A Gazeta
O instituto da colaboração premiada veio para ficar e marca uma nova era na obtenção de provas de crimes costumeiramente ocultos como a corrupção, mas não pode ser banalizado e nem constituir motivo único para a decretação de prisões ou condenação de réus. Estas foram as principais conclusões do Painel “Delação Premiada: fundamentos legais e constitucionais e perspectiva de futuro, que integrou o II Seminário Combate e Controle da Corrupção no Brasil, realizado nesta sexta-feira (16), em Cuiabá.
Mediado pelo especialista em direito constitucional e secretário de Planejamento de Mato Grosso, Marco Marrafon, o debate contou com as participações do presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), desembargador Paulo da Cunha, do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sebastião Reis, e do procurador Douglas Fischer, coordenador do Grupo de Trabalho criado para as investigações decorrentes da Operação Lava Jato.
Cunha fez um resgate histórico da colaboração premiada e destacou que a figura do colaborador se assemelha a um híbrido do bem e do mal. “O delator não é totalmente culpado e nem totalmente inocente. Como um híbrido, possui grande potencial para causar insegurança ao processo. Não acredito na corrupção como a singeleza do mal e nós, no Brasil, em 2015, não vivemos uma batalha do bem contra o mal”.
O desembargador pontuou que a corrupção tem se alastrado no Brasil e que o combate a ela não pode ser visto como uma luta do bem contra o mal. “Em uma expressão, corrupção é crime. E como tal deve ser tratada. No Estado de Direito não há bem e mal. Não há heróis e vilões. Há conduta criminalmente típica e conduta atípica. E ponto”.
Segundo a falar no painel, o ministro do STJ pregou cautela e destacou que a colaboração premiada não pode ser banalizada, lembrando que o instituto, por si só, não tem o condão de condenar ninguém. ‘O tema é muito controverso. Confesso que não gosto de beneficiar um criminoso para entregar seus comparsas e, hoje, minha preocupação é que ela não pode ser encarada como um remédio para todos os males.O meu receio é que a delação caia na mesmice, ela não pode ser usada de qualquer forma”.
Reis afirmou que além de não se tornar banal, a colaboração precisa ser analisada com cautela pelos julgadores. “O conteúdo da colaboração de informações não é prova, mas base da investigação. Uma delação não pode ser utilizada para ratificar as informações de outra colaboração. Além disso, vejo que ela, por si só, não pode justificar a condenação. Ninguém pode ser condenado por causa de uma delação”.
O ministro reclamou dos constantes vazamentos dos conteúdos das delações, lembrando que a própria lei prevê a confidencialidade dos acordos. “Isso, para mim, pode colocar em risco a investigação, a integridade do delator e de seus famliares, além de chamar a atenção dos envolvidos e gerar um prejulgamento dos citados. A colaboração não é prova e não é suficiente para condenar ninguém. Os vazamentos podem mexer com o teor da investigação, e às vezes as informações não procedem. Temos que ter em mente que o colaborador é um criminoso. Ele pode envolver outras pessoas sem ter elementos concretos para isso, por isso é preciso averiguar todas as informações com cautela”.
Responsável pela celebração de 33 acordos de colaboração no âmbito da Lava Jato, Fischer classificou o atual momento das investigações como o início de uma “grande virada”. Ele defendeu o uso do instituto, desde que obedecendo tudo o que consta na Lei que criou a figura jurídica da colaboração. “A colaboração é uma opção do colaborador, voluntária, e todo procedimento é cercado de muitos passos, com muita segurança e absolutamente às claras, não há pressões. Vejo este instituto como um passo essencial. Sem ele jamais teríamos desvelados os fatos da Lava Jato, por exemplo”.
Fischer também procurou mostrar, com fatos, que os promotores não utilizam prisões cautelares como meio de pressão para a obtenção das colaborações. “Temos no âmbito da Lava Jato 33 acordos. Destes, apenas oito pessoas estavam presas e duas continuam. Todos os demais, 25, fizeram os acordos soltos. Sem citar nomes, dos três principais colaboradores, dois estavam presos e continuam presos e o outro estava preso, foi solto e depois de ter sido solto veio conversar e se ofereceu para falar”.
Moderador do painel, Marrafon salientou que o seminário coloca Mato Grosso no centro das grandes discussões nacionais. “A colaboração já é uma realidade, tem se mostrado muito útil para a sociedade. O debate foi muito enriquecedor, especialmente pela grande cultura dos palestrantes, que têm a vivência prática. Essa junção da teoria com a prática é uma vivência única para quem acompanhou as palestras”.
Embora afirme que a técnica produz efeitos úteis à sociedade, Marrafon destaca a importância de se adotar alguns cuidados ao empregar o instituto contemplado inicialmente pela Lei de Crimes Hediondos. “Sua contribuição já tem sido demonstrada na vida prática, mas sua banalização pode gerar riscos para o estado de direito. É preciso tratar o tema com responsabilidade, pois não podemos abrir mão das garantias individuais e do devido processo, mas também não podemos deixar que a impunidade reine”.