BRASÍLIA – A prefeitura do Rio conseguiu liminar na Justiça que a autoriza a quitar a dívida com a União, considerando a lei que muda a cobrança de Estados e municípios, sancionada por Dilma Rousseff em novembro, mas ainda não regulamentada. Na sequência, a presidente afirmou que seria “inconsequente” assumir essa despesa agora. Como resposta, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB -RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), deram prazo de 30 dias para a regulamentação.
“Agora o governo federal não pode dizer para vocês – porque seria uma forma absolutamente inconsequente da nossa parte – que temos espaço fiscal para resolver esse problema, mas estamos dentro da lei, procurando resolver essa questão com acordo com os Estados, até porque isso é um problema momentâneo. E com todos esses Estados temos parceria estratégica, principalmente com o Rio”, afirmou Dilma, na assinatura da medida provisória que define a política de valorização do salário mínimo até 2019.
“Nós estamos fazendo um imenso esforço fiscal. Agora nós não podemos fazer essa despesa, não temos condições de fazer essa despesa agora. Obviamente assim que melhorar, teremos todo o interesse em resolver esse problema”, disse a presidente. Mais cedo, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, também havia destacado o ajuste fiscal e afirmou que um entendimento passaria pelo Ministério da Fazenda. “Compete ao ministro Joaquim Levy nas conversações construir o entendimento com os prefeitos”, disse. Ele destacou ainda que a legislação atinge sobretudo as cidades do Rio e São Paulo.
R$ 5 bilhões de diferença. A prefeitura do Rio foi a primeira a ingressar na Justiça para pedir o cumprimento da lei que altera o indexador das dívidas. A 30.ª Vara Federal concedeu liminar que permite a redução da cobrança. Com a decisão, o saldo devedor do Rio passa de R$ 6,2 bilhões para R$ 1,2 bilhão. Descontando-se o que foi pago ao longo dos anos, ficaram faltando R$ 29 milhões para a quitação e a prefeitura ficar livre para contrair empréstimos. Esse valor já foi depositado em juízo ontem. “O tempo de agiotagem acabou por iniciativa da presidente Dilma”, afirmou o prefeito Eduardo Paes (PMDB).
“Não podemos abrir mão de recursos que nos pertencem. Isso não é batalha política. Entendo que o ajuste fiscal é necessário e fundamental, mas não dá para querer botar na conta dos municípios. Essa lei foi encaminhada pelo Ministério da Fazenda, aprovada pelo Congresso e sancionada sem vetos pela presidente”, afirmou Paes.
Na tentativa de negociar uma solução para a crise, o prefeito jantou nesta segunda-feira, 23, em Brasília, a convite do vice-presidente Michel Temer (PMDB), com o ministro Joaquim Levy, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o líder de seu partido na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). Não houve acordo. “A comida estava boa, mas o resultado foi ruim. A presidente Dilma é minha aliada. Não pensem que o fato de o prefeito entrar com ação contra o Tesouro Nacional significa qualquer tipo de ruptura política com a presidente. Continuarei sendo aliado dela, que é uma grande parceira do Rio, mas tem horas em que há questões institucionais.” O Estado apurou que não está em pauta ação similar à de Eduardo Paes na esfera estadual. A dívida do Estado do Rio é de R$ 51,6 bilhões, com prestações mensais de R$ 315 milhões.
Paes disse ainda que já conversou sobre a questão com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). Segundo ele, a dívida do Rio representa 40% da receita corrente líquida. Em São Paulo, essa proporção chega a 300%. O prefeito paulistano também busca formas de cobrar a sanção (mais informações nesta página).
Congresso. Com a polêmica envolvendo Estados e municípios, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, se reuniram e anunciaram que darão um prazo de 30 dias para que o Executivo regulamente o novo indexador das dívidas.
Segundo Cunha, ficou acordado que Câmara e Senado vão votar uma alteração na lei aprovada no ano passado, para que a União faça os aditivos contratuais que tem de fazer e passe a cumprir efetivamente o que diz a norma. Na prática, haveria perdas para a União. “Ninguém quer mudar a lei, ela já foi sancionada pela presidente da República, então tem de ser executada. Como o governo não está executando, isso praticamente vira uma interferência do Poder Executivo no Poder Legislativo. (Dilma) Poderia ter vetado. Se sancionou, nós queremos que seja ela seja cumprida”, disse Eduardo Cunha.
Para Renan, apesar de o governo adiar a regulamentação para não prejudicar o ajuste fiscal em curso, a atitude é, na verdade, um “desajuste”. “Como você pode punir Estados e municípios a continuarem pagando uma taxa de juros escorchantes da década de 1990? Quando você obriga Estados e municípios a fazer isso, você os obriga a tirar recursos dos salários, dos investimentos, da saúde, da segurança, da educação”, afirmou.
Segundo o presidente do Senado, esse será apenas o primeiro item do que chamou de “pauta expressa” combinada entre as duas Casas, que deve incluir também projetos relativos à reforma política. “O Congresso é independente e não há outra coisa a fazer neste momento a não ser acentuar a independência do Congresso.” / CLARISSA THOMÉ, FELIPE WERNECK, RAFAEL MORAES, EDUARDO RODRIGUES, ISADORA PERON, ERICH DECAT, RICARDO DELLA COLETTA, RAFAEL MORAES MOURA e LISANDRA PARAGUASSU