“Gênero é irrelevante, busca pela independência é a meta”

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Celebrado em todo dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher remete ao início do século XX, quando as mulheres passaram a integrar, em massa, a mão-de-obra das indústrias e passaram a lutar por melhores condições de trabalho e tratamento igualitário na sociedade.
 
Em resumo, é uma data que relembra toda a história de luta das mulheres pelos seus direitos.
 
A data foi oficialmente reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) apenas em 1977, e a versão mais difundida é de que a escolha pelo dia seria uma forma de prestar homenagem às 129 operárias americanas que morreram queimadas, em 1857, dentro de uma fábrica têxtil onde trabalhavam, em Nova York.
 
MidiaNews decidiu ir além da simples lembrança dessa data e perguntou a quatro mulheres que moram na Capital por qual razão essa data merece ser comemorada.
 
São mulheres em fases distintas da vida, com sonhos e conquistas – próprias e coletivas – e que já lutaram muito nessa vida – cada uma por uma razão única. 

Conheça um pouco de cada uma delas nos perfis abaixo.
 
“Vou te colocar no bolso”
 
Formada há um ano em Direito, a advogada Camila Souza, 23, chama a atenção ao entrar em uma sala de audiência. Pequena e magra, ela passou no Exame da Ordem antes mesmo de terminar a faculdade e aparenta ser ainda mais jovem.
 
A advogada, que hoje já é sócia em um escritório de advocacia da Capital, confessou já ter enfrentado resistência por parte de colegas de profissão e, até mesmo, de clientes, ao se apresentar como advogada.
 
“Já aconteceu de, em uma audiência, meu colega de trabalho olhar, ver que eu era mulher e a expressão dele foi a seguinte: ‘Vou te colocar no bolso’. Porque eles são mais incisivos durante uma audiência. Nós, mulheres, somos mais sensíveis. Mas eu não deixo passar, não. Eu faço minha cara de boazinha, mas rebato com profissionalismo. Você começa a fazer a instrução, demonstra conhecimento e mostra que estudou aquilo e, assim, conquista o respeito”, disse.
 
Camila, que sonha em um dia atuar na Defensoria Pública e afirma ser apaixonada pelo Direito, acredita que, entre as tantas conquistas da mulher moderna, uma principal precisa ser destacada: a independência.
 
“Hoje, o gênero é irrelevante. A mulher tem que buscar a sua liberdade, a igualdade e a independência, sim, mas sem perder, com isso, a feminilidade, a sensibilidade. Ela precisa entender que tem capacidade intelectual e profissional, mas ela não precisa se masculinizar para conseguir a independência”, observou.
 
Para Camila, apesar de algumas mulheres ainda serem reféns econômica ou emocionalmente de pais ou maridos, hoje, essa barreira não é instransponível e o cenário vai continuar mudando, com o passar dos anos, de maneira gradativa.
 
A advogada assinalou que, para ela, a comemoração vai além das conquistas profissionais. Camila frisou que, até pouco tempo, existia ainda, no Código Civil, o artigo 216, de 1916, que listava uma série de coisas que a mulher não podia fazer, sem autorização do pai ou do marido. Isso só mudou em 2002 – apesar de o artigo já ter caído em desuso, até então.
 
“Nós temos que comemorar essa capacidade que temos de derrubar barreiras. A mulher tem conquistado o seu espaço na sociedade. Mas isso, é uma batalha diária de qualquer minoria que sofreu algum tipo de preconceito. Não muda de um dia para o outro. É um processo lento, uma transformação que leva tempo”, afirmou.
 
“A decisão do STF é uma vitória”
 
Coordenadora do projeto “Lá em casa quem manda é o respeito” – desenvolvido no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC) – e presidente da Comissão Permanente de Promotores de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Copevid), a promotora de Justiça Lindinalva Rodrigues Dalla Costa acredita que as mulheres têm muito o que comemorar no seu dia.
 
Apesar dos números de violência doméstica e familiar em Cuiabá serem significativos – foram 1159 denúncias oferecidas pelo Ministério Público Estadual (MPE), apenas em 2011 –, a promotora celebra a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que votou pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha e afirmou que é responsabilidade do Estado zelar e proteger as mulheres vítimas dessa violência.
 
“Eu entendo que a maior razão para nós todas comemorarmos a data é a decisão do Supremo, dizendo que a Lei Maria da Penha é constitucional e, efetivamente, mostrando que o Estado está obrigado a proteger as mulheres vítimas de violência”, afirmou.
 
Para a promotora, para que a violência diminua, é necessário que a mulher não aceite tal comportamento e tenha uma boa autoestima.
 
“Ela tem que entender que é melhor ela viver só do que mal acompanhada. Que não é verdade que, se ela não tiver um homem do lado, ela não vai ser um ser humano completo”, disse.
 
Segundo ela, não apenas a dependência financeira é o que prende a mulher a uma relação abusiva, mas o medo de assumir um fracasso em uma relação e encarar a solidão. Dalla Costa acredita que o maior desafio da mulher, atualmente, é superar esse medo e parar de se preocupar com os valores impostos pela sociedade.
 
