A Judicialização da saúde, termo amplamente usado pelos secretários estaduais de Saúde, na tentativa de se isentarem de qualquer culpa pela má administração dos recursos públicos, não é nenhuma novidade para a Defensoria Pública, órgão que diariamente atende dezenas de pacientes no Estado, que desesperados vão em busca de amparo para conseguir na Justiça, o direito à saúde pública que na prática não existe. São pedidos de vagas em UTIs, medicamentos de alto custo, cirurgias das mais variadas complexidade.
São dezenas de atendimentos diparios na Defensoria em busca demandas na área da saúde |
Defensor público especializado em direitos da Saúde, Carlos Gomes Brandão atua há 10 anos no núcleo do órgão em Cuiabá e discorda dos argumentos usados pelos gestores públicos. Ele, aliás, nem acha correto utilizar o termo judicialização, pois explica que o paciente só recorre à Justiça após esgotadas todas as tentativas possíveis de conseguir atendimento. Ressalta que somente em Cuiabá, ele realiza por mês cerca de 250 atendimentos e após filtrar os casos mais graves e urgentes, pelo menos 50%, ou seja, 125 viram processos na Justiça em busca de liminar.
Mas o problema é que o Estado não cumpre, segundo ele, 80% das liminares, obrigando o assistido retornar à Defensoria para ser solicitado o pedido de bloqueio das contas para garantir o cumprimento da ordem judicial e a compra de medicamentos, ou custeio de cirurgias e leitos de UTIs na rede privada.
Acompanhe os principais trechos da entrevista
Gazeta Digital – Recentemente, num encontro com conselheiros estaduais de Saúde, o secretario Mauri Rodrigues de Lima, afirmou que a falta de recurso para compra de medicamentos é reflexo da judicialização da saúde que acontece em Mato Grosso. O senhor concorda com esse argumento?
Carlos Brandão – Na verdade essa questão é muito complexa e há tempos vem sendo discutida, mas sem chegar a um consenso. Estive participando há pouco tempo de um seminário desenvolvido pelo Conselho Nacional de Saúde com a participação de especialistas do Ministério da Saúde, dos Conselhos Federais de Medicina, da Defensoria Pública, do Ministério Público e do Judiciário. Foram 3 dias de discussão e não se chegou a nenhuma conclusão definitiva, se a questão que eles [gestores] chamam de judicialização, acarreta ou não impacto significativo no orçamento público. Também não ficou definido se o que eles chamam de judicialização é de fato uma judicialização.
O que nós estamos dizendo é que está transferindo toda a responsabilidade da gestão da saúde pública para o Judiciário que está, de certa forma, intervindo nisso em uma quantidade tão grande que eles podem chamar de judicialização como se fosse uma epidemia. Não acho certo o termo judicialização e muito menos eu poderia concordar com quem afirma que a culpa pela falta de medicamento é do que eles chamam de judicialização. Para se ter uma ideia, o problema não é só falta de medicamento. Na gestão anterior do Blairo Maggi quando o Marcos Machado [hoje desembargador] era promotor de Justiça à época entre 2005 e 2006 e estava como secretário de Saúde, ele criou alguns protocolos estaduais para o fornecimento, pela via administrativa, de medicamentos que não faziam parte das listas oficiais do SUS, daquelas que vem dinheiro do Ministério da Saúde para o Estado administrar e comprar os remédios.
Welington Sabino Defensor Carlos Gomes Brandão que caos na saúde é reflexo de má gestão |
Então deu uma diminuída nas demandas da saúde. Naquela época quase não faltava medicamentos que deveriam ser fornecidos regularmente pelo Estado porque tinham os protocolos oficiais que asseguram seu fornecimento. Passados uns 2 anos depois que o doutor Machado saiu daquela gestão ai começou a haver falta desses medicamentos, já daqueles protocolos que o Estado criou e comprometeu a assegurar para os pacientes. Mas ai piorou e começou a faltar desde então, isso de 2008 pra cá, os medicamentos padronizados. Isso virou uma gangorra, às vezes faltava e outras vezes não.
GD – O que significa a Portaria 172 classificada pelo atual secretário como a “maldita portaria 172” que vem, segundo ele, prejudicando a secretaria como um todo?
