Após um mês de São Paulo, Leão quer mais: “Pena que está acabando o ano”

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Às 7h50, Casemiro e outros atletas já andavam uniformizados pelo CCT da Barra Funda, prontos para o treino que só começaria às 9 horas. O cenário demonstra como o clima do São Paulo mudou no último mês. Contratado em 24 de outubro, Emerson Leão ainda não teve a sequência de vitórias que desejava – foram dois triunfos, três derrotas e um empate até então -, mas alterou o que o presidente Juvenal Juvêncio mais queria ao trazê-lo: o ímpeto dos jogadores.

Não à toa, o técnico, uma hora antes do início das atividades, encontrou a reportagem daGazeta Esportiva.Net  no horário marcado com um aviso. "Vamos, vamos porque 8 horas não é 9 horas". Sempre exaltando seu gosto por discutir futebol, estendeu o tempo combinado e falou por 37 minutos sobre o que já implantou no Tricolor com o mesmo fascínio com que cita o desafio de comandar um grupo jovem e o desejo de prorrogar seu contrato. "Os jogadores estão começando a confiar na equipe", detecta.

Vinculado ao clube até o fim do Brasileiro, o treinador reitera seu trabalho individualizado de recuperação dos atletas, como quis Juvenal. Teve tempo até para poupar Rogério Ceni dos treinos e fazer de Luis Fabiano alvo de suas provocações, recebendo gols como resultado. Com ambos, crê poder conseguir a vaga na Libertadores que "salvaria o ano".

Nas atividades coletivas, vai além dos polichinelos que descontraem seus treinos. Convicto de que, mesmo em caso de discordância, é necessário respeitar os mais velhos e a hierarquia, Leão, aos 62 anos, conta que cria inovações para manter o elenco estimulado – ou até para enganá-lo – e demonstra profunda irritação com quem se recusa a adquirir cultura, sugerindo até dicionário aos comandados.

São as alternativas de alguém que se orgulha por ser um "filho do futebol", detalhista a ponto de parar a entrevista para xingar um falcão e ousado para discursar ao elenco com frases como "cabeça não é para dividir orelha, inteligência e cultura não ocupam lugar e ler um pouquinho não custa nada". "Só os líderes, só os polêmicos resolvem", falou Emerson Leão, entre sorrisos irônicos, neste bate-papo exclusivo.

Fernando Dantas/Gazeta Press
Com só mais dois jogos garantidos no clube, técnico cita como mexeu com o brio de cada atleta neste mês

Gazeta Esportiva.Net: Neste mês no São Paulo, você repetiu bastante que está faltando aos clubes grandes perceber que engatar uma sequência de cinco ou seis vitórias não é tão difícil…
Emerson Leão: Pelo menos não era.

 

GE.Net: Você conseguiu implantar essa ideia aqui? 
Leão: Quando você trabalha com objetivo definido, e não com o momento, tem que pensar a longo prazo. Como se pensa a longo prazo? Faz um planejamento e no dia a dia vai aplicando. Por exemplo: precisamos ganhar cinco seguidas, mas começa da primeira, depois tem a segunda. Não começo da quinta, inventando que tenho capacidade. Posso ter, mas tenho que prová-la no dia a dia.

GE.Net: Faltou isso no Campeonato Brasileiro? 
Leão: Foi geral. Tiveram picos interessantes, de seis vitórias, oito sem perder, daqui a pouco passa quatro sem ganhar… Esses picos, nas grandes equipes, não podem existir. Toda grande equipe tem que ter uma manutenção alta, trabalhar em um limite de porcentagem que vai levá-la sempre ao título. Quem trabalha com 70% chega a qualquer disputa, seja Copa do Mundo, Campeonato Paulista, Brasileiro, tiro ao alvo, cuspe, qualquer um. Com 70%, você está entre os finalistas.

GE.Net: Terminar o ano sem saber se vai para a Libertadores, fora da disputa pelo titulo, é pouco para o São Paulo? 
Leão: Minha ideia está mais do que definida. O ano passado não foi nada? Este ano não tem sido nada? Está na hora de salvar o ano. Só se salva o ano com uma classificação para a Libertadores, o que, para o padrão de grandes equipes, não só do São Paulo, é o mínimo.

GE.Net: Essa geração de jogadores foi condicionada a pensar que ganhar cinco seguidas é difícil? 
Leão: Não posso falar do passado, porque desconheço as maneiras de trabalhar que tinha o São Paulo. Mas a minha mentalidade é essa, meus conceitos são definidos e explico bem. O mais importante é ter um grupo que te acompanha no pensamento. Quando há a possibilidade e a felicidade de fazer parte da construção desse grupo, fica mais fácil. O que posso falar desse grupo? Nada. Hoje (quarta-feira) é 23 (de novembro), amanhã faz um mês que cheguei e é jogo sobre jogo, problemas de ordem médica, disciplinar, que toda equipe tem. Agora, tem perfil e perfil. Alguns gostam de um tipo, outros gostam de outro, mas o alvo principal é o mesmo, sempre.