“As mulheres tem pânico de solidão, porque são criadas desde pequena para esperar um homem, um príncipe-encantado, e a sociedade cobra isso dela. Quando ela alcança uma certa idade e não encontra esse príncipe – e não vai encontrar, porque nós temos homens com defeitos e qualidades –, elas acabam se envolvendo com qualquer tipo de pessoa, entrando em relações abusivas, apenas para não ficar sozinha”, explicou.
 
A promotora ressaltou ainda que a violência doméstica é “extremamente democrática” e pode atingir mulheres de todos os níveis culturais e sociais. Dalla Costa ainda aproveitou para mandar um recado para todo público feminino:
 
“Isso tem a ver com a cultura e não com a classe social. O que eu diria para todas as mulheres é que nós precisamos aprender a ser a melhor companhia para nós mesmas. A mulheres precisam saber que elas existem para serem felizes, e não para estarem apenas com um companheiro que a maltrate”, ressaltou.
 
“Minha profissão sempre foi de homem”
 
Motorista de ônibus há 19 anos, Maria de Fátima, 42, nunca escolheu o caminho mais fácil na vida. Desde que começou a trabalhar, ela sempre escolheu profissões dominadas pelo público masculino e conquistou o respeito no mercado de trabalho, provando que era capaz.
 
Mãe de dois filhos, ela trabalha na empresa Pantanal Transportes e foi a segunda mulher a assumir a direção de um ônibus coletivo na Capital. Maria ainda trabalhou em uma serigrafia, antes de ser motorista. E, daqui a cinco anos – quando alcançar a aposentadoria –, pretende perseguir outro sonho: trabalhar em um caminhão “munck” (tipo guincho).
 
“No começo, tinha muito preconceito, resistência. Os homens sempre falavam: ‘Mulher no volante, perigo constante’. Hoje, eles não falam mais e admiram o nosso posto de motorista. A mulher está evoluindo”, afirmou.
 
Para Maria de Fátima, não existe “sexo frágil”. Segundo ela, não há limites para o que uma mulher pode ser na vida, desde que ela trabalhe focada em seu objetivo.
 
“A mulher nunca deve deixar de batalhar, ela deve lutar sempre. Porque só assim ela vai alcançar o que ela quer. Não tem limite. A mulher tem a mesma capacidade que o homem ou até mais”, ressaltou.
 
Exemplo de superação, ela contou que, antes de trabalhar nos transportes coletivos da cidade, foi vítima de violência doméstica, durante um casamento, mas “jogou tudo para o alto” e decidiu se dedicar a si mesma.
 
Desde então, Maria assumiu a rotina de se levantar às 3h30 da manhã, ir para o serviço e assumir o volante a partir das 5h. Às 13h, quando sai do serviço, é hora de se tornar dona de casa. Para ela, se tornar motorista foi a melhor opção que fez na vida e ela comemora a decisão até hoje:
 
"Por mais que a mulher seja frágil, ela nunca deve abaixar a mão. Tive um marido que vinha pra cima de mim, mas larguei dele e comecei a trabalhar como motorista. Gosto da minha profissão, gosto de dirigir”.
 
“Já alimentei mais de cinco mil crianças”
 
Há 32 anos, ela é responsável pelas refeições de crianças da Escola Estadual José Magno, no bairro Goiabeiras. Em todo esse tempo, a merendeira Elisa Leonina da Silva, 57, afirma, com orgulho, que já deve ter preparado a comida de mais de cinco de mil estudantes da instituição.
 
A rotina de Elisa é marcada pela cozinha e os braços já começaram a se queixar de tantos anos mexendo com as panelas. Mas ela não se arrepende, e afirmou que vai continuar trabalhando, mesmo depois de aposentar, o que deve acontecer no dia 8 de maio – daqui a exatos dois meses.
 
“Gosto de fazer comida e, enquanto tiver vida e saúde, vou trabalhar. Quando Deus quiser, ele me para. Não paro de trabalhar por causa de dor, não. Precisei tirar nove meses de licença uma vez e quase enlouqueci, queria fazer serviços pra fora”, disse, entre risos.
 
A merendeira é querida por todos os estudantes que já passaram pelo local, já se tornou madrinha de muitos deles e não é raro encontrar com alguns nas ruas que declaram sentir falta das refeições preparadas por ela. Mas, a merendeira ressalta que a profissão, assim como todas as outras, exige talento.
 
“Tem que ter dom, ou então a comida não sai boa. Para tudo nessa vida, tem que se ter dom. Se for para fazer uma comida mal feita, não dá”, afirmou.
 
Para Elisa, a maior realização de sua vida foi ter sido mãe e ela afirma que é uma experiência que merece ser vivida por toda mulher. Ela acredita que a maior comemoração da mulher nesta data é a independência:
 
“Não depender de ninguém é a maior lição que tirei da vida e acho que as jovens de hoje precisam aproveitar as oportunidades que tem”, declarou.

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