Empresário que denunciou esquema da Lava Jato quer pedir asilo à Alemanha

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“O Brasil acabou para mim”, afirma o empresário gaúcho Hermes Freitas Magnus, de 44 anos. Ex-parceiro de negócios do ex-deputado federal José Janene (PP-PR) em uma fábrica de equipamentos industriais em Londrina, no Paraná, Magnus foi o responsável por uma série de denúncias que serviram de ponto de partida para o inquérito que culminou na Operação Lava Jato. Depois do início do escândalo, ele afirma ter sido abandonado pela Justiça brasileira. Em entrevista para a DW Brasil em Berlim, o empresário, que passou os últimos meses em Portugal, afirma que agora pretende pedir asilo político ao Estado alemão.

As primeiras denúncias de Magnus foram enviadas à Justiça ainda em 2008. Na ocasião, ele mandou e-mails e documentos em que relatou movimentações financeiras que Janene e o doleiro Alberto Youssef estavam fazendo na sua empresa, a Dunel Indústria e Comércio Ltda. O Ministério Público Federal aponta que Janene, que morreu em 2010, e outros membros da quadrilha investiram na empresa de Magnus para lavar recursos desviados para o Mensalão.

Em 2009, Magnus deixou o país pela primeira vez e foi para os Estados Unidos por dois anos. Ele diz que na época estava sofrendo ameaças. A partir do ano passado, quando a Lava Jato foi deflagrada, ele liquidou seus últimos negócios no Brasil e passou a preparar sua mudança para Portugal, onde já havia aberto uma filial da empresa em 2013.

DW Brasil: Por que você quer pedir asilo político?

Hermes Freitas Magnus: Quero ir para um lugar seguro para passar uma borracha na minha vida. O Brasil acabou para mim. Entre 2009 e 2014, eu tentei recuperar minha empresa, mas depois do início da operação, ninguém mais quis fazer negócios comigo. Hoje moro em Portugal com um visto temporário. Eu queria asilo, mas me disseram que seria melhor pedir um visto de residência. Eu concordei, mas a coisa não vem andando desde então. Estão colocando empecilhos e dificuldades. Recentemente, graças a uma intervenção da [ONG] Transparência Internacional em Portugal, recebi uma prorrogação do meu visto por 90 dias. Mas o prazo vai acabar. Acho que não querem a responsabilidade de me proteger.

É horrível. Você não consegue ter planos de longo prazo. Meu sonho é recomeçar, ter minha empresa em outro país. Meu hobby é fazer máquinas. Só sei fazer isso.

© Fornecido por Deutsche Welle

E por que a Alemanha?

A Alemanha me parece um país sério para isso. Eu ando por aí [em Berlim] e parece que estou em casa. Deve ser a memória genética, já que sou descendente de alemães. No momento eu estou em contato com a Transparência Internacional na Alemanha para pedir apoio na concessão de um documento de asilado. Eu quero asilo porque quero me desvincular totalmente do Brasil. Eu fui pra Portugal por causa da língua, mas a corrupção brasileira está muito entrelaçada com o país.

Eu sinto que a Alemanha é um lugar mais sério, e o país está alheio a tudo o que acontece no Brasil. Em um ano eu acredito que posso ter fluência no idioma. Mas se eu não for bem-vindo na Alemanha, eu não vou ficar. Não quero viver à custa do Estado.

Você se sente inseguro no Brasil?

Em 2009, uma das minhas casas na Penha, em Santa Catarina, pegou fogo. O pessoal do Janene já sabia que eu estava falando com a Polícia Federal. Fiquei com muito medo. Não dormia mais em casa. Também recebi mensagens, telefonemas e cheguei a ser ameaçado com uma arma pelo grupo do deputado. Depois da morte do Janene, do fim da nossa parceria e da minha viagem aos EUA, as coisas se acalmaram. Mas a partir do ano passado tudo recomeçou.

No início de 2014, eu estava assistindo televisão e vi que o Youssef e outros tinham sido presos. Fazia tanto tempo… Eu disse: conheço essa gente. Escrevi para o juiz Sérgio Moro, que me respondeu “as informações que o senhor prestou foram de suma relevância para o caso”. No inicio eu fiquei feliz. Voltei a colaborar com a força-tarefa, mas aí voltei a sofrer ameaças. Recebi mensagens que me advertiram a não subir em palanque com a oposição, a não falar com políticos que denunciavam a corrupção na Lava Jato. À época, eu estava tocando minha fábrica no Rio Grande do Sul. Eu fui perdendo o foco e resolvi acabar com tudo. Comecei a me concentrar em desempenhar a mesma atividade em Portugal.

A Polícia Federal e o Ministério Público não lhe ofereceram segurança?

