O pagamento de R$ 276 milhões em precatórios à Andrade Gutierrez pelo governo de Mato Grosso não obedeceu à "fila" cronológica de credores e não foi concretizado por intermédio do Tribunal de Justiça. Ambas as exigências estão previstas na Constituição Federal.
Em seu artigo de nº 100, a Constituição diz que os "pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim."
Dados do TJ mostram que, à ocasião dos primeiros repasses (ao todo, a empreiteira recebeu 13 parcelas), o precatório de maior valor relacionado à empreiteira era apenas o 25º na ordem de credores do Estado.
O primeiro pagamento, de R$ 15,9 milhões, foi feito no dia 4 de março de 2009. O mais recente, de R$ 20 milhões, ocorreu já sob a gestão Silval Barbosa (PMDB), no dia 27 de maio passado.
Em julho, dois inquéritos foram abertos pelo Ministério Público Estadual nas esferas cível e criminal para apurar um possível favorecimento irregular.
Os pagamentos se referem aos precatórios nºs 8/95, 13/95, 37/97 e 39/97.
Todos se originaram de dívidas reconhecidas judicialmente em razão de contratos firmados com o DVOP (Departamento de Viação e Obras Públicas), autarquia extinta pela lei complementar nº 90, de 1º de agosto de 2001.
A lei que determinou a extinção, porém, determinava que todo o passivo da autarquia deveria ser "transferido para o Estado". No caso dos precatórios, isto significava a inclusão na lista única de credores.
Em 2008, o governador Blairo Maggi (PR) editou dois decretos que transferiram da Sinfra (Secretaria de Infraestrutura) para a Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda) a gestão, o controle e a execução do passivo do DVOP.
"A Secretaria de Fazenda (…) providenciará as dotações orçamentárias para execução da despesa", diz o primeiro decreto, que direcionou a execução da despesa por meio da rubrica "Operacionalização de Contratos Remanescentes de Órgãos Extintos".
O segundo decreto incluiu no modelo os processos "em trâmite na Justiça Estadual, bem como os processos administrativos referentes à cobrança de juros e correção monetária dos atrasos nos pagamentos."
Ainda em 2008, o governo solicitou ao TJ autorização para adotar uma lista de pagamentos paralela, contendo apenas os credores do DVOP.
Em março de 2009, 20 dias após o início dos pagamentos, a Justiça disse que o governo poderia adotar uma lista em separado, mas "apenas para fins didáticos" e "com rigorosa e absoluta observância da ordem cronológica".
Os pagamentos à Andrade Gutierrez, segundo o Fiplan, foram definidos dentro do processo nº 82679/2009-SEFAZ.
Silêncio
Desde a terça-feira, o Midianews tenta sem sucesso obter informações por parte do governo estadual.
A Sefaz disse que não possuía a relação integral de credores do DVOP e declarou que os pagamentos haviam sido feitos segundo determinação da Setpu (Secretaria Estadual de Transportes e Pavimentação Urbana).
A Setpu negou relação com os pagamentos e disse que toda a operação havia sido coordenada diretamente pela Sefaz.
Na quarta-feira, a reportagem voltou a encaminhar um pedido de informações à Sefaz, mas não obteve resposta.
O secretário Eder Moraes, então secretário de Fazenda e hoje na Secopa, foi procurado, mas não atendeu ao recado deixado em sua caixa-postal.
A AGE (Auditoria Geral do Estado) não atendeu aos pedidos de reportagem. O procurador-geral do Estado, Jenz Prochnow, disse que não iria comentar o assunto.
Nesta quinta-feira, a assessoria do senador Blairo Maggi (PR) disse que ele não iria comentar o assunto.
Defesa
Em agosto, em nota assinada pelo secretário José Lacerda (Casa Civil), o governo defendeu a legalidade dos pagamentos à Andrade Gutierrez.
"O acordo foi celebrado entre o Estado de Mato Grosso, através da Procuradoria-Geral do Estado, com anuência da Secretaria de Fazenda e representante da empresa. Os pagamentos realizados foram comunicados ao Tribunal de Justiça", dizia a nota.
Na nota, o governo diz que os pagamentos foram feitos para evitar um pedido "intervenção federal feito pelo Ministério Público Estadual pelo não-pagamento desses precatórios".
"Além disso, havia pedido de sequestro de valores nas contas do estado. O eventual seqüestro inviabilizaria a administração, tendo seus reflexos imediatos nas contas do Estado e demais poderes constituídos."
Lacerda disse, ainda, que o Estado fez a "opção de saldar, dentro das suas condições financeiras, todos os passivos cíveis e trabalhistas existentes no Estado desde a década de 70". "Não houve privilégio nos pagamentos."
Confira a relação de pagamentos feitos pelo Governo à Andrade Gutierrez:
ANO: 2009
DATA VALOR
04/03/2009 – R$ 15.979.257,39
03/04/2009 – R$ 15.979.257,40
10/06/2009 – R$ 14.203.850,94
26/06/2009 – R$ 60.276.838,73
23/06/2009 – R$ 29.723.161,27
20/07/2009 – R$ 2.340.890,22
08/09/2009 – R$ 25.000.000,00
11/11/2009 – R$ 22.000.000,00
TOTAL: R$ 185 milhões
ANO: 2010
29/01/2010 – R$ 40.000.000,00
15/03/2010 – R$ 5.030.016,20
13/08/2010 – R$ 10.000.000,00
23/06/2010 – R$ 16.000.000,00
TOTAL: R$ 71.030 milhões
ANO: 2011
27/05/2011 – R$ 20.000.000,00