Considerada por José Roberto Guimarães umas das principais armas ofensivas da seleção brasileira feminina de vôlei, a ponteira Mari Steinbrecher não pôde jogar o último Mundial da modalidade. Cerca de dois meses antes, durante um jogo do Grand Prix, a atleta caiu de mau jeito após tentar um bloqueio triplo e, com ruptura total do ligamento cruzado do joelho direito, precisou ser operada.
Sem ela e também sem Paula Pequeno, que se machucou no dia seguinte à lesão de Mari, Zé Roberto perdeu de uma vez duas titulares da campanha que culminou com a medalha de ouro nas Olimpíadas de Pequim. Restou a Mari ficar no Brasil acompanhando pela TV a conquista da medallha de prata no Mundial.
Foram cinco meses e muita fisioterapia até poder pisar na quadra novamente. Comandada pelo técnico Bernardinho pela primeira vez na carreira, Mari fez sua “reestreia” no último dia 19 com a camisa da Unilever, equipe cinco vezes campeã da Superliga feminina de vôlei. Ao contrário dos prognósticos iniciais, que previam um retorno gradativo, ela atuou durante três sets contra o Mackenzie, contribuindo com oito pontos na vitória por 3 a 0.
Horas antes de entrar em quadra diante do Pauta/São José na quinta (24) e marcar outros oito pontos, Mari atendeu a reportagem para uma entrevista. Comemorou o fato de estar bem e sem dores, mas, sincera, admitiu que chegou a temer não voltar a jogar como antes. Também falou sobre sua substituta, Suelle, e sobre o passe, fundamento no qual tem mais dificuldades. Confira:
Report. – Como você está fisicamente?
Mari – Eu ainda estou entrando em ritmo de jogo. A cicatrização total do joelho leva dez meses e eu ainda estou no quinto. Então, apesar de eu estar liberada para fazer simplesmente tudo, ainda tenho toda aquele cuidado de não jogar todo o peso ou cair com tudo na perna direita. Mas o joelho está ótimo, firme, não sinto insegurança em momento algum, faço tudo sem medo e tranquilimente. E, de resto, estou super bem, estava malhando normal, há três semanas estou treinando fazendo tudo, mas ainda não deu para entrar no ritmo que está o resto do time. Só que como todo mundo já está bem, quando eu entrar vai ser mais fácil, como com a Dani <Lins, levantadora>, as meninas que estão passando… Por enquanto eu tenho que entrar no ritmo do negócio porque uma coisa é treinar e outra é jogar.
Report – Mas não tem nenhum movimento que você tem que fazer com mais calma?
Mari – Eu já tinha problema de malácia <espécie de amolecimento da cartilagem> antes da cirurgia e, como a minha perna ficou fraca durante a cirurgia, a malácia incomodou o dobro do que incomodava antes. Então, ainda tenho um pouco de restrição para apoiar na perna direita quando vou abaixar porque realmente infla. Fora isso, não senti nenhuma dor da cirurgia, entrei super bem, a perna já está quase na grossura da outra e está super forte.
Report – A Unilever estava falando, inclusive o médico Ney Pecegueiro <responsável por operar a atleta>, que você voltaria gradativamente, mas na partida contra o Mackenzie, na sua volta às quadras, você jogou três sets de uma vez. Como foi tomada essa decisão?
Mari – Eu acho que o Bernardo tomou essa decisão porque o doutor Ney estava nos Estados Unidos e deixou eu jogar mais tempo <risos>. Mas o que também ajudou foi que estudamos o time delas por dois dias e na hora do jogo vimos que as três principais atacantes do Mackenzie não iriam jogar. Então, teoricamente seria mais tranquilo e ele me colocou para jogar para pegar ritmo. Mas se fosse um jogo mais pesado, eles teriam medo de eu fazer um movimento muito brusco que eu ainda não tenha feito. Não sei o que o Bernardo vai fazer, mas acho que vou jogar normal nos próximos jogos.
Report – O que você achou do desempenho de sua substituta, a Suelle, uma jogadora que foi contratada para ser reserva e, de repente, já teve que entrar no seu lugar?
Mari – A situação dela era mais difícil que a minha, pois ela nunca foi uma jogadora de ter que decidir nada em time grande. Em um time “normal” não vai ter essa coisa de decidir o tempo inteiro, mas aqui é pressão toda hora, tem que rodar, tem que fazer, tem que ganhar, pois a Unilever é programada para chegar a uma final. A situação dela era mais complicada que a minha, pois ela pegou um “pepino” na mão. Mas acho que ela se saiu muito bem, apesar de ainda não ter jogado o que eu já vi ela treinando.
