Além do primeiro nome, há outra coisa que os deputados Carlos Zarattini (PT-SP) e Carlos Marun (PMDB-MS) têm em comum: ambos são críticos de alegados excessos da Lava Jato e do Ministério Público Federal (MPF).
Seus partidos se tornaram adversários ferrenhos desde o impeachment de Dilma Rousseff, no ano passado, mas possuem em comum iniciativas de interesse da maior parte da classe política.
Os senadores devem votar nesta terça-feira se mantém ou não o afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) de seu mandato.
A decisão foi tomada por três dos cinco ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no fim de setembro. Mas a tendência é de que o político mineiro consiga os 41 votos necessários para retomar o mandato e o direito de circular pelo Congresso – algo que tinha sido proibido pelo STF.
Senadores petistas disseram à imprensa nos últimos dias que o partido deve votar contra o retorno de Aécio.
Mas quando o STF determinou o afastamento do tucano, petistas como o senador Jorge Viana (AC) discursaram na tribuna criticando a decisão. O partido se juntou a bancadas governistas na pressão contra o afastamento.
Pressionado, o plenário do Supremo voltou atrás na semana passada e decidiu que cabe ao Congresso dar a última palavra sobre medidas que afetem os mandatos dos parlamentares.
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Desde o impeachment de Dilma, em meados de 2016, políticos de centro e de direita passaram a vocalizar com mais frequência opiniões críticas à Lava Jato e aos procuradores do Ministério Público Federal. O último exemplo é o parecer do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) à denúncia contra Michel Temer, apresentado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
A peça de 33 páginas é repleta de críticas à Lava Jato.
Assim, preocupações com o excesso de conduções coercitivas e prisões preventivas, com o vazamento de informações sigilosas e outros alegados pontos negativos da operação passaram a ser compartilhadas por governistas e por setores da oposição.
Os partidos que dão sustentação a Temer convergiram na retórica com o PT – crítico desde sempre da Lava Jato.
A BBC Brasil relembra e detalha outras cinco situações nas quais governo e oposição deixaram a disputa partidária de lado em nome de um interesse em comum: a autopreservação e o combate a alegados excessos da Lava Jato e do MPF. São elas:
- A instalação da CPI Mista para apurar irregularidades na delação da JBS (setembro de 2017);
- Votação no Senado do projeto de lei endurecendo as regras contra o abuso de autoridade (abril de 2017);
- Manobra contra o afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado (dezembro de 2016);
- Alterações e posterior arquivamento do pacote das “Dez Medidas Contra a Corrupção” do MPF (novembro de 2016);
- Tentativa de “anistiar” o caixa-dois eleitoral no plenário da Câmara (setembro de 2016).
#SomosTodosRenan
Embora a situação não seja exatamente a mesma da de Aécio Neves, há pelo menos um precedente no qual senadores de vários partidos se juntaram para ajudar um colega que foi alvo da Justiça. No início de dezembro passado, Marco Aurélio Mello (do STF) atendeu um pedido da Rede Sustentabilidade e afastou Renan Calheiros da Presidência do Senado – mas não do mandato.
A decisão veio na esteira de uma ação judicial na qual Renan se tornou réu, em um caso sem relação com a Lava Jato. O processo ainda não foi julgado e o alagoano nega irregularidades. Para Marco Aurélio, um réu não poderia ocupar cargo que está na linha sucessória da Presidência da República, como é o de presidente do Senado.
Na época, o vice da Casa era o senador Jorge Viana (PT-AC). Ele assumiria o comando se o peemedebista fosse deposto. O petista, porém, defendeu que Renan continuasse no posto. O alagoano, por sua vez, não assinou a notificação do afastamento, anulando na prática a decisão de Marco Aurélio. Dois dias depois, o plenário do STF derrubou a decisão do ministro, que era provisória.
Da CPI da JBS à anistia ao caixa dois
No começo de outubro, a CPI mista (com deputados e senadores) da JBS ouviu o advogado Willer Tomaz de Souza. Personagem das investigações em torno da empresa de Joesley e Wesley Batista, ele chegou a ser preso por ordem do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
O depoimento, sigiloso, foi repleto de acusações contra o ex-procurador-geral, segundo noticiaram os jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico. O próximo a ser ouvido é o procurador Angelo Villela, com depoimento marcado para esta terça-feira. Ele já deu declarações públicas contra Janot.
Até agora, esta tem sido a tônica da CPI da JBS: figuras ligadas à gestão de Rodrigo Janot e à própria JBS foram convocadas ou convidadas a falar, mas não os políticos delatados pelos irmãos Joesley e Wesley. O relator, Carlos Marun, disse que a CPI não deve ser “palco de confronto entre governo e oposição”, e por isso as convocações de políticos estão sendo evitadas.
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Uma convergência de opiniões e interesses parecida ocorreu no plenário da Câmara dos Deputados, em novembro passado. Os deputados levaram ao plenário – e modificaram – o pacote das dez medidas contra a corrupção apresentado pelo Ministério Público Federal.
Das dez medidas, só quatro ficaram de pé no fim da sessão em plenário, segundo o relator à época, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
O pacote de medidas do MPF continha vários pontos que foram considerados controversos. Entre eles a criação de um “teste de integridade” para servidores públicos e a possibilidade de empregar em juízo provas de origem ilícita, desde que obtidas de boa-fé. Estes dois pontos foram criticados até por um representante da Polícia Federal em uma audiência na Câmara, em outubro.
