Devedores de agiotas são agredidos e dívida só cresce

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  • Com taxas de juros acima de 10% ao mês e cálculos de mora particulares que tornam uma dívida impagável os agiotas transformam a vida do devedor em um pesadelo. O dinheiro que parece ser a solução para os problemas o leva ao fundo do poço. 

    Enquanto a dívida só aumenta começam as pressões e ameaças que podem levar o devedor a ser o alvo de agressões, sequestro, cárcere privado e em último caso à morte. O preocupante é o que está por trás da prática da agiotagem, com indícios claros de crime organizado, admite o promotor Sérgio Costa, que atua no Grupo de Apoio e Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

    Ele lembra que os devedores são subjugados, agredidos, seqüestrados e assassinados e em muitos casos os agentes públicos (que atuam na segurança pública e Justiça), que deveriam estar protegendo-os são usados para fazerem as tais "cobranças". 

    Mas a agiotagem por si só é considerada um crime de baixo potencial ofensivo, com pena máxima prevista entre 6 meses a 2 anos de detenção. Quando denunciada, acaba se transformando em uma ação em juizados especiais, com pagamentos de cestas básicas ou serviços comunitários.

    Mas, as denúncias são raras, admite o promotor. Segundo ele, este tipo de crime infelizmente faz parte da cultura do povo. "É como comprar CD pirata. As pessoas sabem que é errado, mas compram", resume. 

    O promotor lembra de um fato que ficou conhecido em Cuiabá há alguns anos quando os cobradores do bicheiro João Arcanjo Ribeiro montaram guarda em um supermercado em que o proprietário devia uma grande quantia a ele. 

    "Ao lado de cada caixa, havia um cobrador de Arcanjo com um malote. Eles recolhiam ao longo do dia o dinheiro dado pelos clientes em compras, na hora do pagamento. Uma situação constrangedora, inclusive para os clientes", lembra o promotor.

    A lei que enquadra a agiotagem como crime data de 1951 e vai completar 60 anos. "Obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes)". Na opinião do delegado Luís Fernando Arantes, do Centro Integrado de Segurança e Cidadania (Cisc) Verdão, na Capital, seria necessário uma mudança na lei, com penas mais severas para este tipo do crime contra a economia popular. "Mas se vê que não existe este interesse por parte dos legisladores".

    Arantes confirma que a agiotagem, infelizmente, faz parte da cultura do povo brasileiro, que só procura a Polícia quando sente-se ameaçada pelas cobranças da dívida. 

    Quando ele formaliza a denúncia da ameaça, nem sempre a dívida é relatada em uma primeira conversa. A motivação pela dívida acaba sendo revelada ao longo do inquérito. Normalmente os casos são remetidos para os juizados especiais, enquadrados no crime de "exercício arbitrário das próprias razões", quando um acordo entre devedor e credor são feitos, normalmente com a redução do juro para a quitação da dívida, que é o objetivo principal do reclamante.

    Agiotas e agiotas

    O termo agiota é pesado. Mesmo quem "desempenha" a função, prefere ser chamado de empresário. Outros, nem se consideram agiotas. São pessoas comuns, funcionários públicos, pequenos e grandes comerciantes que optam por fazer o patrimônio crescer pela agiotagem. 

    É um meio bem lucrativo e atraente. A agiotagem, como lembra o promotor Sérgio Costa, só traz benefício a quem empresta o dinheiro, que "usurpa" os últimos recursos daqueles que normalmente já está no limite do endividamento. 

    Mas, pondera que grande parte dos endividados está nesta situação por tentar manter um padrão de vida que não corresponde aos seus rendimentos. Raramente os empréstimos com agiotas acontecem por situações emergenciais. 

    "As pessoas normalmente já estão endividadas com outros financiamentos de cartões de crédito, prestações de veículos ou imóveis e como não conseguiriam mais dinheiro junto as instituições financeiras procuram os agiotas. Mas o que poderia ser a salvação para quem está se afogando em dívidas é apenas mais uma tomada de ar para que se afunde definitivamente", argumenta o promotor.

