Epidemia da Aids pode acabar em 15 anos, diz brasileiro que assumiu vice-diretoria na Unaids

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Fabiana Grillo e Marsílea Gombata, do R7

ONU/JC McIlwaineLoures tem o desafio de ampliar tratamento de Aids para mais 7 milhões de pessoas no mundo

Novo vice-diretor executivo da Unaids (Programa das Nações Unidas para HIV/ Aids), o epidemiologista brasileiro Dr. Luiz Loures tem como desafio central levar a epidemia de Aids ao fim. Apesar de saber que os obstáculos ainda são grandes, ele acredita que dentro de 15 anos o mundo conseguirá vitória contra o amedrontador vírus do HIV.

Na linha de frente da luta contra a Aids, o médico pioneiro em tratar pacientes com a doença no Brasil coloca o País como exemplo de políticas públicas bem-sucedidas. “Do meu ponto de vista, é onde existem as políticas mais inclusivas e abrangentes em relação à Aids”, observou em entrevista ao R7. Segundo o especialista, a inclusão da sociedade no debate sobre a epidemia de Aids e a manutenção de seus programas com dinheiro público contribuíram para que o Brasil se tornasse um exemplo positivo, assim como são países da África, como Quênia e África do Sul.

Há 16 anos na Unaids, cuja sede se encontra em Genebra, ele vê como crítico o quadro de lugares como o leste europeu, onde a propagação do vírus da Aids está intimamente relacionada ao uso de drogas injetáveis. “Do ponto de vista do usuário de drogas, não se pode tratá-lo como problema de polícia. Ele deve ser tratado como problema de saúde”, protesta, ao avaliar o preconceito como um dos maiores entraves a políticas públicas contra a Aids. “O mesmo acontece em países onde homossexuais masculinos não têm liberdade ou até têm medo de dizer qual é a sua preferência sexual, quando correm risco de serem presos ou sujeitos à pena de morte”.

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Hoje, lembra Loures, são 8 milhões de infectados pelo HIV em tratamento. O número está longe do ideal, mas já representa uma vitória: pela primeira vez na história há mais pessoas em tratamento do que esperando na fila. Ainda assim, ele alerta, a luta não terminou. “Precisamos colocar mais 7 milhões em tratamento até 2015, e esse é um grande desafio. A epidemia não terminou e não se pode baixar a guarda.”

R7  Quais os desafios da Aids hoje no mundo?

Dr. Luiz Loures — O desafio central hoje é levar a epidemia ao fim, já que existe a possibilidade concreta de finalmente se chegar ao fim dela. Não hoje, mas dentro de um período de 15 anos acredito que seja possível isso acontecer. Mas, para que se chegue ao fim, há algumas ações em curso que têm de ser intensificadas nesse momento.

R7 — Por que a Aids ainda faz tantas vitimas no mundo?

Dr. Luiz Loures — Basicamente porque não é somente um problema de saúde, mas também um problema social importante. O avanço em tratamentos, sem dúvida, é a historia positiva da Aids.Talvez a gente tenha avançado mais com a doença do que em relação a qualquer outro desafio dessa dimensão na história. Conseguimos progredir muito em um período de 30 anos. No entanto, esse avanço não é aplicado da mesma forma em todos os locais, existe um problema de equidade. Nos países mais pobres é onde existe mais Aids e há mais desafios, principalmente em relação aos grupos mais vulneráveis, seja homossexuais masculinos, usuários de droga ou trabalhadores sexuais.

R7 — A que se deve isso, na sua opinião?

Dr. Luiz Loures — Os avanços a esses grupos não são suficientes. Fundamentalmente, por causa da questão da discriminação. É muito difícil convencer autoridades políticas do país a implementar programas dirigidos a essas populações. Veja, por exemplo, a situação da parte leste da Europa, onde a epidemia é principalmente associada ao uso de drogas endovenosa. É a região onde as taxas de tratamento são as mais baixas do mundo, por volta de 22%, mesmo tratando-se de países com desenvolvimento mais avançado do que países da África ou América Latina. A região ainda não consegue avançar no tratamento por causa da discriminação em relação a usuários de drogas endovenosas, que deveriam ser primariamente aqueles com mais acesso.

R7 — Quais os países sinônimos de bom exemplo?

Dr. Luiz Loures — Acho que o Brasil seria o melhor exemplo no mundo.O País tem, do meu ponto de vista, as políticas mais inclusivas e mais abrangentes em relação à Aids. Isso pela sua história, mas, principalmente, pela inclusão da sociedade no controle e no debate sobre a Aids. Você tem exemplos positivos na África, que é região mais afetada. Eu citaria como bom exemplo também a África do Sul, onde existe o maior número de pessoas infectadas. O país quase reverteu a tendência que, há poucos anos, era catastrófica, de falta de tratamento e transmissão extremamente alta. O país ainda enfrenta desafios, mas avançou muitíssimo em relação a acesso e tratamento. Lá se trata de questão de decisão política, que não existia antes e existe hoje. E também outros países muito afetados na África, como Botsuana que tinha uma das taxas mais altas do mundo, Quênia e Senegal têm avançado de forma consistente no controle da Aids. Por decisão politica, investimento certo que estão caminhando, apesar dos desafios.

R7 —  E aqueles que estão em condição mais crítica?

