Cursos técnicos pagos por governo têm evasão de até 60%

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Faculdades privadas provedoras de cursos técnicos do Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) – uma das vitrines da campanha da presidente Dilma Rousseff – estão tendo de lidar com taxas de evasão que podem chegar a 50% ou 60%, segundo relataram à BBC Brasil alguns de seus coordenadores.

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Dilma costuma ressaltar em seus discursos de campanha que o Pronatec já teria atingido 8 milhões de matrículas – mas não contabiliza as desistências.

“O problema da evasão é um dos nossos maiores desafios: hoje, nossa taxa é de quase 60% e estamos implementando uma série de medidas para tentar reduzir isso”, disse a BBC Júlio Araújo, que coordena os cursos do programa na Faculdade Sumaré.

O Pronatec existe desde 2011, mas as faculdades privadas só passaram a ser habilitadas para oferecer seus cursos no final do ano passado.

Na Sumaré, chegaram a ser matriculados em cursos de Técnico em Informática e Programação de Jogos Digitais quase 7.500 alunos desde o final do ano passado. Mas, desses, apenas 3 mil continuam frequentando as aulas.

“E temos falado com outras instituições de ensino superior que têm reportado problemas semelhantes”, diz Araújo.

De fato. Paulo de Tarso, diretor de pós-graduação e cursos técnicos da Kroton Educacional – maior companhia de ensino de capital aberto do país, que chegou a inscrever 58 mil alunos Pronatec em faculdades como a Anhanguera, a Pitágoras, a Universidade de Cuiabá e a Uniban – diz que seu grupo tem lidado com índices de evasão que variam de 45% a 60% nos cursos do programa.

E na Faculdade dos Guararapes, em Pernambuco, de cada 100 inscritos, 27 não terminam o curso segundo Fernando Tranquilino, diretor para o Pronatec.

O governo paga para as faculdades particulares (além de outras instituições públicas e privadas) oferecerem cursos do Pronatec valores que costumam variar de R$ 5 a R$ 8 a hora/aula por estudante. Em um curso de 1000 horas, isso significa um custo total por aluno que pode chegar a R$ 8 mil.

Como os repasses são condicionados a frequência dos estudantes, no caso de uma desistência, também são suspensos. Mas o governo não tem como recuperar o dinheiro já investido.

Dados oficiais

Oficialmente, o índice de abandono dos cursos Pronatec é de 12,8% segundo o Ministério da Educação (MEC).

A taxa é muito mais baixa que a reportada pelas faculdades, mas já indica que, do total de 8 milhões inscritos oficialmente – número exaltado por Dilma – quase 1 milhão não devem concluir o curso.

Além disso, cerca de 25% das inscrições do Pronatec foram feitas nos últimos seis meses. Esses são alunos que de imediato podem ser contabilizados como “matriculados”, embora também não se saiba quantos chegarão a concluir seus cursos.

“Não sei como o governo está chegando nesse índice oficial de 12% de evasão, mas ele nos parece totalmente irreal”, disse um coordenador de uma faculdade privada, sob condição de anonimato.

“A nossa realidade é diferente. Às vezes, de cada 100 que se inscrevem só 70 aparecem para o primeiro dia de aula.”

O secretário de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do MEC, Aléssio Trindade, alega que índices de evasão muito acima do oficial poderiam ser casos “isolados” compensados por taxas menores em cursos ministrados por outros provedores – entre eles, escolas técnicas, instituições federais e entidades do sistema S, que de fato são responsáveis pela maior parte das vagas do Pronatec.

Trindade diz nunca ter sido procurado pelas faculdades privadas para tratar de qualquer problema ligado à questão da evasão e explica que, pelo menos no caso de alunos que não aparecem na primeira semana de curso, elas têm a opção de desligá-los do programa e oferecer as vagas para outros estudantes.

O comitê de campanha de Dilma também nega que a candidata esteja “inflando” os números ligados ao Pronatec ao fazer a opção pelo total de matrículas – e não de concluintes – em seus discursos.

“O número de inscritos é mais fácil de ser contabilizado, uma vez que os cursos têm durações diferentes”, foi a justificativa do comitê de campanha.

Trindade, do MEC, confirma que o número de alunos que efetivamente concluíram os cursos só será consolidado no final do ano.

Causas da evasão

Segundo as faculdades privadas, a evasão de alunos do Pronatec teria cinco possíveis causas.

Alguns deixariam os cursos por dificuldade em acompanhar seus conteúdos.

“Não são raros os que têm deficiências básicas do ensino médio ou estão fora da escola há muito tempo e nossos professores precisam ser instruídos para lidar com esses estudantes”, diz Araújo.

“Há os que entram no curso de TI sem sequer ter um e-mail, por exemplo.”

Entre as soluções testadas pelas universidades para amenizar esse tipo de dificuldade estariam as aulas de nivelamento e de reforço.

“Temos cursos desse tipo na área de matemática e português”, conta Tarso.

Uma segunda causa da evasão seria a dificuldade dos alunos em conciliar o curso com o trabalho.

“Contraditoriamente, muitos alunos que acham emprego – o grande objetivo de nossos cursos – acabam tendo de abandonar as aulas”, conta Araújo.

A falta de comprometimento também pode ser um problema, segundo Priscila Sperling, coordenadora do Pronatec da Anhanguera Educacional.

“Você poderia esperar que, pelo curso ser de graça, os alunos se empenhariam mais, mas é o contrário: porque não há nenhum tipo de custo, há quem faça a inscrição sem pensar no tempo e esforço que terá de empregar para seguir as aulas”, diz ela.

Também haveria estudantes com dificuldades para pagar pelo transporte para frequentar os cursos.

Por fim, os provedores do Pronatec acreditam que as desistências podem estar ligadas a pouca informação que alguns alunos têm sobre os cursos na hora de se fazer a inscrição.

“Temos o caso de uma dona de casa que achou que iria se matricular em um curso de TI de 1.000 horas para consertar o computador de casa ou de alunos de Programação de Jogos Digitais que achavam que iam ficar jogando na aula”, diz Araújo.

“Instalamos uma equipe de apoio para tirar dúvidas e informar melhor os estudantes na hora da matrícula para evitar esse tipo de situação.”

Histórico

As faculdades particulares começaram a oferecer cursos Pronatec no final do ano de 2013, após uma mudança na regulamentação do programa.

Para serem habilitadas, precisam alcançar um mínimo de nota 3 no chamado Índice Geral de Cursos em cursos de graduação de áreas correlatos aos cursos técnicos que pretendem oferecer.

Para o governo, a vantagem do esquema é poder usar toda a infraestrutura das faculdades para os alunos dos cursos técnicos.

Para as instituições privadas, entrar no Pronatec é uma oportunidade de ampliar o uso de suas salas e laboratórios no período matutino e vespertino – em que elas costumam ter capacidade ociosa.

“Outra vantagem é que, como é o governo que paga pelos cursos, a inadimplência não é um problema, diferentemente do que ocorre com os alunos da graduação”, diz Araújo.

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