Uma mancha marrom de aspecto leitoso polui o rio Tarumã, principal fonte de água para chiquitanos em seu território indígena, na fronteira de Mato Grosso com a Bolívia. Outrora límpido e banhável, a poluição no corpo hídrico prejudica a sobrevivência e a vida espiritual das aldeias desses povos. Eles suspeitam que o rio esteja poluído por atividade garimpeira.
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Imagens feitas na região pelos indígenas mostram que o rio está poluído e com menos água
Um ofício elaborado por 74 ONGs que dão apoio aos indígenas foi encaminhado para os Ministérios Públicos Estadual e Federal para começar uma investigação e foi assinado por outras organizações.
Os chiquitanos do Território Indígena Portal do Encantado, uma área de 43 mil hectares em Vila Bela da Santíssima Trindade (a 531 km de Cuiabá), procuraram os órgãos voltados para a defesa de direitos humanos em 10 de janeiro. Um dos caciques conta que o rio estava com pouquíssima água por conta do período de estiagem do ano passado. As chuvas apareceram em dezembro e a água continuou a ficar com aspecto muito turvo e marrom.
Os indígenas atribuíram a cor d’água às chuvas. É fato corriqueiro nesse período a água com muitos sedimentos e barrenta por conta das precipitações. “Mas ela continuou suja mesmo sem chover”, traz ofício da ONG. O Tarumã, formado por diversos córregos e rios menores da região, é o único corpo da água que passa pelo TI Portal do Encantado. A área está em processo de demarcação, tendo sido declarada, e ainda falta passar pelas etapas de reserva, homologação e registro, o que também preocupa os indígenas.
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A área dos Chiquitanos fica na terra indígena Portal do Encantado perto de Cáceres (MT)
Os chiquitanos temem por sua segurança se saírem do território para verificar o que está ocorrendo com o rio, mas acreditam que alguns córregos estejam sendo represados e suspeitam de atividade garimpeira bem na nascente do rio. “Felizmente, até o momento não há relato de adoecimento de qualquer natureza, ao menos associado ao uso do rio, mas há orientações dos caciques para que as pessoas diminuam ou cessem o uso das águas do Tarumã utilizadas, sobretudo, para banho e rituais espirituais”, relata a ONG.
O Centro Dom Máximo Biènnes classifica como preocupante a situação, já que o Tarumã é usado por diversas aldeias chiquitanas de seu território. Algumas inclusive só têm esse rio para se alimentar e banhar, ressaltando também que está em baixo nível. A água é usada por diversas comunidades bolivianas, pois ao sair do território indígena chiquitano, o rio entra no país vizinho.
A organização pede para que MPE e MPF investiguem a origem da poluição. Eles lembram que água é “elemento essencial para a vida humana” e um direito fundamental para o ser humano garantido pela Constituição Federal. “A situação de dano ao Rio Tarumã repercute no mundo físico e espiritual indígena. Isso porque o rio mantém a vida dos animais e de protetores espirituais responsáveis pelo equilíbrio da natureza”, pontua.
“A ocupação da terra é ancestral”
Para o secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Herman Oliveira, a ocupação da terra é ancestral, apesar do processo de homologação do território Chiquitano estar suspenso. “O que está acontecendo de maneira aparentemente pontual é um modos operandi de ir ocupando, comendo os territórios pelas beiradas, se instalando, criando um factoide. Sendo Mato Grosso um estado eminentemente rural, um grande laboratório de commodities no mundo, há uma pressão sobre os povos que representariam a última fronteira do agronegócio, desse modelo de uso e ocupação do solo e ao mesmo tempo desse cenário da geopolítica internacional. A situação do povo Chiquitano nos leva a acreditar que eles sejam, talvez, o povo mais oprimido em Mato Grosso neste momento”, explica Herman.
O cacique José e a comunidade Chiquitana lamentam a situação do rio Tarumã e exigem justiça. “Nós esperamos que a justiça seja feita e que as pessoas paguem pelo crime ambiental. Apenas essa multa é pouco pela destruição do rio Tarumã. Eles precisam reflorestar a margem, arrumar a cabeceira, estourar a represa e deixar que o rio siga seu leito natural. É o mínimo que nós esperamos da Justiça. O nosso povo fica muito triste porque nunca vimos um rio secar”, diz o cacique José. (Com informações da assessoria)