R- Quando você fez seu primeiro ataque após a volta da cirurgia, o que sentiu: medo e apreensão pelo joelho ou uma segurança e uma vontade imensa de fazer o ponto?
Mari – Foi ansiedade de fazer o ponto. Eu nem lembro mais do meu joelho, eu já o tirei da minha cabeça. Quando entro no jogo, eu penso mais em acertar a bola, tentar chegar no bloqueio triplo, que é uma coisa que ainda está bloqueado porque foi ali que eu me machuquei. Estou sentindo o meu joelho normal, como se não tivesse operado.
R – Então você já está até se cobrando, não?
Mari – Sim, porque se eu for jogar o que estou treinando, vou jogar bem. Mas, como eu falei, jogo é jogo, treino é treino.
R – E os oito pontos da primeira partida, contra o Mackenzie, te deixaram feliz?
Mari – Na verdade as cinco primeiras bolas que eu ataquei, eu não rodei porque estava tão feliz de estar no jogo que eu não conseguia nem atacar direito. Ainda já veio dois pepinos de primeira, com bloqueio duplo montado e bola afastada da rede, eu não quis arriscar de errar logo a primeira bola. Depois eu fiquei mais à vontade e não errei nenhuma bola, apesar de não ter rodado todas. E no fundo teve duas passagens que eu sai para a Valeskinha entrar porque o Bernardo não queria que eu ficasse o tempo inteiro exposta no passe junto com a Regiane. Então, por eu não ter feito fundo e também não ter atacado afastado da rede, acho que oito pontos foi bem razoável.
R – Quanto tempo você acha que vai voltar ao seu melhor nível?
Mari – Vixe… pergunta difícil. Se depender de mim, o mais rápido possível. Em um mês eu já queria chegar ao meu auge, que acho que foi em 2008, mas tudo vai depender de como o joelho vai responder. Até hoje, ele respondeu muito bem. Só que para chegar em um nível daquele tem que treinar muito e eu não estou podendo treinar mais tanto. Se eu chegar a 80% do que eu estava, já vou ajudar muito. Posso saltar menos, mas tenho a opção de ter um braço rápido para virar também. Tenho que me virar com o que eu tenho no momento. Agora, é trabalhar mais o meu lado psicológico para deixar o déficit físico me atrapalhar.
R – Em algum momento você chegou a temer que não conseguiria jogar como antes?
Mari – Ah, no começo, quando você olha a perna assim…. Imagine uma pessoa com dificuldade de caminhar, mal dobrar o joelho, mal esticar o joelho. Você se vê uma pessoa praticamente deficiente, toda debilitada, tudo doía. Realmente a gente fica preocupada: você olha e fala: ‘Nossa, será que daqui a quatro meses eu vou estar jogando mesmo?’. Não parecia uma perna, parecia um braço. Mas, ao mesmo tempo, conforme você vai desenvolvendo o trabalho, vai colocando peso, a coisa vai melhorando e, de repente, você tem uma perna! Com cinco meses eu olhei para baixo e falei: ‘Agora está com cara de perna’. O povo até brinca: agora a minha perna esquerda parece perna de homem e a da direita, perna de mulher <risos>.
R – Você tem mantido contato com o José Roberto Guimarães <técnico da seleção feminina de vôlei>?
Mari – Ele me ligou da Turquia tem umas duas semanas, para saber como estava a recuperação, quando eu ia voltar a jogar. Aí eu contei e ele ficou feliz, empolgado, me pediu para avisar quando fosse porque ele queria ver, mas depois eu acabei não falando mais com ele. Mas com certeza ele está acompanhando tudo.
R – Sobre o Bernardinho, como tem sido os treinos com ele? Você acha que o seu passe vai melhorar?
Mari – Acho que tudo pode melhorar. Mas, assim, não dá para comparar por exemplo o meu passe com o da Sassá. Nunca vou ser uma exímia passadora como ela, assim como ela nunca vai ser uma exímia atacante. Cada um tem uma função e eu acho que tenho minhas limitações para passar por ser uma jogadora de 1,90m. Mas, dentro disso, eu tenho que fazer a minha parte: não vou entregrar 100% das bolas na mão, mas se a cada dez passes, eu fizer seis na mão e dois passes “B”, está ótimo. Eu tenho que ajudar no passe, mas minha função principal é atacar.
R – Mas é que você é muito caçada no saque pelos adversários…
Mari – É, mas não é porque eu tenho o pior passe, mas é uma tática para evitar que eu receba tanta bolas. Quando vamos sacar no outro time, jogamos sempre na ponteira que ataca mais, para cansá-la e para diminuir o raio de ataque dela também. Nem sempre sacamos na pior passadora, mas na melhor atacante.