O processo de divórcio do desembargador Dirceu dos Santos,
do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), revelou um patrimônio pessoal que
a sua ex-mulher, a servidora pública Márcia Amâncio de Souza da Silva, avaliou
preliminarmente nos autos em R$ 18 milhões. A cifra representa 360 vezes
mais que o valor líquido médio de R$ 50 mil que o desembargador recebeu por mês
desde dezembro de 2017, quando o TJMT adotou a prática de fazer o pagamento de
pessoal em duas folhas, uma corrente e outra complementar.
Embora esteja acima do teto do funcionalismo determinado
pela Constituição, que é o da remuneração dos ministros do STF (pouco menos de
R$ 40 mil), a prática dos “supersalários” não é exclusiva do estado de Mato
Grosso e é difundida pelo país afora. Alegando que a determinação constitucional
requer regulamentação, órgãos públicos de todos os poderes – incluindo o
Ministério da Economia – a descumprem.
Até a adoção das duas folhas, os proventos líquidos de
Dirceu dos Santos totalizavam perto de R$ 29 mil. Ou seja, 620 vezes menos do
que o patrimônio que a ex-esposa lhe atribui. Considerando 13º salário, R$ 18
milhões é a soma do que é pago em 47 anos e oito meses a alguém na faixa
salarial líquida de R$ 29 mil.
Dirceu, que se tornou juiz em 1990, exerce o cargo de
desembargador desde agosto de 2011, ou seja, há nove anos. Conforme a
ex-mulher, a fortuna de Dirceu dos Santos inclui fazendas, terrenos em
condomínios de luxo, apartamentos em áreas nobres de Cuiabá, veículos,
investimentos financeiros e uma casa em Winter Garden, cidade da Flórida
(Estados Unidos) localizada na região de Orlando.
Segundo documento juntado ao processo, a casa na
Flórida – avaliada por Márcia em R$ 1,6 milhão – foi adquirida em 27 de março
de 2019, antes da partilha de bens com a ex-mulher.
No processo, a defesa também anexa uma conversa em
aplicativo de mensagem como prova da aquisição do bem. “Boa noite. Pronto
estou divorciado, mas é segredo pra todos. Tá tudo certo, O ANDREA mandou o
novo contrato já assinei. No banco também assinei digital”, diz trecho da
mensagem enviada pelo desembargador a um representante nos Estados Unidos.
Márcia Amâncio de Souza afirma que o desembargador é o real
proprietário da empresa M.S. Comércio de Pizzas e Massas Pré-assadas, empresa
da qual ele não consta oficialmente como sócio. Ela informou em juízo que a
pizzaria contabilizou um lucro de R$ 800 mil no ano passado e está em
registrada em nome da “concubina” de Dirceu.
O desembargador também é dono, conforme a ação, de um
apartamento de R$ 1 milhão no bairro Duque de Caxias, região nobre de Cuiabá.
Na descrição da relação de bens, o apartamento no edifício Vila Real foi
adquirido “por permuta” em conjunto com o deputado estadual Faissal Kalil
(PV).
Faissal trabalhou no gabinete de Dirceu entre 2017 e 2018.
Em 2018, foi eleito deputado estadual e tomou posse no ano seguinte. Em sua
declaração de renda entregue à Justiça Eleitoral não consta o apartamento
citado no processo de divórcio.
Márcia entrou com ação de dissolução do divórcio por
considerar que a primeira partilha dos bens foi feita de maneira irregular, em
um momento em que ela passava por problemas psicológicos. Ela cita, a título de
exemplo, que ficou com três imóveis rurais avaliados em R$ 1,8 milhão, ao passo
que o desembargador ficou com outros quatro imóveis, avaliados em R$ 3,7
milhões.
O advogado Manoel Ornellas de Almeida, que representa
Márcia, estranha a rapidez com que o divórcio foi formalizado. O desembargador
Dirceu apresentou a petição inicial do divórcio litigioso em 26 de março de
2019, concedida dois dias depois pelo juiz Sérgio Valério, da 2ª Vara da
Família da Comarca de Cuiabá. No dia 1º de abril, foi juntado ao processo
ofício encaminhado pelo notário atestando a extinção do casamento no registro
civil.
O advogado também lamenta o fato de no primeiro processo os
advogados representantes do desembargador terem calculado o valor da causa em
apenas R$ 1 mil, decisão que, segundo Manoel Ornellas, pode ter causado “rombo
aos cofres públicos”. No pedido de dissolução do divórcio, o advogado sugere dar
a causa o valor de R$ 7 milhões, em consonância com os bens em
litígio.
A defesa alega que o desembargador sonegou bens que havia
adquirido com sua ex-mulher. “Entre eles estão aqueles que foram omitidos
para disponibilidade após a efetivação do apressado divórcio, a fim de compor
um patrimônio fora do acervo pertencente ao casal, talvez em benefício da união
concubinária”, diz a ação.
O advogado pede a anulação da separação, além da proibição
do desembargador de vender quaisquer de seus bens, como fazendas, reses,
apartamentos, veículos e outros que compõem a fortuna. No pedido de
dissolução do divórcio, o advogado fala de bens que não foram arrolados no
primeiro processo e cita um crédito de R$ 200 mil que o desembargador tinha a
receber da corte mato-grossense por conta de “verbas salariais atrasadas”.
Ornellas pede que em caso de pagamento futuro desse crédito a ex-mulher receba
50% do valor.
De acordo com processo de precatório obtido pela reportagem
do Congresso em Foco, o valor que Dirceu dos Santos tem a receber do TJMT é bem
maior. O processo de número 4341-08.1996.811.0041 mostra que, ao todo, o
tribunal deve R$ 494 mil ao desembargador.
Em meados de 2004, Dirceu dos Santos solicitou em juízo o
pagamento, em conjunto com o atual presidente do TJMT, Carlos Alberto Alves da
Rocha, que requereu R$ 502 mil. Por causa do desconto de Imposto de
Renda, Dirceu dos Santos recebeu a primeira parcela do precatório no valor de
R$ 178 mil. Porém, em decisão de março deste ano, o juiz Carlos Alberto de Campos
da 4ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá decidiu
retirar o desconto e o valor aumentou para R$ 238 mil.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) recorreu mais de uma
vez contra decisões pelo pagamento do precatório a Dirceu dos Santos. O
primeiro recurso foi ao próprio Carlos Alberto Alves da Rocha, presidente do
TJMT. A PGE alegou que o precatório foi prescrito e que só foi notificada em
2017 sobre a ação. O presidente do tribunal negou o pedido e os valores foram
liberados para pagamento.
“SE TIVER FORTUNA, É MINHA”
O desembargador Dirceu dos Santos afirmou que o assunto é
familiar e que corre em segredo de justiça, e que sua ex-mulher não se conforma
com o divórcio, “falando algumas coisas indevidas”. “Eu
não tenho nada a declarar. Tudo que tenho está declarado na Receita Federal, no
Imposto de Renda”, disse reafirmando que o processo corre em sigilo.
“Se eu tiver uma fortuna, ela é minha. Eu a produzi. Se
eu não tiver, o problema é meu. Os invejosos que se calem”, finaliza.
Já o deputado estadual Faissal Calil nega que tenha
adquirido o referido apartamento com o magistrado. Ele afirma que não existem
quaisquer provas de que o imóvel esteja em seu nome.
O advogado Manoel Ornellas, representante da ex-mulher,
também foi procurado pela reportagem, mas disse que não se manifestará sobre o
assunto porque o processo está em sigilo.
Folhamax