“Pode-se dizer que alguns setores se juntam para a própria sobrevivência. Quando o interesse comum atinge a própria sobrevivência, como foi nas Dez Medidas, (governo e oposição) não têm o menor pudor de se juntar”, afirma o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).
Delgado foi um dos deputados que se opôs aos encaminhamentos para modificar as Dez Medidas.
Propostas para endurecer a punição a funcionários públicos corruptos, para dificultar a prescrição de crimes do colarinho branco e para responsabilizar os partidos políticos envolvidos acabaram removidas, por exemplo. Além disso, os deputados incluíram um texto que facilitava a punição a juízes e procuradores por crime de abuso de autoridade.
Este último ponto foi apresentado pela bancada do PDT (de oposição) e apoiado por partidos governistas.
Em abril deste ano, foi a vez dos senadores aprovarem a sua própria versão de um projeto de lei endurecendo a punição ao crime de abuso de autoridade. O projeto foi relatado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR). O peemedebista é um crítico frequente do governo Temer e da Lava Jato.
O relatório de Requião acabou aprovado no Senado por 54 votos a 19 – houve apoios em toda as siglas. A proposta foi enviada à Câmara, onde permanece parada.
Antes, em setembro de 2016, os deputados levaram a plenário uma proposta cujo objetivo era “anistiar” o caixa dois eleitoral. Uma proposta de 2007 “apareceu” na pauta do plenário da Câmara numa segunda-feira, dia tradicionalmente vazio. Parlamentares do PMDB, PSDB, PT, PR e PP participaram das conversas para realizar a votação. Diante da gritaria da opinião pública, acabaram recuando.
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“Era uma segunda-feira à tarde. O plenário estava vazio, e o deputado Beto Mansur (PRB-SP) estava comandando a sessão. Pediu para começarem a ler um projeto que não tinha nem número e nem autor. E aí ficamos sabendo que tinha tido uma reunião de vários líderes, de vários partidos, para costurar uma proposta que anistiava o caixa dois”, conta o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
Valente, Miro Teixeira (Rede-RJ) e outros deputados contrários ao texto começaram a criticar a proposta na tribuna. “Chamou a atenção da imprensa, e eles resolveram tirar o projeto de pauta. Mas, foi algo costurado a muitas mãos, de governo e de oposição”, diz Valente.
Alguns meses depois, o tema voltou a ser discutido quando a Casa discutiu o pacote das “Dez Medidas”. À época, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e outros deputados argumentaram que não poderia haver “anistia” para algo que, a rigor, não era crime.
Corporativismo ou defesa do Estado de Direito?
“Este movimento mais amplo de resistência das burocracias partidárias, de oposição e de situação, é algo que não ocorre só no Brasil. Ocorreu também na Itália da operação Mãos Limpas e em outras partes também”, avalia José Robalinho, procurador da República e presidente da Associação Nacional dos Procuradores (ANPR).
Robalinho, porém, faz uma ressalva. “A coisa é mais complicada quando a gente vê os detalhes. Pois em todos os partidos há também nomes que não aceitam esse tipo de solução”, pondera Robalinho.
Ele cita dissidências no próprio PSDB que apoiaram o adiamento da votação sobre o afastamento de Aécio Neves.
Em público, parlamentares do governo e da oposição rechaçam a tese do “acordo contra a Lava Jato”.
“Não fizemos acordo com ninguém, ainda mais com um partido que nós estamos tentando tirar da Presidência da República, que para nós está nas mãos de um chefe de quadrilha”, diz o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
Para Pimenta, falar em “acordo” é uma “redução do papel do Parlamento”.
“É uma posição que nós sempre tivemos, a de defender o devido processo legal, o pleno direito de defesa. Dizer que é só contra a Lava Jato é simplório. A Lava Jato está ‘se achando’ ao pensar que vamos mudar a legislação do país só em função da operação”.
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Para o petista, o discurso do “acordo anti-Lava Jato” atende a interesses de procuradores e juízes que querem perpetuar os próprios privilégios.
“O espírito de corpo (ou corporativismo) é uma coisa que sempre existiu no Congresso. Mas agora ficou mais evidente”, diz o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), agência de lobby que representa as centrais sindicais em Brasília.
“A oposição, em regra, age com base na ‘ética da convicção’. Mas há situações em que a ‘ética da responsabilidade’ substitui aquela da convicção”, diz Queiroz, citando conceitos do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920).
“É o que está acontecendo neste momento, em que praticamente não há divergência sobre ir contra algumas ações do MPF”, completa o analista, que é especializado no acompanhamento do Congresso.
Já o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), um dos principais defensores de Temer no Congresso, também nega que exista qualquer conspiração contra a Lava Jato. “Estas não são questões onde existam um lado (da oposição) e outro (do governo). Não é como a (emenda constitucional) do teto de gastos, não é como a reforma da Previdência”, diz.
“A grande questão é que o parlamentar depende da existência do Estado de Direito. A imprensa também, embora não dê valor. Quando você interroga, como eu interroguei, uma pessoa que ficou 76 dias presa sem nem sequer ser ouvida, não tenho como não me indignar. Essa indignação independe de se você é oposição ou situação”, afirma ele, em referência ao depoimento de Willer Tomaz na CPI da JBS, da qual é relator.