Maneira de motivar e unir seu grupo inexperiente. Os novos inimigos são os jornalistas brasileiros, os ‘cornetas’…
Fortaleza…
“Cornetas”, falou, sabendo que seria ouvido.
Felipão saiu irritadíssimo da coletiva de ontem, aqui no Ceará. Há tempos ele já havia falado aos jogadores que não teriam o apoio da imprensa brasileira quando fossem mal. Que não contassem com isso. Mas não precisou nem vir o resultado ruim. O técnico estava incomodado com os jornalistas nacionais criticando a simulação do pênalti de Fred contra a Croácia.
Por sugestão dele, o atacante teve de gravar um vídeo para a CBF jurando ter sofrido a penalidade. Mas o conflito estava começando. Felipão só esperava surgir um lance que ele considerasse duvidoso para cobrar os jornalistas. E na frente das câmeras, como cansou de fazer em 2002.
Ele quebrou o protocolo da Fifa e disse que a última pergunta seria sua na coletiva. Aos jornalistas que estavam no Castelão. “Não tem mais pênalti a favor do Brasil? Vocês só criticaram o do Fred.” Falou e se levantou bufando. Antes de passar pela porta que o tiraria da sala de coletiva, desabafou: “Cornetas”.
Luiz Felipe Scolari não toma um copo de água sem saber o que faz. Antes de ser um treinador, é um excelente motivador. O que fez foi repetir o que fez há 12 anos. Enfrentar o inimigo que tanto irrita seus jogadores: a imprensa. Transformá-la em inimiga. Pelo menos enquanto durar a Copa. Essa estratégia ele aprendeu com Enzo Bearzot, campeão mundial com a Itália em 1982.
O falecido técnico e seu selecionado não falavam com a maioria dos jornalistas. As críticas eram por causa do escândalo de resultados combinados no Campeonato Italiano e pelo fraquíssimo futebol do time na primeira fase da Copa. Na Copa do Japão, o Brasil chegou desacreditado pela péssima Eliminatória que disputou. Daí o questionamento.
Agora Felipão tem nas mãos um grupo inexperiente. Sabe o quanto está pressionado. Ainda mais depois das próprias declarações do treinador. Ele garantiu que o Brasil será campeão do mundo. Assim como seu coordenador, Carlos Alberto Parreira. Dois vencedores de Copa jurando que a Seleção vencerá esta. Lógico que a cobrança seria forte, ficaria mais ainda.
No Brasil, não há meio-termo. A festa foi exagerada depois da vitória contra a Croácia. Agora, o clima é de velório depois do empate em 0 a 0 diante do México. Durante a partida, ficou claro que Felipão se deixou envolver. Saiu da sua característica. E tratou de escancarar o time. Tirou Ramires e colocou Bernard. Queria vencer de qualquer jeito.
A Seleção pressionou realmente mais os mexicanos. Ochoa fez grandes defesas. Só que o Brasil estava vulnerável. Tivesse um adversário de maior potencial, teria graves problemas. A mudança tática de Luiz Felipe foi arriscada ao excesso. E, pior, nunca treinada. O tempo de preparamento é pouco, mas isso não se faz. Improviso com 45 minutos de jogo pela frente é comprar briga com a lógica.
Felipão soube pelo médico Runco. Hulk tinha condições de jogar ontem contra o México. Só que o treinador acompanhou a entrevista e conversou com o atacante. Sentiu o medo que ele teve ao sentir uma dor no músculo adutor da coxa esquerda. Pensou que pudesse ser um estiramento. E tirá-lo da Copa do Mundo. O seu desgaste emocional. Por isso resolveu tirá-lo do jogo. E dar mais equilíbrio na cobertura dos laterais com Ramires.
Depois do jogo, a reação do atacante foi diferente. Ele estava irritado. Com outro medo. Acreditando que poderia ter perdido a posição. Por isso fez questão de falar. “Eu tinha condições de jogar. Eu tinha.” Ou seja, não escondeu que a decisão foi de Felipão.