CB – É uma portaria estadual criada no ano de 2010, pelo então secretário de Saúde Agostinho Mouro e secretário-adjunto que depois virou secretário titular da pasta, doutor Vander Fernandes. O objetivo era também evitar o que eles chamam de judicialização com relação aos medicamentos que não estavam inclusos na lista do SUS. Ela passou a permitir que quando o médico prescreve um remédio que não tem na lista do SUS e ele preenchendo um formulário específico com um laudo justificando o porquê que não pode usar aquele remédio do SUS, um médico regulador ia analisar e dizer se fornecia ou não.
Quando o paciente entra pela Portaria 172 e obtém um parecer favorável, ele está tendo o aval de um médico regulador lá da Farmácia de Alto Custo. Então quer dizer é o médico do SUS que concordou com o médico que prescreveu o medicamento e o Estado se compromete a fornecer. Começaram a fornecer, deu uma diminuída na demanda por medicamentos entre 2010 e 2011.
A gente tinha cerca de 80% da demanda da saúde aqui na Defensoria por remédios que caiu para em torno de 20% depois da portaria de 2010 até o início de 2012. A demanda então passou a aumentar em outras áreas. Mas ai o que aconteceu foi o seguinte: o Estado deixou de fornecer os medicamentos da Portaria 172, você entra com o protocolo e eles não dão resposta, ou dão respostas, mas dizendo que não tem o remédio e nem existe previsão de quando vai chegar.
E por incrível que pareça voltou a faltar novamente os medicamentos oficiais, aqueles que vêm recursos federais, aqueles que perderam no estoque lá do Ipas que estava administrando. Então quer dizer, esses medicamentos que têm que ser comprados regularmente, que tem programa do governo federal, do governo estadual, também começaram a faltar resultando na demanda que eles chamam de judicialização. Hoje essa demanda por medicamentos já está em torno de 50% das nossas ações. Quer dizer, antes era 80%, caiu pra 20% e agora volta a subir de novo em 2012.
GD- Na opinião do senhor, por qual motivo o secretário está tentando atribuir a culpa pela crise vivenciada na saúde pública de Mato Grosso à judicialização?
CB – É difícil dizer o que se passa na cabeça do secretário, mas o que existe é o seguinte: quando acontece uma situação como essa e a culpa recai sobre a judicialização da saúde isso precisa ser demonstrado em números. Isso precisa ser demonstrado dentro do orçamento do Estado aquilo que foi efetivamente aplicado na área da saúde, quanto que representou isso em termos numéricos, valor global, em percentual. Da demanda na área da saúde em termos de medicamentos, aquilo que a judicialização implicou em aumento de custos.
Agora eu penso o seguinte: Se isso implicou em aumento de custos e eles já estão acostumados com isso, pois só na Defensoria eu estou desde 2004 e sempre lidei com isso, o certo seria, se eles já têm uma ideia de quantos por cento representa de gasto no orçamento é só incluir no orçamento do outro ano. Ao invés de esperar a judicialização para comprar com custos mais altos, segundo ele, já tem o orçamento previsto que sabe: olha aumentou em tanto a demanda de medicamentos na área da saúde porque a população está em busca de tratamento que o SUS não está cobrindo. Então ele tem que se programar pra isso.
GD – O senhor acredita então que o problema é falta de gestão, uma vez que não existe esse levantamento com os gastos anuais e demanda de pacientes que necessitam de medicamentos?
MB – Não tenho dúvidas disso porque é uma questão muito simples. Se você tem o salário de x por mês, você tem que saber quanto gasta, se de repente você passa a saber que tem um problema crônico de saúde que vai demandar tantos por cento desse salário x por mês, você tem que planejar sua vida pra isso. Agora como justifica um gestor público dizer que ele não tem conhecimento do gasto que ele tem com medicamento ou qualquer demanda que seja na área da saúde, que é a pasta pela qual ele é responsável? Então, não tenho dúvidas de que é específico de gestão o problema da saúde pública de Mato Grosso.
GD – O secretário Mauri reconheceu que é um problema de gestão, mas de quem comandava a pasta antes dele. Acontece que o governo é o mesmo e o partido que indicou o secretário também. Como o senhor avalia essa alegação?
MB – Eu acho interessante pelo seguinte: eu lido há 10 anos com essa questão da saúde em Cuiabá, e já estive por várias vezes reunido com diversos secretários de saúde e quase toda vez que muda de secretário eles nos chamam para uma reunião para tentar diminuir essa questão da demanda, E a Defensoria está disposta a tentar diminuir, desde que a gente encontre meios alternativos de resolver o problema sem que chegue ao judiciário. E todas as vezes ouvi do secretário que a culpa é da judicialização e que ele não tinha conhecimento do que estava acontecendo e que ia fazer um levantamento e que ia mudar. Mas isso nunca mudou e vem acontecendo paulatinamente nos últimos 10 anos.
