Empresa pode responder na Justiça por discriminação contra portador de HIV

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Robson Fernandes/12.set.2007/AEFoto Robson Fernandes/12.set.2007/AE
Portador do vírus HIV recebe coquetel de
remédios contra a doença em São Paulo

 
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Há mais de dez anos, a professora Mara Moreira não encontra um emprego. E, há três anos, ela não tem nenhuma fonte de renda.

 

– Você contrataria alguém que precisa faltar uma vez por semana no trabalho para fazer o tratamento?

Mara é portadora do HIV desde 1995. Ela contraiu o vírus de seu marido logo após o casamento, em dezembro de 1994. Menos de dois anos depois ele morreu. À época, Mara era estagiária em uma prefeitura do interior do Rio de Janeiro.

– Eu estava com emprego quase certo. Mas quando souberam do resultado, eles recusaram o emprego [referente à função que exercia].

Um levantamento feito pelo Unaids (Programa da Organização das Nações Unidas de combate à Aids) indica que 29% dos brasileiros não trabalhariam com portadores do HIV. Por causa do preconceito, o governo brasileiro proibiu, no fim de maio, as empresas do país de exigir o exame de HIV dos trabalhadores.

No caso de Mara, ela acabou conseguindo ser contratada pela prefeitura, mas para um outro setor.

– Me colocaram numa função que não tinha nada a ver com o que eu fazia. A desculpa é que era para eu fazer o tratamento.

Naquela época, Mara ainda não fazia o tratamento com o coquetel de remédios anti-HIV. E a função que passou a exercer, diz ela, era menos exigente e a mantinha mais isolada dos colegas.

A advogada trabalhista Isadora Petenon, do escritório Advocacia Celso Botelho de Moraes, diz que pessoas que sofrem com o mesmo problema de Mara podem recorrer à Justiça do Trabalho e exigir indenização por danos morais se forem rebaixadas de função por causa da doença.

Profissionais que forem demitidos por ter HIV podem entrar com ação para pedir a recontratação, diz Isadora.

– Jamais alguém pode ser demitido por ter uma doença como a Aids, mas é preciso que fique configurado que a demissão ocorreu por causa da doença. Se a empresa fez um corte de vários funcionários, incluindo o portador do HIV, ou nem sabia que ele tinha Aids, não é o caso.

A empresa também pode ser responsabilizada por crimes como calúnia, que prevê prisão de seis meses a dois anos e multa, ou difamação (prisão de três meses a um ano e multa), caso esteja ciente da existência do preconceito por parte de um funcionário e não tome atitudes para resolver o problema.

 

 

De acordo com o advogado trabalhista Livio Enescu, conselheiro da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a empresa é responsável pelo ambiente de trabalho e pode ter problemas com a Justiça mesmo que a agressão tenha ocorrido fora da sede da companhia.

 

Para provar a irregularidade, o soropositivo vai precisar recolher provas e convencer colegas a serem testemunhas da discriminação, diz o especialista.

– Ele vai ter que provar que ficou abalado com a situação, chamar testemunhas e também selecionar provas materiais, como e-mails trocados sobre o assunto, porque muitas vezes os chefes mandam mensagens horrorosas hoje em dia. Vale também imprimir possíveis recados deixados no Orkut ou no Facebook, por exemplo.

Com HIV, sem trabalho, sem benefício

Depois de quatro anos, com a mudança de prefeito, Mara foi demitida. Ela passou a receber o auxílio-doença do INSS, que lhe garantia uma renda de um salário mínimo. Mas, depois de receber o benefício por sete anos, ela perdeu esse direito.

– Após sete anos, se você não teve uma doença oportunista [como uma tuberculose], você perde o benefício, independente da carga viral. Nem minha falência terapêutica não importa para eles.

Atualmente o organismo de Mara já criou resistência para alguns dos antirretrovirais, período chamado de falência terapêutica.

– Todos os medicamentos que já usei não estão fazendo mais efeito. Por isso, minha médica me fez trocar todos os remédios. E mesmo assim não consigo arrumar meu benefício nem arrumar emprego.

A advogada Aurea Celeste Abbade, presidente-fundadora do Gapa (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids), instituição que presta assistência psicológica, jurídica e social para portadores da doença, diz que o caso de Mara não é uma exceção.

– Não sei se é ignorância, falta de conhecimento das formas de transmissão. Toda semana temos três, quatro pessoas que foram despedidas por discriminação. Temos vários processos. Muitas vezes conseguimos provar, outras não.

Segundo ela, há situações em que as empresas demitem os portadores, mas encontram outras razões para justificar a demissão.

– Já aconteceu em dois bancos grandes. Eles dizem que as pessoas perderam a produtividade. Arranjam outras desculpas. Eles pagam tudo e às vezes até dão uma coisa a mais. Tivemos um caso que a empresa deu R$ 700 mil a mais [para o ex-funcionário].

Falar de Aids diminui o preconceito

A médica norte-americana Amy Nunn, professora da Universidade Brown, nos Estados Unidos, e autora do livro The Politics and History of AIDS Treatment in Brazil (A Política e a História do Tratamento contra a Aids no Brasil), lançado no ano passado, diz que esse tipo de preconceito atinge a maior parte do mundo, e não só o Brasil. Para ela, é necessário falar abertamente sobre a doença.

– A melhor forma de lidar com o estigma é continuar falando sobre HIV/Aids para que pessoas não tenham medo de fazer o exame ou de revelar que têm HIV ou de ficar perto de pessoas infectadas pelo vírus. O Brasil faz um ótimo trabalho com campanhas para desestigmatizar a Aids.

Entretanto, para Aurea, esse tipo de ação deveria ser intensificado.

– Para diminuir o preconceito, cabe ao governo fazer campanhas educativas, falando sobre os meios e formas de transmissão. Mas não pode fazer apenas uma vez por ano. Em geral as campanhas ocorrem no Carnaval e no dia 1º de dezembro [Dia Mundial de Luta Contra Aids]. Precisamos também de campanhas dentro das empresas.

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