Por cinco votos a quatro, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na sessão desta segunda-feira (17) do julgamento do Mensalão, em Brasília, que os os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), condenados por participação no esquema, perderão seus mandatos.
A questão sobre a perda dos mandatos dividiu os magistrados: Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello seguiram o relator e defenderam que a Suprema Corte tem poder para determinar a cassação dos mandatos. Celso de Mello, o decano da Corte, votou na sessão de hoje. Os demais magistrados apresentaram seus votos na sessão do último dia 10.
Outros três magistrados, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Rosa Weber, seguiram o revisor Ricardo Lewandowski, que defendeu que cabe ao Legislativo decidir sobre os mandatos dos condenados. Além dos deputados, a maioria dos magistrados já concordou com a cassação imediata do mandato de José Borba (PP), atual prefeito de Jandaia do Sul (PR).
O ex-deputado na época do mensalão e atual prefeito de Jandaia do Sul (PR), José Borba (PP), também deverá perder o mandato, que terminaria no dia 31 de dezembro.
O decano deveria ter votado na sessão da última quarta-feira (12), mas, em razão de uma pneumonia, teve de se afastar do Supremo, o que provocou a suspensão do julgamento do mensalão na semana passada. Hoje, com voz rouca, Mello sustentou que cabe ao Supremo definir a perda dos mandatos.
"Com o trânsito em julgado da condenação criminal, abre-se uma nova etapa do processo de execução penal. Tratando de condenação criminal em sede originária, pelo Supremo Tribunal Federal, compete originariamente a esta Suprema Corte promover e proceder a execução do seu próprio julgado", afirmou.
Ao citar o artigo 102 da Constituição Federal, Celso de Mello reitera que "o Supremo Tribunal Federal, em processo originário [do Supremo], transforma-se no próprio juízo de execução."
O ministro, entretanto, disse que o STF ainda não tem jurisprudência em relação à decisão sobre perda de mandato, o que ele chamou de "verdadeiro litígio constitucional."
"Este tema em julgamento examinado na perspectiva dos membros do Congresso Nacional não foi inteiramente apreciado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na profundidade que está sendo debatida nestes autos", acrescentou Mello.
João Paulo Cunha foi condenado a 9 anos e 4 meses, mais multa de R$ 360.000. Valdemar Costa Neto, a 7 anos e 10 meses e mais multa de R$ 1,08 milhão e Pedro Henry, a 7 anos e 2 meses, mais multa de R$ 888 mil.
Mello fez uma análise sobre dois artigos da Constituição Federal, o 15º e o 55º, nos quais os ministros basearam seus votos para decidir sobre a perda de mandato parlamentar.
Pelo inciso 3 do artigo 15º da Constituição, a perda ou suspensão dos direitos políticos se dará nos casos de condenação criminal transitada em julgado (quando não cabem mais recursos), enquanto durarem seus efeitos
O artigo 55º estabelece que, ao sofrer uma condenação criminal em sentença transitada em julgado, a perda do mandato de um parlamentar será decidida pela Câmara dos Deputados ou por voto secreto e maioria absoluta, o equivalente a metade dos deputados mais um (257).
"Não me se demanda mais a formulação de um novo estatuto legal, de uma lei complementar ou lei [ordinária], o artigo 15, inciso 3º, reveste-se de autoaplicabilidade", afirmou Mello.
A advogada criminalista Patricia Sosman Wagman, que acompanha a sessão do mensalão na redação do UOL, explica que a suspensão dos direitos políticos está prevista na Constituição.
"A suspensão dos direitos políticos – direito de votar e ser votado – não está previsto expressamente no Código Penal, mas sim na Constituição da República. A suspensão dos direitos políticos é uma consequência natural da sentença condenatória transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos".
Outros votos pela cassação pelo STF
Pelo entendimento do relator Joaquim Barbosa, a perda de mandato deve estar incluída na decisão judicial e a Câmara não poderia alterá-la.
