As grandes festas eclesiásticas se orientam pela vida do fundador Jesus Cristo. Sem dúvida, a festa predileta dos alemães é o Natal, a festa da natividade. Celebra-se um episódio de muita alegria. Os presentes e a atmosfera sagrada da época do Natal evocam emoções muito positivas.
No entanto, por mais importante que seja o nascimento de Jesus, ou seja, do Deus humanizado, a Sexta-Feira Santa e a Páscoa possuem importância ainda maior.
Enquanto a Sexta-Feira Santa celebra a paixão e morte de Cristo, a Páscoa é a festa de sua ressurreição dentre os mortos. Porém, ambas têm um período preparatório: a Semana Santa começa no Domingo de Ramos e é a principal semana do calendário religioso. O sofrimento de Jesus e sua morte são lembrados de maneira especial. No dia da morte de Jesus, a Sexta-Feira Santa, luto e penitência estão em primeiro plano.
Relação entre morte e ressurreição
Antigamente, a Sexta-Feira Santa era considerada o feriado mais importante dos cristãos protestantes. Hoje há amplo consenso entre as religiões cristãs que a morte de Cristo, em sacrifício pelos pecados da humanidade, está indissociavelmente ligada à Páscoa, ou seja, ao dia de sua ressurreição. A maior festa do cristianismo, formada pela Sexta-Feira Santa, Sábado de Aleluia e Domingo de Páscoa, é atualmente vista como uma unidade com aspectos diferentes, enfatiza o teólogo Ulrich Lüke.
“Para quem só recorde a Sexta-Feira Santa trata-se de um evento extremamente triste, seria, por assim dizer, o adeus a um perdedor. Eu tenho também que pensar na Páscoa, senão não refleti da forma correta sobre a Sexta-Feira Santa. Nesse sentido, elas estão intimamente ligadas”, destacou Lüke.
No entanto, para o professor de teologia católica, também é importante não perder de vista o Natal. A Sexta-Feira Santa documenta as piores consequências da encarnação, ou seja, da humanização divina. “O que tem início com o Natal – Deus desde o princípio, como homem e no homem – e termina na Sexta-Feira Santa – Deus até o fim, no homem – faz parte de uma coisa só”, afirma o teólogo.
Intriga, calúnia, processo
O que aconteceu na primeira Sexta-Feira Santa da história já fora preparado na véspera: Jesus compartilhara a Última Ceia com seus 12 seguidores mais próximos – pela última vez, a companhia e as palavras orientadoras do mestre. Pouco depois, seguiram-se traição e encarceramento.
Na Sexta-Feira Santa, ele teve de enfrentar dois processos, um das autoridades judaicas, que queriam eliminar Jesus por motivos teológicos, e outro dos ocupadores romanos. “A coisa toda foi um astuto trabalho de colaboração”, aponta Lüke. Como os judeus não eram senhores na própria terra, e sim os romanos, “haviam determinado que somente eles próprios poderiam pronunciar e executar sentenças de morte. Para os romanos, na verdade, tanto fazia se alguém alegava ser filho de Deus. Eles queriam que houvesse paz na região”.
Por esse motivo, a elite religiosa judaica denunciou Jesus como concorrente ao trono, agitador e combatente libertário. “O governador romano Pilatos fez processo sumário com Jesus. Segundo tudo o que sabemos, ele não encontrou muita coisa contra Jesus. Mas aí, sob pressão da multidão, entregou-o à morte mesmo assim.” Morte por crucificação, uma das mais brutais formas de execução da Antiguidade. Muitas vezes a agonia dos condenados durava dias.
Coisas estranhas
Somente poucos dos que acompanharam a crucificação de Jesus poderiam imaginar que ali morria alguém de importância particular. “As definições teológicas de que, na essência, Jesus é o verdadeiro Deus e ao mesmo tempo ser humano, são conceitos que só mais tarde se desenvolveram teológica e filosoficamente”, explica o professor de Teologia Sistemática na Escola Superior Técnica de Aachen.
No entanto, nos relatos do Novo Testamento está escrito que, no momento da morte de Cristo, o sol escureceu, a terra tremeu e outras coisas inexplicáveis aconteceram. Para Ulrich Lüke, o impressionante foi que “Jesus vivenciou a última consequência da vida humana, até a morte brutal.
Essa é a ideia da encarnação, de que Deus está no ser humano, do começo ao fim. Que solidariedade com a finitude humana, com a fraqueza e a decrepitude seria essa, se Jesus, de alguma forma, tivesse dado no pé antes da hora?”
Para trás, ele deixava o pequeno grupo de seus discípulos, abalado, triste, amedrontado, que presenciava o fim de todos os seus sonhos e esperanças.”
Somente uma transição
O que chamamos hoje de Páscoa foi o dia da surpresa para os seguidores de Jesus. Na manhã do terceiro dia após a crucificação, o túmulo onde Jesus se encontrava morto, estava vazio. Testemunhas se encontraram com o ressuscitado. “E até mesmo testemunhas que jamais teriam pensado que ele pudesse ressuscitar”, conta Ulrich Lüke.
Assim, Maria Madalena, a primeira pessoa a encontrar o túmulo vazio, ficou chocada, acreditando que o corpo havia sido roubado. “Ela estava tão cega de lágrimas, que nem chega a reconhecer Jesus quando o encontra. Ela teve primeiro de ser abordada por ele para que seus olhos se abrissem. Portanto as testemunhas da ressurreição não já chegaram, de forma alguma, com um ‘Aleluia’ ao cemitério, sabendo que Jesus estava ali, agora como um herói acima de tudo e todos.” Somente o encontro físico com aquele que ressuscitara dos mortos convenceu os primeiros cristãos de que Cristo realmente vive.
Perspectiva até hoje
Para os cristãos, os eventos da Sexta-Feira Santa e da Páscoa estão ligados ao sentimento de esperança. “Eles abrem uma nova perspectiva”, resume Ulrich Lüke, o qual, na qualidade de professor de Teologia e biólogo, também é um especialista na relação entre as ciências naturais e a fé.
Os incontáveis sofrimentos que cada ser humano tem em si e que a humanidade tem como um todo, dramas como Auschwitz, Stalingrado ou o massacre de My Lai, são contestados pela mensagem cristã da ressurreição. Ela comunica que “esta vida, que conhecemos em sua finitude e materialidade, não é a última”.
“Ela abre, portanto, o horizonte, faz com que aquele que está à beira de uma sepultura não olhe apenas para os sete palmos de profundidade, mas sim para além do túmulo, para um novo horizonte de vida adentro”, conclui Lüke. Ou seja: a Páscoa abre para os cristãos uma dimensão que ultrapassa a vida terrena e a morte.
Autor: Klaus Krämer (ca)
Edição: Augusto Valente