O resultado, somado ao aumento da resistência da oposição em concluir a votação, demonstra que o governo poderá adotar medidas ainda mais prejudiciais ao equilíbrio fiscal do país, segundo analistas.
A Bolsa de Valores brasileira recuou 2,09% nesta quinta, a 103.412 pontos, enquanto o dólar subiu 0,33%, a R$ 5,6080. Os juros futuros medidos pelos contratos DI (Depósitos Interbancários) para 2023 avançaram 0,3 ponto percentual, de 12,09% para 12,12% ao ano.
“O melhor cenário no Brasil é o menos pior, que é a aprovação da PEC”, diz Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos.
A PEC autoriza o governo a adiar o pagamento de precatórios (dívidas judiciais reconhecidas) previstos para o ano que vem. A manobra viabiliza o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400, sem que o presidente precise reduzir os gastos com emendas parlamentares no ano eleitoral.
O atraso no pagamento de precatórios é visto com desconfiança pelo mercado financeiro, pois abre um desconfortável precedente jurídico. A não aprovação da medida, porém, é ainda mais assustadora para investidores, pois pode servir de justificativa para a elevação das despesas sem contrapartidas.
“Sem a PEC dos precatórios, que já estava precificada, tudo volta ao zero e o governo lançaria mão da prorrogação do auxílio emergencial por medida provisória, aumentando a incerteza”, diz Abdelmalack.
Há cerca de duas semanas, quando o governo confirmou que pretende furar o teto para ampliar o benefício social, indicadores de percepção do risco fiscal do país (como Bolsa, dólar e juros futuros) pioraram significativamente. A crise marcou a aceleração da alta de quase 3 pontos percentuais nos juros DI.
A deterioração só foi desacelerada após o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmar que permaneceria no cargo e que o drible na regra fiscal teria limites claramente estabelecidos. Esses limites, de acordo com as sinalizações do governo, poderiam ser estabelecidos também por meio da PEC dos precatórios.
“Hoje, a maior preocupação do mercado é o próprio drible no teto, pois acarreta uma perda de credibilidade do país”, afirma Everton Medeiros, especialista da Valor Investimentos.
Nesse cenário, a tensão gerada pela incerteza não reduz o peso negativo que será gerado com o calote nos precatórios e o aumento de gastos no ano eleitoral, segundo Medeiros. “O mercado também está considerando que o acúmulo da dívida para os próximos anos pode chegar a R$ 170 bilhões.”
Segundo Luciano Rostagno, estrategista-chefe para América Latina do Banco Mizuho, a reação negativa do mercado nesta quinta-feira se deve principalmente ao placar apertado com o qual a PEC dos Precatórios foi aprovada na véspera.
“Tem um movimento contrário à PEC, com alguns partidos se movimentando para tentar reverter votos favoráveis à reforma, o que gera incerteza quanto à aprovação em segundo turno na Câmara e deixa os investidores mais cautelosos”, diz Rostagno.
Ele acrescenta que as dificuldades previstas na articulação política fazem com que volte a ganhar força entre os agentes econômicos apostas de um cenário no qual o governo tenha de seguir por um caminho via aprovações de créditos extraordinários para conseguir aumentar os gastos sociais.
“Do ponto de vista fiscal, é uma alternativa que gera mais incerteza”, afirma o estrategista-chefe do Mizuho.
Os analistas da gestora Rio Bravo apontam em relatório que, se a aprovação for confirmada no segundo turno na Câmara e pelo Senado, será uma mudança relevante no conjunto de regras que têm garantido o controle fiscal dos últimos anos.
A Rio Bravo também destaca que, caso o governo tenha de pagar a totalidade de quase R$ 90 bilhões em precatórios em 2022, o auxílio emergencial poderá ser prorrogado fora do teto de gastos. “Com as ideias em curso, o cenário não é positivo para as contas públicas de 2022”, dizem os analistas da gestora.
“Esta aprovação resolve no curto prazo o auxílio emergencial, mas empurra o risco fiscal para o futuro e ainda será tema de preocupação”, endossa Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, em relatório.
Rostagno, do Mizuho, acrescenta que o que também contribui para a queda da Bolsa, e impede uma alta mais pronunciada no mercado de juros nesta quinta, são os dados divulgados mais cedo pelo IBGE que mostram uma recuperação ainda lenta da produção industrial.
O indicador apontou queda de 0,4% da produção em setembro, na comparação com o mês anterior, pouco pior do que as previsões, que apontavam para um recuo de 0,3%, segundo pesquisa da agência Reuters.
“Os dados de hoje da produção industrial, somados à revisão do Caged [que mostrou que o saldo de vagas formais gerado no país em 2020 foi metade do que o divulgado inicialmente], sugerem que a condução da política monetária tende a ser menos altista que o mercado pensa”, diz André Perfeito, economista-chefe da Necton, em relatório.
Perfeito prevê nova alta de 1,5 ponto percentual na reunião de dezembro, com a taxa Selic em 11,5% ao ano no final do ciclo.
Também pesa para o desempenho da Bolsa nesta quinta a queda de 5,28% das ações do Itaú, que mais cedo divulgou seus números do terceiro trimestre, quando teve lucro de R$ 6,8 bilhões, alta de 34% em bases anuais.
Em uma sessão já marcada pela maior aversão ao risco, pesa para os papéis as preocupações dos investidores relativas às perspectivas para os níveis de inadimplência em 2022.
Segundo Milton Maluhy Filho, presidente do Itaú Unibanco, a alta na taxa básica de juros deve provocar uma desaceleração no ritmo de concessão de crédito pelos grandes bancos e um impacto negativo na inadimplência.
Para ele, o ano de 2022 “inspira muito cuidado” em um ambiente de maior incerteza política e juros mais altos.
“Quando olho para 2022, é um cenário em que a gente verá uma piora na inadimplência, é esperado que seja assim [devido aos juros mais altos], e estamos preparados para isso do ponto de vista do provisionamento no balanço”, afirmou o executivo, durante teleconferência nesta quinta-feira (4) para comentar os resultados do terceiro trimestre.
“Embora a inadimplência [do Itaú] tenha aumentado em um ritmo menor do que o esperado, condições macroeconômicas mais difíceis podem implicar em inadimplência ainda maior e isso combinado com a redução no índice de cobertura pode resultar em pressão no lucro no futuro”, destacaram os analistas da XP, em relatório.