A Lei da Cadeirinha, que começou a vigorar no dia 1º de setembro em todo o País, possui uma falha jurídica que impede sua aplicação integral. A resolução 277, de 28 de maio de 2008, está baseada na idade das crianças. Mas a Constituição Federal não obriga crianças, seus pais ou quem as conduza a portarem documento das mesmas.
O RG só é obrigatório no País a partir dos 18 anos – e, após os 16 anos, recomendável. Neste ponto, há uma das principais incoerências da Lei: crianças de até sete anos e meio devem ser transportadas no banco traseiro – sendo que para aquelas de até quatro anos é obrigatório o uso da cadeira especial ou do bebê conforto – mas o motorista não é obrigado a provar a idade de quem transporta. Fica a palavra dele contra a do agente de fiscalização.
Para Marcelo José Araújo, professor e consultor na área de trânsito e presidente da Comissão de Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, se a resolução não responder rapidamente às questões em aberto pode virar mais uma das leis que já nascem mortas. "Por entrar em descrédito", diz.
O uso da cadeirinha é fundamental. Segundo dados da ONG Criança Segura, acidentes de trânsito – pedestres, passageiros e ciclistas – são a principal causa de morte por acidentes entre crianças de 0 a 14 anos. O uso correto de cadeiras de segurança em veículos pode diminuir o risco de morte em até 70% em caso de acidente. Diante disso, espera-se que pais e motoristas tenham bom senso para garantir a segurança das crianças que transportam.
Brecha jurídica
A brecha jurídica permite que motoristas que recorram da multa tenham quase a garantia de ganharem a disputa. A assessoria do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) diz que, se o agente tiver dúvidas, não deve autuar. Se o condutor não comprovar a idade da criança e ainda assim for multado, o Contran afirma que ele poderá recorrer. Para o advogado Araújo, há uma "inversão de valores" neste posicionamento. "É um absurdo, depositar no usuário a falta de critérios. O agente de trânsito ou policial tem de seguir um princípio de certeza", afirma.
O Comando de Policiamento de Trânsito (CPTran), órgão que realiza as blitze em São Paulo, está ciente da possibilidade de fraude no momento da abordagem. "Sabemos que muitos pais, que não estão preocupados com a segurança do filho, podem dizer que a criança que está no carro sem o equipamento de retenção tem idade superior ao exigido na norma. Por isso, nossa orientação é que o agente, em caso de dúvida, não autue o condutor", explica o capitão Paulo Oliveira, chefe do setor operacional do CPTran. "Já se estiver nítido que o condutor está tentando enganar o fiscal, a autuação deve ser feita e o motorista pode entrar com recurso".
A "flexibilidade" da lei da cadeirinha é criticada por Araújo, que enfatiza a necessidade de um único discurso. "Sabemos, por exemplo, que o sinal vermelho é para parar. É certo. Não posso estabelecer para uma lei um critério do bom senso". No caso da Lei Seca há o bafômetro para confirmar embriaguez. Para comprovar excesso de velocidade, há os radares. Há câmeras que provam outras infrações no trânsito. Do jeito que está, no caso da Lei da Cadeirinha, não há o princípio da certeza: o que vale é olhar do agente.
Ciro Vidal, advogado e presidente da Comissão de Trânsito da OAB-SP, afirma que levar em consideração a idade e não o porte físico é uma forma mais fácil de se fazer a fiscalização, mas também o principal problema. "Ela deveria levar em consideração o tamanho da criança porque tem criança de oito anos com tamanho de criança de seis, e o contrário também", considera.
Araújo completa que, mesmo se o órgão optasse por pesar e medir as crianças, a balança e a fita métrica precisariam ser regulamentadas e usadas em todo o território nacional.
O capitão Paulo Oliveira, do CPTran, explica que a não exigência do porte de documento das crianças pelo condutor faz com que o foco da fiscalização seja diferente, pelo menos na capital paulista. "Estamos procurando fiscalizar carros com crianças que deveriam estar na cadeirinha ou no bebê conforto", diz. O fato de crianças acima de quatro anos de idade não serem obrigadas a andar no acento elevatório, segundo ele, é um dos motivos de as fiscalizações serem feitas em sua maioria em crianças abaixo dessa idade. "A lei autoriza que crianças acima de quatro anos trafeguem utilizando o cinto de dois pontos", diz.
Procurada, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) engrossou o discurso do Contran e disse que as autuações são realizadas quando o agente vê crianças muito pequenas sem o cinto de segurança ou quando "é muito nítido que aquela criança tem idade inferior ao exigido na norma".