"Condenado o deputado ou senador, no curso de seu mandato pela mais alta instância do Poder Judiciário nacional, inexiste espaço para o exercício do juízo político ou de conveniência pelo Legislativo, pois a suspensão dos direitos políticos e a consequente perda do mandato eletivo é efeito irreversível da sentença condenatória", disse Barbosa, durante seu voto na sessão do dia 6.
A divergência sobre a cassação se dá em torno das interpretações do Código Penal e da Constituição Federal (veja tabela no final do texto). O Código Penal determina que, nos casos de condenação criminal, um dos efeitos é a perda do mandato.
Já a Constituição Federal estabelece que a Câmara dos Deputados é que deve decidir internamente com votação em plenário se os deputados devem ou não perder seus mandatos, desde que partidos com representatividade no Congresso ou a própria Mesa Diretora da Casa Legislativa peçam a abertura de um processo disciplinar para cada um deles, após condenação judicial.
Em seu voto na última quinta-feira, Barbosa afirmou que a decisão do Supremo terá caráter definitivo, isto é, a perda de mandato não dependerá de uma votação na Câmara."A sentença condenatória não é um parecer, mas uma manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para sancionar em caráter definitivo."
Para ele, o STF seria incoerente ao determinar "a execução da pena, até mesmo em regime fechado, e a continuidade, por não deliberação da Câmara dos Deputados, do exercício dos mandatos."
"Suspensão de direitos determina perda de mandato", diz advogada
Barbosa qualificou que, neste caso, o papel do Legislativo é "meramente declaratório, não podendo rever" a decisão condenatória final desta Corte. "Se a sentença condenatória for proferida após a diplomação [do candidato eleito], a perda do mandato ocorrer, caberá a Casa [legislativa] declarar, tão somente declarar, a perda do mandato", acrescentou Barbosa.
Gilmar Mendes concordou e argumentou que é incongruente manter o mandato para uma pessoa condenada à prisão. "Uma coisa que se supõe no exercício do mandato é a ideia de liberdade", sustentou. Na avaliação do ministro, a interpretação feita até o momento por quatro dos nove ministros do Supremo acaba sendo "um privilégio a mais do parlamentar."
"Em dados casos, compete ao Judiciário também decretar a perda do mandato eletivo. Por outro lado, a preservação do controle político, por parte do Parlamento, está assegurada, sempre ele poderá suspender o processo tal como está previsto no texto constitucional", acrescentou Mendes.
O ministro Luiz Fux, em um rápido voto, concordou com Barbosa sobre a decisão de que o STF, e não a Câmara dos Deputados, é quem deve cassar os mandatos dos condenados pelo mensalão.
"O Supremo Tribunal Federal tem que cumprir seu dever de declarar a perda de mandato", disse Fux. "A interpretação da Constituição é conforme a lei. Nós temos que discutir se temos o poder, o dever de determinar a perda de mandato", acrescentou.
Posição da Câmara
O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), já declarou que a eventual perda de mandato dos deputados federais condenados no processo do mensalão tem que ser decidida pela própria Casa. Se houver uma decisão contrária do STF, Maia ressalvou que a Câmara irá debater o caso.
"Na minha avaliação, a Constituição é muito clara quando determina em julgamentos criminais, condenações de parlamentares de forma criminal, a decisão final sobre isto é da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, de acordo com o caso. Mas vamos debater isso se houver uma posição por parte do STF contrária a este preceito constitucional", disse Maia, em 29 de novembro, durante a posse do novo ministro do STF Teori Zavascki.
Em artigo publicado nesta segunda na "Folha de S.Paulo", Marco Maia voltou a defender a prerrogativa de que a Câmara casse os mandatos.
"O debate sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados na Ação Penal 470, que acontece no Supremo Tribunal Federal (STF), traz uma séria ameaça à relação harmônica entre os Poderes Legislativo e Judiciário e, portanto, pode dar início a uma grave crise institucional. Isso porque a decisão do STF pode avançar sobre prerrogativas constitucionais de competência exclusiva do Legislativo e, se assim acontecer, podemos estar diante de um impasse sem precedentes na história recente da política nacional", diz.