Nascer hemofílico é uma rotina de dor, privação e incertezas, que atinge cerca de 11,8 mil brasileiros. No Estado, aproximadamente 350 homens fazem acompanhamento da hemofilia pelo Hemocentro de Mato Grosso, localizado na Rua 13 de Junho, no bairro do Porto.
A enfermidade atinge apenas os homens, devido a uma mutação genética no cromossomo X. O resultado disso são sangramentos constantes e involuntários, que podem evoluir para hemorragias e, até mesmo, incapacitar fisicamente.
Em todo o Brasil, a principal queixa é que os estoques do medicamento, fornecido exclusiva e gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), são falhos e não permitem que os pacientes levem as dosagens para casa. O ideal, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é seis unidades per capita; a média nacional é de 1,2 unidades per capita.
Em Mato Grosso, o maior problema é a falta de um laboratório especializado para diagnostico e acompanhamento da enfermidade. O Hemocentro estadual possui um laboratório, que já foi referencia nacional no diagnóstico de hemofilia, chegando a atender pacientes de toda a região Centro-Oeste.
A realidade atual é bem diferente dos áureos tempos relatados pela médica hematologista, Sylvia Thomas, que é pesquisadora e aluna de doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sylvia, que já foi presidente da Federação Brasileira de Hemofilia, reconhece que o tratamento da doença já teve avanços, mas ainda esta distante da necessidade dos pacientes.
"A maior preocupação dos profissionais dessa área é com a falta de um laboratório eficiente. O Estado possuía um de excelente nível, era uma referência nacional e atendia pacientes de todo o Centro Oeste. A falta de investimento e entendimento dos gestores com a importância do Hemocentro e na continuidade desse trabalho acabou sucateando o laboratório. Hoje, não é possível se fazer um diagnóstico de hemofilia em Mato Grosso. Não temos condições de fazer esse trabalho, isso é extremamente preocupante", criticou a médica.
Doença ignorada
A hemofilia é uma doença é uma praticamente ignorada pela sociedade, que desconhece o sofrimento imposto aos pacientes. Assim como os diabéticos, que necessitam de insulina, os hemofílicos precisam tomar injeções periódicas dos fatores 8 ou 9, que vão evitar ou estancar os sangramentos.
"É a antiga cultura de escassez do coagulante. Atualmente, todos os pacientes diagnosticados recebem o coagulante inteiramente de graça pelo SUS. Quando existe falta de abastecimento é por erro de logística na entrega do medicamento. É importante lembrar que o paciente sangra toda a semana, não importa se ele se machucou, os sangramentos são involuntários", alertou Sylvia.
Segundo o Ministério da Saúde 20% dos medicamentos adquiridos são voltados à dose domiciliar, e o ministério está estudando estender a profilaxia a todos os pacientes.
De acordo com médica Sylvia Thomas, a política de utilização da profilaxia, tratamento preventivo, em que o hemofílico toma o remédio antes de sangrar, quando disponibilizado para os pacientes, quando ainda crianças, logo que a doença é descoberta auxilia e muito na qualidade de vida e recuperação do hemofílico.
"No Hemocentro em Cuiabá, já estamos utilizando a profilaxia nas crianças. Foi uma medida tomada internamente, sem o apoio do Ministério da Saúde, mas podemos garantir que as crianças tratadas desde cedo sofrem menos e conseguem ter uma vida com mais qualidade e menos sofrimento", revelou.
De acordo com o Ministério da Saúde, o governo federal investiu, no ano passado , R$ 300 milhões na compra de medicamentos para pacientes hemofílicos. Em 2011, o valor foi orlado em de R$ 350 milhões.
Dores
O que poucas pessoas sabem é que, além de crônica e incurável, a hemofilia é uma doença que traz grande sofrimento físico. "O tratamento não é um luxo. Dói, e dói muito. Cada vez que ocorre um sangramento dentro da veia, o sangue vai corroendo as articulações. Os pacientes descrevem a dor como se fosse de uma quebradura ou a de um prego dentro da articulação. É como se o hemofílico fosse crucificado", explicou Sylvia.
O estudante Wesley Oliveira Pereira entende bem sobre as dores relacionadas à hemofilia. Diagnosticado aos 10 meses de idade, Wesley chegou aos 18 anos com muitas dores e necessitando de uma cadeira de rodas. A mãe do estudante disse ao MidiaNews que a rotina não é fácil, ela deve que deixar o trabalho e se dedica inteiramente aos cuidados com o filho único.
"Quando ele era bebê, eu percebia muitas manchas roxas no corpinho dele. Como era só eu que cuidava, comecei a ficar preocupada. Inicialmente, me falaram que era anemia, mas depois viram que era mais sério. A minha vida é inteiramente dedicada aos cuidados do meu filho. A hemofilia dele é a mais grave, e sente muitas dores. Tem dias que não consegue nem andar até a porta para pegar o ônibus escolar. Agora fui informada que ele vai necessitar de uma cadeira de rodas. Não é fácil fazer um jovem de 18 anos entender que ele vai ter que usar uma cadeira de rodas pela vida toda", disse a dona de casa Aurejane Mendes Oliveira.
Sintomas
Os sintomas da hemofilia são os sangramentos. As pessoas com hemofilia grave têm hemorragias espontâneas, sem causa aparente. A
s simples atividades da vida diária como caminhar e correr podem produzir hemorragias internas nas partes do corpo onde há muita atividade e esforço, principalmente nas juntas (articulações) e dos músculos. Os joelhos e tornozelos são frequentemente atingidos, porque suportam grande parte do peso do corpo.
Outros sintomas comuns são as equimoses, manchas roxas sob a pele, e hematomas. Alguns hematomas são de alto risco, pois podem levar a problemas graves, como na língua, pescoço, antebraço e panturrilha.
Os sintomas dos sangramentos nos músculos e juntas são: dor, inchaço e parada do movimento no local atingido, braço ou perna, por exemplo. Os sangramentos após extração dentária são também importantes e devem ser prevenidos e acompanhados por profissionais experientes.
Atualmente, existem 34 Centros de Hemofilia no Brasil. Alguns somente com estrutura para armazenamento e distribuição de fatores e outros com equipe multidisciplinar completa, laboratório de alta tecnologia para o diagnóstico da hemofilia.
A Federação Brasileira de Hemofilia lembra que o tratamento preventivo desde a infância garante às crianças a inserção social e as condições necessárias para um desenvolvimento completo.
Utilidade pública
A mãe do estudante Wesley Oliveira faz um apelo e pede ajuda para a comunidade na aquisição de uma cadeira de rodas, para auxiliar o filho no convívio com a hemofilia.
"Eu não tenho condições de comprar a cadeira para ele, tive que parar de trabalhar e me deidicar aos seus cuidados. O pai dele nos deixou quando ele ainda era uma criança. Meu filho é aposentado por invalidez, a pensão que ele recebe do governo é apenas para as nossas despesas básicas. Me sinto incapaz, não é fácil ver um filho sentir dor e você não poder fazer nada. Com a cadeira ele poderá se locomover mais e sentir um pouco menos de dor", disse a Aurejane.
As pessoas que quiserem colaborar com a família pode entrar em contato com a mãe do jovem pelo celular 65-9263-2197.
Veja fotos do Hemocentro em Cuiabá:
O estudante Valdinei Gonçalves se machucou com uma simples batida no joelho. "É uma vida de dores e temos que ser bem cuidadosos", disse.