Dr. Luiz Loures — Exemplos menos positivos onde a gente vê mais desafios eu citava a Europa do leste. Na maior parte dos países dessa região, como o uso de drogas é predominante na transmissão do vírus da Aids, há dificuldade em relação às políticas necessárias. Do ponto de vista do usuário de drogas, não se pode tratá-lo como problema de polícia. Ele deve ser tratado como problema de saúde. Não estou falando sobre o tráfico de droga, mas sim sobre o usuário de droga. O indivíduo que usa droga é um caso de saúde e não de policia. E nesses países, infelizmente, ainda existe uma tendência repressiva em relação ao usuário de droga, o que limita o desenvolvimento de qualquer politica de tratamento e prevenção. Se você é identificado como usuário de droga e corre o risco de ser preso, claro que não vai buscar um serviço de saúde de forma aberta. Isso é muito claro de se ver.

O mesmo acontece em países onde existe alta discriminação em relação a gays. Não tem como pensar que programas de prevenção serão efetivos nessa população se os homossexuais masculinos não têm liberdade ou até têm medo de dizer qual é a sua preferência sexual, quando eles correm risco de serem presos ou sujeitos à pena de morte.

R7 — Quais politicas públicas do Brasil são exemplos para outros países?

Dr. Luiz Loures — O Brasil foi o primeiro país no mundo a começar a tratar Aids entre países em desenvolvimento. É um pioneirismo que possibilitou em verdade que a gente esteja hoje onde estamos do ponto de vista do tratamento. Hoje a África trata mais do que qualquer outro continente, mas o país pioneiro que demonstrou que era possível tratar, mesmo ainda em desenvolvimento, foi o Brasil. A distribuição do coquetel pelo governo é um exemplo que ainda hoje segue como orientação e direção ao mundo como um todo. Mas, mais do que isso, a inclusão social das políticas de Aids, a inclusão da sociedade civil e de representações dos grupos mais vulneráveis sempre foram um aspecto do programa brasileiro que ainda serve como exemplo. Resumindo, é uma combinação de decisão politica, manejo da Aids e inclusão da sociedade nesse processo. Hoje, minha principal esperança é que o Brasil seja o primeiro país a declarar o fim da epidemia de Aids em um futuro próximo.

R7 — E por que o Brasil pode ser o primeiro a derrotar a Aids?

Dr. Luiz Loures — Basicamente porque começou antes, é uma questão histórica. O Brasil foi o primeiro país a começar a tratar, e hoje sabemos que quanto mais se trata menos transmissão do vírus existe. Quem trata não transmite. O primeiro aspecto é o fato de o Brasil ter começado muito cedo. Hoje as políticas brasileiras estão consolidadas, existe uma grande experiência acumulada. Eu mencionaria ainda, de forma muito particular, a liderança do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, que tem uma preocupação e envolvimento profundo e de grande seriedade em relação à Aids. Ele entende a dimensão da epidemia em um país complexo como o Brasil. E essa decisão politica é fundamental para começar e poder mobilizar recursos financeiros.

Aliás, o Brasil se diferencia de outros países do ponto de vista de financiamento. Os programas de Aids no Brasil são pagos através de recursos nacionais e não internacionais. Isso é da maior importância. Existem outros países no mundo que têm uma grande dependência em relação a recursos internacionais, o que coloca em questão a sustentabilidade desses programas a longo prazo. O Brasil sempre investiu primariamente com seus recursos próprios, o que me permite dizer que hoje o País tem condições de manter suas políticas porque não depende de recurso estrangeiro. Essa também é uma razão que me leva a pensar que o Brasil pode ser o primeiro país a declarar o fim da epidemia de Aids se continuar no curso em que está e intensificar ações em algumas regiões do País são mais difíceis e em relação a populações que podem necessitar de mais atenção.

R7 — O que acha do medicamento Truvada?

Dr. Luiz Loures — Sem dúvida, é uma promessa. O uso de drogas de tratamento, para prevenir a Aids, como no caso do Truvada pode ser uma opção, desde que seja feito de forma cuidadosa e indicada em situações específicas. Mas, sem dúvida, o uso de antirretroviral para prevenção pode ser parte de programas mais amplos, principalmente para populações de maior risco em relação ao HIV. Não pode, no entanto, ser recomendado de modo isolado. Deve ser parte de um conjunto, sem esquecer os métodos preventivos. Nada melhor do que a camisinha, que continua sendo o instrumento básico e mais importante para se prevenir Aids.

Aliás, esse é um outro exemplo do Brasil, que nunca discutiu se iria promover ou não a camisinha. Em muitos outros países isso não foi realidade. Por influências morais ou da Igreja, a questão da camisinha foi difícil. Não foi o caso do Brasil, que desde muito cedo foi pragmático e pensou: temos de usá-la para salvar vidas. Essa é um ponto fundamental.

R7 — O senhor assumiu um novo cargo na Unaids. Quais os desafios nesse novo posto?

Dr. Luiz Loures — São os que te descrevi do ponto de vista de políticas, porque, a partir da minha posição agora, tenho a responsabilidade de coordenar os programas a nível mundial. Então a aplicação dessas politicas é o maior desafio que tenho. E, nesse momento, em um período mais curto, o desafio é ampliar o tratamento. Hoje há 8 milhões de pessoas em tratamento, ou seja, pela primeira vez há mais gente em tratamento do que gente esperando na fila. Mas precisamos colocar mais 7 milhões em tratamento até 2015, e esse é um grande desafio. Para isso deve ser clara a mensagem para que os países entendam que a Aids não acabou. A epidemia não terminou e não se pode baixar a guarda. Pelo contrário, temos de intensificar as ações que estamos desenvolvendo. Aí, talvez em um período viável, poderemos celebrar o fim da epidemia. Acho 15 anos um número razoável do ponto de vista global. O Brasil ou países mais avançados podem atingir isso mais cedo. É isso o que a gente espera.

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