Recebi escolta da PF só uma vez, em 2009, durante um depoimento. Cheguei a pedir proteção ao Ministério Público Federal e ao Ministério da Justiça, mas fui dissuadido pelo próprio MPF a não aceitar o que eles tinham a me oferecer, o Programa de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita). Eu teria que trocar de identidade, viver como um indigente num hotel. Eu não sou bandido, eu não quero me esconder. Quero continuar fazendo o que eu faço. Quem iria indenizar meus clientes? Depois o MPF me ofereceu – via Itamaraty – me ajudar a arrumar um país para eu me mudar. Disseram ‘você quer ir pra Europa? Nós vamos te ajudar’. Mas essa ajuda ia contar com a participação do Ministério da Justiça, e eu não confio no ministério. Eu não confio no Estado brasileiro. Eu estou lutando sozinho.

O Brasil infelizmente acabou para mim. Os políticos não me suportam, têm medo de mim. As pessoas suspeitam que eu fico conspirando, o Ministério Público me esqueceu completamente. Talvez me ignorar seja uma estratégia do MP para me garantir a segurança, como se eu não fosse mais importante. Eu dei uma colaboração para o país, mesmo que não esperando receber nada por isso, e esse Estado não foi capaz nem de me oferecer segurança. Muita gente pensa que eu estou viajando pelo mundo, mas eu estou fugindo. Meu dinheiro é contado. Eu estou à própria sorte.

Como foi seu primeiro contato com participantes da Lava Jato?

Em 2008, eu procurava investidores para a minha fabriqueta em Santa Catarina. Eu tinha muitos pedidos e não conseguia atender a todos. Por meio de uma amiga da minha sócia fui apresentado a uma pessoa que intermediava negócios. Mandamos um plano e, em 24 horas, uma empresa de São Paulo me chamou. Eram testas-de-ferro do ex-deputado José Janene. Me jogaram numa suíte presidencial, tentaram me impressionar. Depois, conheci o Janene numa reunião. Ele me elogiou, disse que estava doente e que queria deixar negócios para os filhos. Ele disse que arranjaria o dinheiro. Eu era ignorante em política, não sabia que ele já estava envolvido no Mensalão. Eles já tinham pronto um memorando de entendimento, em que constava a possibilidade de investimentos superiores a um milhão na empresa. Sem eu saber, estava aberta a lavanderia.

E como você percebeu que havia algo errado?

Logo no primeiro mês do funcionamento da nova sede da empresa, em Londrina, para onde ela se mudou à pedido do grupo do Janene. Um dia, um fornecedor alertou que o dinheiro do pagamento não saiu do caixa da Dunel ou da firma da CSA Project Finance, a firma do José Janene, mas de outro lugar. Vi que eles usavam dezenas de CPFs e CNPJs. Os salários eram pagos em dinheiro vivo.

Falei sobre isso com um conhecido que me disse: “Você está lavando dinheiro para alguém”. Eu então comecei a sabotar a produção e a mandar as primeiras denúncias. Eu cheguei a dizer que queria sair do negócio, que queria minhas máquinas de volta, mas por causa do memorando de entendimento eu acabei ficando. Os jagunços do Janene passaram a me vigiar. Eu ficava torcendo para que a polícia acabasse com tudo. Isso durou meses.

Quando faltava cerca de um mês para que o memorando acabasse, eles começaram a me pressionar para abrir uma offshore [empresa em um paraíso fiscal], oficializasse o negócio para que eles virassem sócios da empresa. Eu então fugi para a Suécia, e o termo venceu. O esquema deles na empresa nunca deslanchou. Em 2009, eu comecei a colaborar oficialmente com o Ministério Público.

Eu estava numa enrascada. Não tenho culpa de ter encontrado um bandido. A culpa é da Justiça, que deixou eles soltos e eu acabei encontrando com eles.

Recentemente, o juiz Sergio Moro condenou Alberto Youssef a lhe devolver um milhão de reais pelos prejuízos causados à sua empresa. Você já recebeu esse valor?

Ainda não. Nem sei se vou receber esse dinheiro. De qualquer forma, isso não é Justiça. O que posso receber não paga meu sofrimento. Eu perdi uma empresa para os bandidos, e depois perdi uma para a Lava Jato.

Você já chegou a se arrepender de ter feito a denúncia?

Nunca. Nem nos piores momentos me arrependi de denunciar. Outro dia recebi uma mensagem que dizia “seu idiota, valeu a pena? Se algo acontecer ninguém vai saber quem é você”. Muitos me chamam de burro, não me importo. Eu deito e durmo. É uma questão da qual me orgulho, de não ter titubeado, de não ter cedido às propostas que aconteceram. A vida poderia ter sido mais fácil, mas eu achei melhor agir assim. Não dava para ser cúmplice. A corrupção ajuda a matar milhões no Brasil, como vai ser cúmplice disso? Eu acho que ser correto sempre vale a pena. Eu não esperava que a contrapartida fosse tão pequena, não ter proteção, me tratarem com descrédito. A verdade é que hoje eu sou um estorvo para a Lava Jato. Eles pensam que eu já cumpri minha parte.

Autor: Jean-Philip Struck e Marina Estarque

Edição: Francis França

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