Depois do frustrante empate em 0 a 0, o técnico foi questionado. Ouviu a pergunta que queria. Parecia um pedido dos deuses. “Você confia nos seus jogadores?” Foi a deixa para tecer loas, elogiar o time. E mostrar toda a confiança, que realmente tem, na equipe. Tanto que é muito provável que a equipe que venceu a Copa das Confederações volte a campo contra Camarões. Inclusive com o instável Hulk. Os africanos têm graves defeitos defensivos. O que anima Felipão.
O clima ruim com a imprensa também tem outro objetivo. Desviar o foco de Neymar. O jogador de 22 anos começa a sentir o peso de ser responsável em campo pela conquista da Copa. Foi chocante a imagem de seu choro compulsivo aqui em Fortaleza. Ainda durante o hino nacional. Era apenas uma repetição do que havia acontecido no ano passado pela Copa das Confederações. Contra o mesmo México. Partida em que Neymar foi muito bem, marcou gol e deu outro a Jô, na vitória por 2 a 0.
Mas Neymar mostrou que ainda é um garoto. Jogador do Barcelona, com rendimentos de mais de R$ 36 milhões por ano. Mas ainda é um garoto de 22 anos. Que segue à risca os conselhos midiáticos de Ronaldo. Fazer de tudo para aparecer até fora do campo na Copa. Perdeu duas horas e meia de seu descanso para pintar o cabelo de louro. Mas na hora do hino nacional gritado com a alma pelos cearenses, fraquejou. Pensou por um instante tudo o que significava e chorou. Mostrou o seu destempero mais do que normal para a idade.
Lutou demais contra a fortíssima e bem articulada marcação mexicana. Mesmo assim criou chances. Ele e seus companheiros acabaram desperdiçando. No meio do segundo tempo ele cansou e seus dribles e arrancadas já não eram as mesmas. Os gols e a vitória não vieram.
A reação de um ídolo de verdade é falar quando as coisas não dão certo. Explicar para o fã que o venera o que precisa ser feito. Passar confiança que na próxima partida tudo dará certo. Enfim, dar o seu ponto de vista. Só que Neymar usou o mesmo triste artifício de Fred no jogo passado. Fugiu dos jornalistas por uma porta especial. Essa atitude à primeira vista parece poupar os atletas de aborrecimento. Mas só piora tudo. Passa para a imprensa a imagem de fraqueza e abre espaço ainda mais para críticas. Felipão precisa orientar seus jogadores. Isso não leva a nada. Só piora a relação. O Brasil está apenas na sua segunda partida da Copa. Ganhou a primeira com um pênalti simulado e empatou 0 a 0. O Mundial é disputado em casa, com o apoio de milhares de torcedores.
Mas Felipão já deixou claro. A hora é do motivador, o palestrante entrar em cena. E se fechar com seu grupo. Mostrar que além dos adversários há outros à espreita. Os jornalistas que seguem a Seleção. Já fez isso com o Grêmio, Palmeiras e com o próprio Brasil. Eu estive lá no Japão, na zona mista onde os jogadores brasileiros deveriam passar após a conquista do pentacampeonato.
Era a hora das grandes declarações, choro, desabafos. Mas puxados por Roque Júnior e Ronaldinho Gaúcho, eles passaram com pandeiros, bumbos. Tinha até cuíca. Batucavam com raiva. Se fingiam surdos. Não se preocuparam que desperdiçavam a chance de deixar frases para a história. Mostrar a felicidade para os seus filhos, netos, fãs. Desprezaram a imprensa brasileira. Saíram sambando. Era o troco. A vingança. É assim que Felipão comanda seus grupos.
É uma estratégia que deve dar muito prazer quando dá certo. O time é campeão. Mas quando fracassa tudo fica muito pior. Dunga tentou ir por esse caminho. Acabou se queimando no futebol. Levando consigo seu maior símbolo, Felipe Melo, banido da Seleção.
Mas esta será a aposta de Felipão daqui para frente. Enfrentar quem ousar criticar, cobrar a Seleção. Generalizar quem pega o microfone para fazer uma pergunta. Os seus atletas já estão avisados. Os novos inimigos são os jornalistas brasileiros. Ou os ‘cornetas’ para os íntimos…