reclamação formal sobre as condições das celas ou qualquer pedido de transferência ao sistema prisional estadual”, e, mesmo assim, diz que “diante de supostas reclamações veiculadas não a este Juízo mas à imprensa, é o caso de consultar os defensores em questão acerca do interesse dos presos na transferência para o sistema prisional estadual”.
Professor de FGV Direito Rio, Thiago Bottino diz que esse tipo de resposta de Moro é compreensível, devido às pressões a que o juiz está submetido por conduzir o processo do maior escândalo de corrupção da história do país, mas ressalva que o ideal é que o magistrado só se manifeste no processo quando provocado judicialmente, e não pelos jornais, como Moro já havia feito no caso das notícias sobre os encontros entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e defensores de empreiteiros da Lava Jato. Na ocasião, o juiz não apenas negou a liberdade de quatro dos empreiteiros presos como decretou novas prisões preventivas baseado nos indícios de busca por “indevida interferência política no processo judicial”.
“Pau de arara virtual”
A forma rígida com que Moro conduz os processos da Lava Jato tem gerado protestos por todos os lados. Em conversas reservadas, os advogados dos empreiteiros dizem acreditar na honestidade e nas boas intenções do juiz, mas criticam o que consideram atitudes parciais, como conduzir audiências como se estivesse do lado da acusação — o Ministério Público, no caso — e imprimir velocidades diferentes a procedimentos solicitados pelos acusadores (com maior celeridade) e pelos defensores (com semanas de espera).
Defensora da Odebrecht no caso, a advogada Dora Cavalcanti Cordani publicou recentemente artigo intitulado “Lava Jato põe em risco o Estado de Direito” para dizer que “aos que adoram postar aos quatro ventos que estaria em curso a ‘venezualização’ do país, peço que reflitam sobre esse esforço concentrado liderado pela Operação Lava Jato para cravejar de morte o Estado de Direito. Afinal, há algo mais totalitário do que condenar sem processo? Prisões ilegais, desnecessárias, representam a pior forma de violência do Estado contra o indivíduo”.
Na semana passada, durante evento sindical convocado em defesa da Petrobras que contou com a participação do ex-presidente Lula, o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Wadih Damous, disse que “o espetáculo do doutor Moro não garante o direito de defesa, o contraditório e a presunção de inocência”, acrescentando que “esse juiz e esses procuradores se respondessem ao exame da Ordem da forma como se comportam na investigação da Lava Jato não seriam aprovados”. Neste domingo, o coro das críticas foi engrossado pelo presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), Leonardo Sica.
Ao jornal O Estado de S.Paulo, Sica condenou a suposta gravação de conversas entre advogados e clientes nos autos da Lava Jato, uma indicação, segundo ele, de que “a investigação está sendo conduzida de maneira tendenciosa” e algo que poderia, entre outros excessos, resultar até na “anulação da operação”. Além disso, segundo o presidente da AASP, a “combinação entre prisão preventiva e delação premiada” que tem marcado as investigações da Lava Jato soa como “uma espécie de tortura soft” ou um “pau de arara virtual” — o juiz teria exagerado, por exemplo, ao decretar prisão preventiva do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró com base em sua movimentação de bens, algo que, em comparação, levou a Justiça a apenas apreender os bens do empresário Eike Batista.
Os questionamento são muitos, mas foi graças a delações como as do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef que a Polícia Federal e o Ministério Público avançaram nas investigações da Lava Jato até chegar aos empreiteiros — o que valeu ao “Petrolão” a alcunha de maior escândalo da história brasileira. E, apesar da gritaria, o procedimento de Moro segue funcionando a pleno vapor: no fim de fevereiro, o presidente e o vice-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini e Eduardo Leite, respectivamente, aceitaram a delação premiada em troca da prisão domiciliar, totalizando 15 acordos no âmbito da operação.