Então quer dizer, cada secretário atribui ao gestor anterior a culpa por isso. Muda de gestão e de gestor o templo todo e as mudanças não acontecem. Eu não participo da administração pública e não poderia dizer se eles têm razão ou não. Mas o fato é que se estão certos, é preciso fazer alguma coisa pra mudar. Daí querer culpar a judicialização é algo que eu não concordo.
GD – Existem críticas de que num certo ponto as liminares acabam sendo injustas com uma parcela de cidadãos que também precisam do remédio ou do tratamento, mas não recorreu à Justiça e fica pra trás na fila, pois quem ganha uma liminar tem a preferência. O senhor concorda com isso?
CB – Eu tenho a prática de sempre questionar isso da própria parte que procura a Defensoria Pública. Quando o paciente apresenta um documento simples que não explica se o caso dele é mais urgente, ou se não é, se existe o risco imediato de algum dano, de alguma conseqüência muito severa, peço que ele retorne ao médico dele para explicar isso. Exatamente porque seria injusto entrar com uma ação para ele sem o médico esclarecer qual é o risco dele, pra eu poder dizer ao Judiciário: olha esse cidadão está buscando a Justiça porque ele está com risco de tal forma que pode perder a vida, perder um membro ou uma função e precisa da intervenção do judiciário.
Então, nesse sentido entendo que a liminar não é injusta porque a Justiça determina que aquele cidadão que está correndo um perigo iminente para sua saúde ou para sua vida, algo que pode agravar ao ponto que não dará de resolver mais, que o Estado adote providências para resolver o seu problema. Em nenhum momento a decisão judicial diz que é para furar uma fila ou pra digamos assim, deixar de atender determinadas pessoas. Quando o Judiciário manda conseguir uma UTI é no seguinte sentido: se houver disponibilidade na rede pública é UTI na rede pública e se não tiver disponibilidade que contrate na rede particular. Então ele não manda tirar ninguém da UTI.
GD – Tem casos que o Estado alega ser muito caro um determinado medicamento para ser gasto com um único paciente ao passo que poderia investir o recurso no tratamento de dezenas de outros pacientes, pensar no benefício coletivo. O que o senhor pensa disso?
Welington Sabino Defensor sugere que Estado faça levantamento de quanto eles gastaram esse ano com remédios pela via judicial e com propagandas para a Copa |
CB – Coletivo é algo interessante quando o governo fala né! Eu questionaria o seguinte: Faz um levantamento de quanto eles gastaram esse ano com medicamentos pela via judicial e com propagandas para a Copa do Mundo que vai ter em Mato Grosso. Faz as contas, vai lá, compara isso e depois mostra pra sociedade. O quanto eles gastam com a propaganda deles, do governo, que não é barato. Então quer dizer, tem uma série de questões que eles precisam ver, como por exemplo, obras suntuosas em locais que não precisam. Tem uma série de coisas que a gente precisa refletir antes de dizer que você está deixando de salvar uma vida para salvar outra. A questão é: então você investe da forma correta para que se previna. Nós entramos com ação aqui, por exemplo, para pegar medicamento para câncer, o cidadão demora a ter o diagnóstico, quando ele tem o diagnóstico demora o tratamento, tem uma lei nova para abreviar isso, mas não sei é cumprida. E ai, quando ele vai ter o tratamento o caso já se agravou.
Então o Estado poderia ter economizado lá atrás tratando previamente e deixa pra tratar depois, Ai o cidadão tem que buscar um remédio mais caro porque o que tinha que fazer antes já não dá mais certo. E assim também acontece com as cirurgias ortopédicas que é um caso complicadíssimo. O cidadão sofre um acidente e vai para o Pronto-Socorro, onde não tem equipamento, não tem nada, não tem médico e nem quem faça a cirurgia. Eles dão atendimento precário a ele e depois libera essa pessoa que fica num estado cronificado e ai causa infecção, perda óssea. Quando ele poderia colocar uma prótese simples, precisará colocar uma prótese importada que é muito mais cara. A culpa é do cidadão ou de quem está gerindo a saúde que deveria ter feito isso com antecedência? Eu atendo isso aqui todos os dias. São centenas de pacientes que procuram a defensoria em busca de conseguir liminar para realizar cirurgias ortopédicas. O paciente vai aguardando e a situação dele vai ficando crônica de tal forma que vai demandar um gasto muito maior do Estado para corrigir o problema. Ai o cidadão corrige só pela via judicial.
