Eduardo Bolsonaro publicou em seu perfil: “Lockdown é o oposto de distanciamento social. No lockdown as pessoas são condenadas a ficarem confinadas em casa, aumentando a proliferação do vírus”.
Em seguida, o Twitter colocou um aviso no post: “Este tweet violou as regras do Twitter sobre a divulgação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas ao covid-19. No entanto, o Twitter determinou que pode ser do interesse público que o tweet permaneça acessível”x
A mensagem de Eduardo Bolsonaro ainda está no ar, mas é preciso entrar no perfil do deputado e clicar no post marcado pelo Twitter para visualizar o que o deputado escreveu.
As declarações do deputado vão contra o que diz a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre lockdowns.
O coronavírus se espalha sobretudo através de gotículas no ar, quando existe interação próxima entre pessoas.
Ao confinar as pessoas em suas casas, o lockdown reduz essas interações e aglomerações, diminuindo a disseminação do vírus. Em diversos países da Europa em que o lockdown foi usado, houve uma drástica redução no número de casos, hospitalizações e mortes.
Três estudos publicados na revista científica The Lancet — um sobre a Itália, um sobre a França e outro sobre o Reino Unido — consideraram que os lockdowns adotados nesses três países forem eficazes para reduzir o número de casos e mortes, bem como de hospitalizações.
“Medidas de bloqueio superam restrições menos rigorosas na redução de mortes cumulativas”, afirma o estudo sobre o Reino Unido, publicado em dezembro do ano passado.
Existe a possibilidade de pessoas infectadas com o vírus contaminarem outras em suas próprias casas. Essa probabilidade é alta, já que dentro do âmbito familiar a proximidade é grande e por vezes a ventilação do ambiente é precária, o que facilita o contágio.
No entanto, esse tipo “caseiro” de contágio cai drasticamente durante um lockdown, porque as pessoas estão circulando menos pelas ruas e há menos gente trazendo o vírus para dentro de suas casas. Consequentemente a medida ajuda a conter a pandemia, e não a expandi-la.
Evitar 5 mil mortes diárias
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que um lockdown semelhante ao adotado em outras grandes democracias ao redor do mundo, como ocorre na Europa, é um caminho-chave para que o Brasil consiga evitar alcançar a marca de 5.000 mortes diárias pelo coronavírus.
Em 19 de maio de 2020, o país atingiu pela primeira vez a marca das mil mortes diárias. Dez meses depois, o país alcançou a casa de 2.000 óbitos por dia. Em apenas três semanas, este número saltou para 3 mil, no início de abril.
Cinco dias depois, em 06/04, um novo recorde entrava para a história da pandemia: o país perdia em 24 horas um total de 4.165 pessoas para a infecção pelo coronavírus.
De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, não há forma de sair da crise sem um lockdown nacional de, no mínimo, três semanas. Eles explicam que, com menos circulação nas ruas, o coronavírus encontra menos pessoas vulneráveis para infectar.
Pessoas que saem de casa, pegam transporte público e circulam por comércios acabam tendo proximidade com centenas de outras pessoas. Elas, assim, têm mais chance de encontrar alguém doente e contrair o vírus – esse processo de deslocamentos e interações é chamado por cientistas de cadeia de transmissão da doença.
O lockdown quebra as tais cadeias de transmissão e impede que ela se espalhe em progressão geométrica em condomínios, ruas, bairros ou cidades inteiras.
Para derrubar as cadeias de transmissão, os epidemiologistas calculam que seria necessário manter cerca de 70% dos brasileiros dentro de casa durante a vigência do lockdown.
“Nesse sentido, a circulação só estaria liberada para trabalhadores essenciais de verdade, como aqueles que integram os serviços de saúde e a cadeia produtiva de alimentação”, explica a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo.
Custos e benefícios
A OMS diz o contrário do que fala Eduardo Bolsonaro: a entidade afirma que o lockdown pode ser eficiente em retardar a transmissão do coronavírus.