Fernando Dantas/Gazeta Press
Treinador ressalta eficiência do seu método de falar ao pé do ouvido com os comandados

GE.Net: Você falou em 70% e repete que é bom sempre buscar a perfeição, apesar de não ser possível atingi-la. Vemos isso nos treinos de finalização. Tem sido fácil lidar com os garotos nesse sentido? 
Leão: Sabe o que é? Quando começo a treinar, me envolvo com o negócio, entendeu? Então demonstro, porque foi aquilo que aprendi. Quando se é um produto do meio, filho do futebol, fica mais fácil conversar em uma linguagem. É isso que faço. Mas você precisa saber se seu método dá resultado e seguir em frente. Se não estiver dando resultado, procuro acrescentar alguma coisa diferente, para não cair em uma mesmice, em uma repetição que não leva a nada. Se bem que toda repetição melhora se você entender que não é só aquilo, que aquilo é só o bê-á-bá. Fui atleta do gol e, quando cheguei ao profissional, tinha obrigação de saber como deveria me postar com as mãos para receber a bola, como posicionar os pés para uma impulsão maior. Vai muito do interesse do aluno e, entre aspas, do professor em se aplicar. Tem coisa que você melhora se está todo dia repetindo. Se você repetir muita coisa já sabida, acaba sendo prejudicial. Talvez você encontre uma maneira diferente para conseguir o mesmo objetivo. Pode usar uma maneira diferente de treinamento para conseguir os mesmos resultados, afere de toda maneira.

 

GE.Net: Você insiste bastante em fundamentos e dá algumas dicas simples, como orientar o atleta a correr para o bico da área depois de bater o escanteio. Não tem muita coisa que o jogador já deveria saber? 
Leão: Deveria ser rotina. E se nunca ninguém ensinou? Agora no final do ano não faço isso, mas trabalho com a ficha do mês todinha de treinamento e entrego para o meu assessor de imprensa e para o meu diretor. O que acontece? O atleta pode montar a vida dele fora daqui, vai ter seu espaço reservado também e saber com antecedência o que vai fazer. Agora, sobre esse detalhe que você falou, quantos você já viu bater escanteio e correr naquele bico para a bola sobrar para ele? Com quantos a bola volta e ele está impedido? Quantos? Muitos. Não quero isso. Em vez de explicar que não é para ficar ali para não dar impedimento, faço outra função. Se rebater, a bola vai sobrar ali para ele. Às vezes, uso métodos um pouquinho diferentes para solucionar um problema que já vem ocorrendo.

GE.Net: Você identifica a origem do problema? 
Leão: Tem coisas que você pergunta: "por que você não faz isso"? Tem alguns que te respondem: "porque ninguém mandou". Nem todos são autodidatas. Um exemplo grosseiro: você faz um jogador de vôlei se ele tiver boa estatura. Treina impulsão, com métodos chineses, alta repetição. Agora, no futebol, você aprimora, mas a criatividade pertence à individualidade. Cada um tem a sua dentro de um sentido coletivo.

GE.Net: A maioria do elenco fala que não fez porque você não mandou ou que não fez porque não sabe? 
Leão: Aqui não tive isso. Quando treinei no Japão, no começo, era assim: eu falava no domingo e o cara dizia que estava tudo bem, perfeito, e fazia. Aí você ia treinar na terça-feira e não fazia. "Por que você não fez isso?". "Você não mandou!". A origem japonesa não era de futebol, então você tinha que ensinar o íntimo dele a ter a resposta imediata e nem sempre isso é possível.

Fernando Dantas/Gazeta Press
Desde Ricardo Gomes, Leão foi o primeiro a conseguir segurar Rogério Ceni, que vinha jogando com dor

GE.Net: Quanto mais você trabalha com um grupo, mais essas coisas simples ficam automáticas? 
Leão: Vão ficando mais simples. É por isso que falo que o difícil de jogar futebol é porque precisa ser simples. Frescura pouca gente sabe fazer, principalmente na hora certa. Às vezes faz, mas na hora errada. Um beque faz frescura, perde a bola e aí? O que acontece? Está errado. O brasileiro joga muito paralelo, nunca em diagonal. O diagonal busca a ofensividade, o paralelo é alimentação. Não tem, joga ali.

 

GE.Net: Você comentou de zagueiro fazendo frescura… 
Leão: [Interrompendo] Não é bem frescura. É o uso de artifício técnico que o momento, a posição e o local físico não requerem. Gosto de beque rebatedor, porque já trabalhei atrás deles por 24 anos. Sei o que o goleiro pensa, entendeu? Quanto mais simples, melhor. Agora, a bola vem e "ah, sou técnico, sou não sei o quê". Os culpados disso são Beckenbauer, Luis Pereira, que sabiam demais. Mas eles podiam fazer porque sabiam.

GE.Net: Você falou para o João Filipe esquecer o apelido de Blackenbauer? 

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