Exames para detectar câncer de mama estão sendo feitos por mulheres cegas na Alemanha. A ideia já existe há alguns anos, e uma pesquisa inédita sugere que pessoas cegas podem, de fato, detectar tumores mais cedo do que aquelas que enxergam.
Esta ideia simples, mas surpreendente, passou pela cabeça de um médico alemão uma manhã enquanto ele estava tomando banho: mulheres cegas poderiam fazer seu trabalho muito melhor do que ele?
“Três minutos é o tempo que eu tenho para fazer exames clínicos das mamas”, diz o ginecologista baseado em Duisburg Frank Hoffmann.
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“Isso não é suficiente para encontrar pequenos nódulos no tecido mamário, o que é crucial para detectar o câncer de mama cedo.”
Pessoas treinadas para ler em braille tem o tato altamente desenvolvido. Por isso, Hoffmann supôs que as mulheres cegas e com deficiência visual seriam mais qualificadas do que qualquer outra pessoa para realizar exames de mama em seus pacientes.
A evidência agora é inequívoca, diz ele.
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Em um estudo ainda não publicado, realizado com a Universidade de Essen, mulheres cegas conseguiram detectar quase um terço a mais de nódulos que outros ginecologistas.
“Mulheres que fazem autoexame podem sentir tumores de 2 cm ou maiores”, diz Hoffmann.
“Os médicos costumam encontrar tumores entre um centímetro e dois centímetros, enquanto os examinadores cegos encontraram nódulos com tamanhos entre 6 mm e 8 mm. Isso faz uma diferença real. Esse é o tempo que um tumor leva para se espalhar pelo corpo.”
Experiência
Na Alemanha e no Reino Unido, mamografias regulares são oferecidas apenas a mulheres com 50 anos ou mais – mas, em ambos os países, o câncer de mama é a maior causa de morte de mulheres entre 40 e 55 ano, e na Alemanha, a idade das mulheres afetadas está caindo.
Hoffmann diz que fundou sua organização, Discovering Hands, para salvar vidas pela detecção precoce. Ele desenvolveu um curso para treinar mulheres cegas para se tornarem examinadoras médicas táteis (MTEs, na sigla em inglês), e agora existem 17 trabalhando em clínicas em toda a Alemanha.
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Uma delas, Filiz Demir, atende cerca de sete mulheres por dia, realizando exames que podem durar até 45 minutos – o que seria pouco usual para um ginecologista.
Há pouco mais de um ano, Demir trabalhava em uma agência de viagens. Mas, quando ela completou 35 anos, sua visão se deteriorou lentamente, e fazer seu trabalho tornou-se cada vez mais difícil. Ela pediu demissão e aprendeu braille, mas não conseguia sequer ser chamada para entrevistas de emprego.
“A cegueira era minha maior deficiência naquela época”, diz ela.
“Agora, minha deficiência tornou-se minha força. Eu não sou dependente de ninguém e posso ajudar os outros. É um ótimo sentimento.”
Curiosa para saber como Demir e suas colegas trabalham, eu decidi fazer um exame.
Usando tiras de fita marcadas com coordenadas em braille, o MTE faz uma “grade” sobre o peito. Ela examina lentamente por esta grade de modo que possa indicar a localização precisa se encontrar um nódulo.
Demir faz uma análise detalhada, mas os 30 minutos passam voando. É um ambiente descontraído e relaxante, nem um pouco desconfortável e há ampla oportunidade de fazer perguntas.
Depois de sete meses neste trabalho, Demir claramente se mostra aliviada por ter encontrado principalmente tumores benignos. Apenas algumas semanas atrás ela encontrou o primeiro maligno, que a balançou um pouco.
Mas é a minha vez de ser pega de surpresa quando ela remove as tiras em Braille e cuidadosamente me diz que encontrou algo.
Um nódulo de cada lado, na verdade.
Se eu fosse uma paciente regular na clínica, eu teria ido para a próxima sala para um ultrassom. Infelizmente, tive de levar essa informação para meu ginecologista em Berlim, onde fui encaminhada para um ultrassom e uma mamografia.
Depois de algumas semanas de espera por uma consulta, o ultrassom finalmente ficou pronto e não mostrou nada. O radiologista me disse que não fazia sentido fazer uma mamografia – e sugeriu que o examinador provavelmente só sentiu um pouco das minhas costelas.
O conselho de Hoffmann em situações do tipo é repetir o exame com o MTE algumas semanas mais tarde, na primeira metade do ciclo menstrual. Se um nódulo ainda puder ser detectado “a mamografia faz sentido”, diz ele.
É exatamente esse ciclo de check-ups que podem levar a alarmes falsos, angústia e cirurgias desnecessárias, de acordo com o professor Gerd Gigerenzer, diretor do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano.
“Conheço muitas mulheres que ficaram assustados com alarmes falsos. Algumas fizeram biópsia, que não mostrou nada, mas vivem suas vidas de mamografia em mamografia.”
Há pouco consenso sobre os benefícios dos programas de detecção de câncer de mama e se exames regulares realmente salvam vidas. Gigerenzer adverte explicitamente contra eles, e não se anima com a ideia de que agora é possível detectar nódulos menores.
“Quanto mais precisas forem as técnicas de diagnóstico, mais cânceres clinicamente irrelevantes serão detectados”, diz ele.
“Isto pode levar a cirurgias e radioterapias desnecessárias. Neste caso, a detecção precoce só prejudica.”
O método Discovering Hands, segundo ele, está fora de julgamento até que a equipe possa fornecer provas que comprovem que a técnica de fato reduz a mortalidade.
Um estudo sobre o assunto está previsto para ser concluído e publicado ainda este ano.
Paciente
Enquanto isso, uma das pacientes de Hoffmann, Heike Gothe, me diz que deve sua vida a uma dessas examinadoras.
Ainda tendo que lidar com a morte prematura de seu marido por doença, Gothe assumiu o comando do negócio da família, uma pequena empresa de exportação internacional de sucesso. Mas não demorou muito para que ela recebesse seu próprio diagnóstico.
“Eu tinha sentido um caroço no meu seio direito e fui ver o médico”, diz Gothe.
“Eles confirmaram o que eu tinha encontrado e, em seguida detectaram um pequeno nódulo no lado esquerdo, com apenas 2 milímetros de tamanho. Ele nem sequer apareceu na ultrassonografia ou mamografia, apenas o MTE cego sentiu.”
O encontro deste pequeno tumor pode ter salvado sua vida. Ambos os tumores foram diagnosticados como malignos, mas com quimioterapia e radioterapia, ela superou o câncer.
Gothe é uma batalhadora, mas ela credita sua energia e positividade a estes exames feitos por um MTE a cada seis meses. Segundo Gothe, é assim que ela consegue dormir à noite e tocar seu negócio.
“O medo aparece de vez em quando”, diz Gothe. “E só consigo lidar com isso porque sei que estou em boas mãos.”
Algumas companhias de seguros alemães também estão convencidas. Seis delas agora cobrem os custos para os seus pacientes fazerem esses exames clínicos das mamas.
Enquanto novos MTES ocupam cargos permanentes em clínicas por toda a Alemanha e na Áustria, o fundador do Discovering Hands, Frank Hoffmann, está em negociações com Israel e Colômbia. Ele vê oportunidades ainda mais longe.
“Estou convencido”, diz ele, “de que, especialmente em países que não são tecnicamente tão avançados como a Alemanha, este modelo poderia melhorar a qualidade de normas médicas muito dramaticamente.”