    Os agiotas são figuras presentes em repartições públicas, que emprestam para "colegas" ou pequenos comerciantes que por intermédio de indicações concedem os empréstimos. Para quem quita no prazo determinado, normalmente não há problemas, exceto a cobrança abusiva de juros, com concordância do devedor que ainda aponta o agiota como "salvador da pátria".

    É o caso do vendedor R.D., 46. Mais uma vez, teve que recorrer a um empréstimo para um agiota. É um taxista que lhe emprestou R$ 600. A modalidade de pagamento é simples: durante 24 dias ele vai pagar diariamente R$ 30 para o credor. 

    Sem perceber, ao final do prazo terá pago R$ 720. Em menos de 30 dias ele vai pagar 20% de juros sobre o empréstimo e ainda está satisfeito com o acordo.

    Mas, não só de pequenos empréstimos vivem os agiotas. O promotor Sérgio Costa lembra que o "negócio" lucrativo funciona sob a fachada de factorings, lojas de compras de ouro e até construtoras que aproveitam do negócio "legal" para receber os clientes aptos por dinheiro, a juros altos. Nestes casos, o cliente só vem por recomendação de outro cliente e com comprovantes de bens materiais. Normalmente o empréstimo é selado com a entrega de escrituras de imóveis, com valor superior ao valor do empréstimo, joias ou documentos de veículos. 

    Então, é comum após cálculos fabulosos as dívidas se tornarem impagáveis. A dívida exorbitante, aliada a uma grande pressão de cobradores coloca estes bens nas mãos do agiota e na maioria das vezes faz com que as vítimas dos "cobradores" se calem e até mudem de endereço depois de passarem por torturas psicológicas e agressões. Poucos formalizam as denúncias, por puro constrangimento ou medo.

    Envenenado

    Foi o caso de uma das vítimas de um agiota em Campo Verde (140 km ao Sul de Cuiabá), que decidiram denunciar as cobranças e ameaças truculentas que chegaram ao envenenamento de um cão de uma delas. 

    A ação da quadrilha em municípios da região sul do estado resultou em mandados de prisão contra 15 pessoas, sendo que 6 delas atuavam diretamente nas extorsões realizadas mediante violência e apoio aos empresários e aos agiotas. Um oficial de Justiça e um agente prisional faziam parte do grupo.

    A operação "Cobrador" foi desencadeada pelo delegado Fernando Vasco Spinelli, de Campo Verde. Ele disse que depois da operação, o principal agiota que agia no município deixou a cidade. Lembra que tão logo surgiram as primeiras denúncias, novas vítimas tiveram a coragem de procurar a Polícia e relatar as ameaças e extorsões. 

    Todas diziam que tiveram o patrimônio tomado pelo grupo com dívidas que nunca acabavam. No interior, o delegado lembra, que os agiotas têm hábito de forjar contratos de compra e venda, principalmente de grãos. Com estes contratos chegam a ajuizar ações contra os devedores. Neste caso caberá a vítima do empréstimo comprovar em juízo a usurpação.

    Juizado

    Em 12 anos de atuação no Juizado Especial Criminal de Cuiabá, o promotor Roosevelt Pereira Cursine garante que passaram por ele no máximo 6 ações por crime de usura (agiotagem). 

    Não significa que elas não ocorram, garante, pois em muitas ações de exercício arbitrário das próprias razões, quando a vítima denuncia a invasão da residência e a retirada de bens, inclusive veículos, ela admite que tinha uma dívida com a outra parte. 

    Mas, nunca confirma que a dívida é com um agiota. "Muitas pessoas tem vergonha de dizer que pegaram dinheiro com agiotas e acredito que outras, por ignorância, acabam sendo intimidadas por ele e tem medo inclusive de serem processadas caso façam a denúncia", argumenta o promotor.

 
 

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