GD – Então o senhor está criticando e dizendo que é uma questão de escolha de prioridades que o governo faz, e pelo visto a saúde não sido priorizada, é isso?
MB – Eu entendo que é uma questão de prioridade e principalmente de boas escolhas. Se o governo investisse mais em prontos-socorros, pois na Capital tem só um, com mais qualidade no atendimento, mais profissionais, mais recursos para fazer os procedimentos de complexidade, investisse na educação, principalmente do trânsito, na fiscalização mais severa, na questão das motos, por exemplo, uma série de coisas que o governo poderia fazer pra poder diminuir a despesa de um lado e investir na qualidade. Quando você investe na qualidade de uma forma preventiva, se evita que lá na frente isso vá resultar em quantidade.
A maior parte dos pacientes que atendo foram atendidos por médicos do SUS. Se eles vêm dizendo que precisam daquele remédio que foi o médio do SUS que disse e forneceu documento atestando isso, então de quem é a culpa? Ela não pode ser da judicialização. Então a culpa está ai entre a gestão e a medicina. O paciente está certo em nos procurar para ingressar com ação. E a gente faz isso da forma correta, entrando com a documentação adequada, perguntando para o médico se não tem mesmo como substituir o medicamento. E como fazemos isso da forma correta, em torno de 95% das ações que ingressamos na Justiça, os juízes dão a liminar.
GD – Mas a gente sabe que a liminar nem sempre resolve o problema do paciente, pois em grande parte dos casos o Estado não cumpre a ordem judicial. Qual é o percentual de casos em que é preciso a Justiça mandar executar a ordem e bloquear as contas do Estado?
CB – São muitos, hoje está chegando ao absurdo de cerca de 80% dos assistidos retornarem dizendo: olha a liminar não foi cumprida. Até para vagas de UTI e cirurgia cardíaca, de urgência. Então a gente tem que solicitar o bloqueio de recursos que é a medida mais efetiva, mas antes disso, tem alguns juízes que entendem que precisam intimar pessoalmente o secretário de Saúde pra ele poder fazer o cumprimento. Tenho casos de pacientes que trouxeram aqui certidão do oficial de Justiça dizendo que ele não consegue encontrar o secretário de saúde, que de certa forma, tenta se esquivar de ser intimado para cumprir aquela liminar.
GD – Então quer dizer que o paciente precisa contar com a sorte nesses casos, pois se o problema for muito grave, poderá morrer sem ter a ordem judicial cumprida, é isso?
CB – Se for uma situação de muita urgência, ele corre o risco até de a situação piorar e pode até levar a óbito. Agora, a Defensoria quando entra com uma ação, já entra com pedido imediato de bloqueio das contas. A opção de mandar ouvir o secretário é uma questão do juiz de Direito que pra gente não cabe discutir. A gente poderia recorrer, só que é uma situação de tanta urgência e há a morosidade do Judiciário, que se eu recorrer vai demorar mais do que esperar ele intimar o secretário e pedir o bloqueio. É uma situação absurda do ponto de vista, de que estamos falando dos gestores públicos descumprirem decisão judicial da parte de um poder da República que é o Executivo. De descumprir decisão de outro poder que é o Judiciário. É uma questão absurda e no meio de tudo isso está um paciente, uma vida humana. Como cidadão, não é nem como defensor público, eu não consigo entender como é que um gestor público descumpre uma ordem judicial.
GD – Qual é a demanda dos casos que chegam até a defensoria, entre pedido de UTI, cirurgias e medicamentos?
CB – Tenho dados só defensoria de Cuiabá, onde atuo, mas existem também a de Várzea Grande, do interior, o universo de pedidos é bem maior. Hoje a gente atende aqui por dia uma média de 10 a 15 pessoas em busca de algum atendimento de saúde por via judicial. E destes, a metade acaba virando processo judicial. Por mês atendemos cerca de 250 pessoas e a metade, ou seja, 125 resultam em ações. O restante é de pessoas que vêm até a Defensoria Pública, mas na verdade não precisaria recorrer à Justiça.
Então a gente orienta aonde ir, como é quem tem que fazer, acabamos resolvendo o problema deles às vezes telefonando, outras mandando ofícios. Se o secretário mandasse o assessor dele, ou viesse pessoalmente e ficasse sentado aqui observando, iria ver que a gente tenta evitar a judicialização. Se eu fosse mandar pra Justiça tudo o que atendo aqui, ele não tem nem noção da quantidade de ações que iriam pra lá. Eu filtro aquilo que realmente precisa, que tem documentos adequados, que o paciente já tentou os meios corretos e não conseguiu, ai sim a gente recorre à Justiça. Se fosse mandar todos os casos, seria no mínimo 300 ou 350 ações todo mês.