O objetivo do lockdown é reduzir o ritmo de reprodução do coronavírus, conhecido como “R”. Quando o índice “R” está acima de 1, a pandemia está se expandindo; quando ele fica abaixo de 1, ela está diminuindo. O lockdown foi utilizado por diversos países em momentos em que o “R” estava muito acima de 1.
Mas a OMS recomenda cautela aos governos que optarem por adotá-la, devido ao impacto que as restrições podem ter na saúde mental das pessoas.
“Medidas de distanciamento físico em grande escala e restrições de movimento, muitas vezes referidas como lockdowns, podem retardar a transmissão da covid-19, limitando o contato entre as pessoas”, afirmou a OMS em uma sessão de perguntas e respostas publicada no seu site em 31 de dezembro de 2020.
A entidade recomenda que cada autoridade de saúde pese os benefícios e custos do lockdown de acordo com sua situação particular.
“No entanto, essas medidas podem ter um impacto negativo profundo sobre os indivíduos, comunidades e sociedades, ao trazer a vida social e econômica quase a uma paralisação. Essas medidas afetam desproporcionalmente os grupos desfavorecidos, incluindo pessoas em situação de pobreza, migrantes, pessoas deslocadas internamente e refugiados, que na maioria das vezes vivem em locais superlotados e com poucos recursos, e dependem do trabalho diário para sua subsistência”, diz a entidade.
“A OMS reconhece que, em certos pontos, alguns países não tiveram escolha a não ser emitir pedidos de permanência em casa e outras medidas para ganhar tempo.”
“Os governos devem aproveitar ao máximo o tempo extra concedido pelas medidas de lockdown, fazendo tudo o que puderem para desenvolver suas capacidades de detectar, isolar, testar e cuidar de todos os casos; rastrear e colocar em quarentena todos os contatos; engajar, capacitar e permitir que as populações impulsionem a resposta da sociedade e muito mais.”
“A OMS espera que os países usem intervenções direcionadas onde e quando necessário, com base na situação local.”
A OMS também não usa o termo “distanciamento social”, publicado por Eduardo Bolsonaro. A entidade prefere adotar o termo “distanciamento físico”, já que a entidade ressalta que é importante que as pessoas continuem socialmente conectadas, ainda que fisicamente distantes, para evitar a disseminação do vírus.
A polêmica em torno do lockdown gira em torno da sua eficácia e dos seus custos para a população.
Em outubro, milhares de pesquisadores e profissionais de saúde assinaram uma carta conhecida como Declaração de Great Barrington.
O grupo pede que as políticas de lockdown se concentrem nos mais vulneráveis, permitindo que pessoas saudáveis sigam suas vidas com mais normalidade.
Eles defendem que manter políticas de restrição rigorosas até que uma vacina esteja disponível causaria “danos irreparáveis, com os menos privilegiados sendo desproporcionalmente prejudicados”.
Mas muitos cientistas e autoridades de saúde acreditam que o lockdown é essencial para conter a pandemia. Um estudo do governo britânico indicou que o número “R” caiu para 0,6 após o primeiro lockdown em abril do ano passado.
Ou seja, ao final do lockdown, cada mil pessoas infectadas estavam transmitindo o vírus para outras 600, que o transmitiam para outras 360 e assim por diante — diminuindo o tamanho da pandemia.
No Brasil, restrições vem sendo adotadas por governadores e prefeitos para conter a disseminação do vírus. Diversos Estados adotaram um sistema de semáforo, com restrições maiores em lugares mais gravemente atingidos pela pandemia.
Mas o governo federal é contra qualquer tipo de lockdown. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, se manifestou contra a medida neste mês.
“Eu pergunto a você: ‘Quem quer lockdown?’. Ninguém quer lockdown. O que nós temos do ponto de vista prático é adotar medidas sanitárias eficientes que evitem lockdown, até porque a população não adere a lockdown.”