GD – Sobre a perda da enorme quantidade de medicamentos de alto custos que venceram nos depósitos da Farmácia, não é a primeira vez que ocorre, embora dessa vez o caso repercutiu nacionalmente. O senhor tem uma opinião sobre o assunto, por que isso acontece, quem são os responsáveis?
CB – Sim, não é a primeira vez que isso acontece. Naqueles dias que foi divulgada aquela notícia, eu tinha atendido aquele paciente que precisava de suplemento alimentar, que precisava de medicamentos que estavam lá e venceram. Ele foi até aquela instituição [Ipas] que estava gerindo e foi dito que não tinha medicamento no estoque. Não tinha medicamento para o paciente, mas estava perdendo. Eu vejo da seguinte forma: quando o poder público resolve terceirizar parte da responsabilidade, não retira dele o dever de fiscalizar. Então se a culpa é do órgão que foi contratado, eles têm uma responsabilidade direta, mas indiretamente o poder público que é o responsável por toda a pasta, também tem responsabilidade com isso. Ou ele, ou quem é subordinado a ele e deveria fiscalizar. Alguém tinha que fiscalizar isso.
Pelo que sei, o Ipas tinha obrigação de repassar relatório mensal de todos esses medicamentos com prazo de validade para o gestor da Farmácia de Alto Custo. E ele tomando conhecimento disso, que providenciasse a substituição do fornecedor ou a troca com outros estados da Federação que de repente tivesse medicamento com um prazo maior de validade, para distribuir logo. Deveria buscar uma solução para não deixar o medicamento perder. Pra mim a questão agora não é descobrir um culpado e sim evitar que isso aconteça novamente.
GD – Agora ninguém quer assumir a culpa, o governo de Mato Grosso acusa o Ipas que por sua vez se isenta da responsabilidade.
CB – Essa é uma questão que se prova documentalmente. Se o Ipas mandou os relatórios então deve ter comprovantes disso. É uma coisa que eles vão resolver entre eles, do ponto de vista contratual, se o Estado vai ou não continuar contratando, se eles cumpriram com a responsabilidade e se a culpa então é do Estado, do secretário de Saúde que não tomou as providências. Isso é simples de ser apurado, deve ter documentos e isso é o papel das instituições que estão apurando, do Tribunal de Contas do Estado, da União, da Procuradoria do Estado, o Ministério Público também deverá investigar. E esse pessoal deve faltamente chegar até a verdade. Com certeza houve falha dos 2 lados.
GD – O senhor já tem 10 anos de luta na Defensoria auxiliando pacientes a conseguir o direito à saúde e vê várias negativas. Agora que se depara com centenas de remédios vencidos, como se sente?
CB – Me sinto numa situação de impotência. É até difícil dizer o que sinto, porque todos os dias as pessoas voltam na Defensoria dizendo que não conseguiram medicamento, que o Estado não está cumprindo as decisões judiciais. Eu fico é triste mesmo, triste com o sistema em que a gente vive. Eu passo a desacreditar no gestor público e até na Justiça, pois entro com uma ação judicial e o Judiciário não tem força para fazer valer a sua decisão. Que país é esse estamos? Eu fico triste. Indignado. Bastante indignado com essa situação. O que posso fazer é continuar tentando e brigando por isso.
Mas acho que essa questão do Judiciário precisa mudar. O juiz tem que mudar a mentalidade com relação à rapidez nessa tomada de decisão. Por exemplo, chega um pedido aqui e vou atender no mesmo dia e mandar para o Fórum tentando agilizar para conseguir uma liminar, acho que também da parte do Judiciário precisa haver essa resposta rápida e mais eficaz.
O Estado deve deixar de ouvir o secretário de Saúde e bloquear diretamente os recursos, principalmente nos casos que são mais graves, com risco pra vida. Isso não ocorre hoje. Normalmente, eles optam por ouvir o secretário de saúde e só depois então determinam o bloqueio. Com algumas exceções, tem juiz que está indo direto para o bloqueio da conta. Acho que a medida correta seria a determinação do bloqueio, pois no meu ponto de vista, está tomando uma decisão que vai dar muito mais eficácia e garantia de que a ordem será cumprida.